domingo, 25 de janeiro de 2009

Brasilidade - Maureen Bisilliat

conversa com Maureen Bisilliat
Federico Mengozzi
fotos: arquivo pessoal de Maureen Bisilliat
Apesar do nome, a inglesa Sheila Maureen Bisilliat esbanja brasilidade. Não só porque vive no país desde os anos 50, mas porque viajou pelo Brasil profundo e lançou livros de fotografia inspirados em clássicos de Euclides da Cunha e João Guimarães Rosa. Sim, Maureen Bisilliat é um dos grandes nomes da fotografia brasileira, embora se recuse a ficar fechada na denominação “fotógrafa”. Ela começou em artes plásticas – com estudos em Paris e Nova York -, passou pela fotografia – integrou a equipe da revista Realidade, momento único da imprensa nacional -, dedicou-se à cultura popular – foi uma das proprietárias da galeria O Bode e uma das organizadoras do Pavilhão da Criatividade do Memorial da América Latina, que dirige - e chegou ao vídeo – entre seus projetos atuais, a criação de um espaço para preservar a memória do Carandiru, em São Paulo. Para Maureen, as etapas não são rupturas, mas partes de um conjunto. “Eu nunca rompo com nada. Tudo se liga. É uma linha que segue.”

Você é mais brasileira do que muitos brasileiros. O que significa o Brasil para você?
Maureen Bisilliat - Não poderia ser diferente. Cheguei pela primeira vez ao Brasil em 1952, há mais de meio século, que é mais do que a vida que muitos brasileiros já viveram. O Brasil foi uma procura de raízes, que eu não tive quando criança. Nasci na Inglaterra, sim, mas vivi em muitos lugares. Meu pai era diplomata, o que me obrigou a uma vida meio camaleônica. O destino me amarrou ao Brasil. Foi um ficar querendo.

Mas você poderia permanecer em teu apartamento, e foi atrás do Brasil real.
Maureen - Eu tinha uma alma errante. É uma questão de personalidade. A ligação com Guimarães Rosa foi fundamental para isso. Quando li Grande Sertão: Veredas, entrei nele como um peixe n´água. A questão de compreender envolve outros raciocínios, que não somente os lingüísticos. Depois de ler, me perguntei o quanto era realidade e o quanto era invenção, e como se uniram. Aí fui ver o escritor, que me sugeriu que fosse testemunhar esse mundo – ele me disse que eu entenderia muito bem o sertão, pois eu tinha raízes irlandesas; a Irlanda e o sertão têm populações que se ligam muito ricamente com a palavra. Uma vez que você está na trilha, você está resolvido. Passa a ter uma identidade. A vida é tua e sempre vai ser rica.
Por mais de 20 anos, junto com meu segundo marido, Jacques Bisilliat, e nosso sócio, Antônio Marcos Silva, que conosco montou o Pavilhão da Criatividade do Memorial, trilhamos o caminho dos artistas populares e dos artesãos anônimos do Brasil.

Maureen e Darcy Ribeiro

O que norteou a criação do Pavilhão da Criatividade?
Maureen – Encontram-se boas coleções de arte popular nos países de origem.
Mas o Memorial apresenta a arte de vários países – Brasil, México, Guatemala, Equador, Peru e outros que estão no depósito. Temos enormes lacunas. Por exemplo, apresentamos peças do Equador e do Peru, mas não conseguimos representar devidamente a Bolívia, assim como os países do Cone Sul. Quando podemos, fazemos exposições temporárias. O problema não é montar exposições, mas manter as peças. É uma tarefa inglória, que não se percebe.
A coleção pertence a um momento. As épocas passam, as coisas mudam – e a arte popular é muito sensível. Hoje, a coleção seria outra, pois a cultura popular entrou numa mutação, incorporando novos materiais, sintéticos, e registrando novas influências, como a da televisão.

E a fotógrafa Maureen Bisilliat?
Maureen - Hoje não gosto de estar atrás da lente de uma máquina fotográfica.
Faço vídeo, não mais fotos – há já uns 15 anos. Ficou repetitivo. Cansei.
Gosto de ligar a imagem ao texto – o vídeo favorece isso. Faço muito vídeo, inclusive videofotografia, que é tirar instantes do vídeo e reproduzir em fotos. Há uns quatro anos me dedico a um trabalho de resgate de memória do Carandiru. É um projeto que faço com minha filha, que iniciou um trabalho no presídio nos anos 80. Fizemos um livro e agora queremos ter um espaço de memória num dos pavilhões. Acho que a memória é muito importante. Não preservá-la de maneira morta, mas tê-la para apreciação. São fotos, vídeos, testemunhos, entrevistas. É como se eu fotografasse, de fato, porque estou sempre lidando com a imagem.

O que significa ter integrado a equipe de Realidade?
Maureen – Um enorme privilégio. Enquanto o fotógrafo da Manchete levava um rolo de filme e tinha de fazer duas reportagens, nós recebíamos os filmes e tínhamos todo o tempo que precisávamos. Nem antes, nem depois, houve isso na imprensa brasileira. A revista procurava adequar as pautas a cada profissional – eu sempre ia para o interior. Conheci o Brasil assim. Se tenho de lembrar algo dessa época, cito a viagem que fiz com o jornalista Audálio Dantas, na Paraíba, para ir atrás das pessoas que caçavam caranguejos. Estava passeando pela lama do rio, escutei as mulheres e fui atrás. Era lama movediça, perigosa. Fotografei. A reportagem sobre as mulheres caranguejeiras é um de meus trabalhos mais conhecidos.

O trabalho em vídeo tem a mesma receptividade que teve o trabalho em
fotografia?
Maureen - Certamente é menos visível. Mas é o que me interessa. Assim como a edição de texto e imagem. De qualquer maneira, ainda estou envolvida com a fotografia. Por exemplo, estou iniciando a catalogação de meu acervo fotográfico para o Instituto Moreira Salles – que me propôs adquiri-lo.
Fazendo isso, não só preservo, como organizo, como sou hoje, aquilo que fui ontem. É muito interessante. Não é fácil, porque você entra num acúmulo de imagens e de repente quer jogar tudo no rio. O hoje é o Memorial, manter o que temos e caminhar; montar o Memorial Carandiru – não com esse nome - e organizar o acervo fotográfico para o Instituto.

E as artes plásticas?
Maureen - Comecei em artes plásticas aos 20 anos e produzi até os 30. Dos 30 aos 50 anos, foi fotografia. Dos 50 até agora, 73 anos de idade, vídeo e edição. Mas sinto que hoje não é o momento das artes plásticas, como tradicionalmente as conhecíamos. Elas enveredaram por outros caminhos. Acho que podem estar hibernando nos grandes centros – fui recentemente a Nova York e senti um certo cansaço -, desenvolvendo novas energias. Mas há uma energia espantosa nos países africanos, que não perderam suas lendas, assim como em países como a Turquia e a China – a pop art chinesa é uma loucura.

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Federico Mengozzi é jornalista da área cultural.
Revista Nossa América - 2004

sábado, 24 de janeiro de 2009

Wagner Moreira - Escrevo poesia por opção

Wagner Moreira entrevistado por Wilmar Silva

Vamos, Wagner Moreira, me diga por que escreve poesia?

WAGNER MOREIRA
Escrevo poesia por opção, pelo esforço exigido pela escrita e por ter a sensação de que posso criar algo, não necessariamente nessa ordem. Criar é uma das ações mais complexas que um humano pode exercer e, para tal é preciso optar por esse caminho. Criar poesia é trabalhar a si mesmo, a tradição e o seu tempo com a palavra, em seu traçado e em seu ponto.

WS
Se a poesia é “a liberdade da minha linguagem”, por que os poetas escrevem com medo de errar?

w
Talvez porque desejam que um pouco de ingenuidade e um pouco de imaturidade estejam presentes nessa arte que não permite a gratuidade, a inocência e a pouca experiência, a não ser como temas apresentados pela poesia. Fora isso, não se deveria falar em poeta ou poesia. Lembre-se de um Oswald de Andrade que fala sobre o olhar da criança, por exemplo. Todavia, tudo que esse olhar deseja é uma maior liberdade em relação à língua e a linguagem poética e, sempre, esse olhar é o do adulto poeta que utiliza uma imagem do senso comum para explanar um desejo requintado de seu ato criativo: a realização de uma poesia libertária.

WS
Se a fala é uma língua diferente da escrita, ser pobre é um “pobrema”?

w
Ser por si só é um pobremão! É preciso saber que toda linguagem abre a possibilidade de contato com o poder. Esse fato aclara as questões das diferenças sócio-culturais que permeiam as sociedades contemporâneas. Dessa maneira, pode-se observar que determinados grupos apresentam uma grande dificuldade para conviver com outros, sendo a expressão da língua apenas um desses lugares que presentificam um grau acentuado desse sofrimento social. Mais importante é perceber que não há uma regulamentação que possa ser apreendida desse fato. As diferenças existem. O incômodo causado por elas aparece nos lugares mais inesperados, nas pessoas de todas as categorias sociais que pudermos inventar. Para a poesia, essa tensão é produtiva como tema e como técnica, a questão que se coloca é os poetas estão atentos para a existência dessa tensão? Ou, por outra forma, como os poetas reagem ao dramático espaço de convivência das diferenças? Pensar algo nesse sentido ajuda a se realizar a poesia, tenha ela qualquer expressão.

WS
A propósito da mais histórica vanguarda burguesa no Brasil, o que você pensa, por exemplo, sobre alguns poetas burgueses fazendo poesia nos anos 70 como se descobrissem a pólvora?

w
A burguesia trouxe para a história da humanidade muita coisa. Dentre elas a liberdade de expressão. Nesse sentido, pode-se dizer que o fato de se constatar a existência de poetas em todos os níveis sociais e, creio, em todos os lugares desse planeta, é uma conseqüência das ações históricas burguesas. Caso contrário, somente os tais donos do capital (?) poderiam se dar ao luxo de ser poeta. Por outro lado, qual de nós não comete ações burguesas, vivendo em uma sociedade capitalista? Será que essa possibilidade existe atualmente? É claro, estão presentes no meio social, cultural, político e econômico, uma série de discursos que se dizem contrários ou diferentes do discurso burguês. Todavia, qual deles surge fora das possibilidades abertas historicamente pela tal da burguesia? A poesia dos anos 70 está, sim, marcada pelas contingências históricas tanto quanto qualquer outra década o está. Aqueles que podemos ainda chamar de poetas fizeram o seu papel, eles fizeram do fato, da vida pública e da particular, da violência, da cumplicidade, enfim, do cotidiano a poesia. Os outros, mais ou menos burgueses, não são poetas. Creio ainda precisarmos de mais tempo para que o processo de decantação em andamento venha evidenciar os poetas dos anos 70. É esperar para ver. Alguns nomes são conhecidos de muitos, outros estão à sombra da história.

WS
Como se explica o paradoxo de linguagem entre o plano piloto da poesia concreta e os beatniks de lata da poesia marginal?

w
Muitas pessoas quando se deparam com um paradoxo sentem-se impelidas a pensar uma solução, uma vez que entendem que qualquer paradoxo é um problema e, como tal, deve ser resolvido. Creio que essa postura seja precipitada, principalmente, se se considerar o caso citado anteriormente. Há um certo tipo de paradoxo que deve apenas ser descrito, pois não está disponível como um objeto que possa sofrer uma ação racional, reflexiva, sensorial que seja, em um tempo que se realiza para além do seu acontecimento. Em outras palavras, esses movimentos poéticos, se assim posso chamá-los, aparecem como um processo histórico que tem a necessidade de linearizar os eventos para buscar uma compreensão deles, para descrevê-los, para enumerá-los, etc., sem o peso da noção de progresso, como diria Benjamin, ou como uma evolução literária, segundo Tynianov. Assim, pode-se refletir sobre as diferenças de linguagens verificáveis na literatura brasileira do século vinte como uma linha de força que se coloca através de uma liberdade formadora presente no ato criativo. Quais os valores possíveis de se atribuir à expressão poética desse período é tema para uma reflexão minuciosa e de longo fôlego.

WS
Apesar dos frios anos 80, quando Wagner Moreira nasceu poeta?

w
Isto é algo incerto, seja através das narrativas ouvidas por mim, seja por meio da escrita, tenho a sensação de sempre ter convivido com a tal da palavra, em toda a sua gama de manifestação. Certo é que escolhi o livro que publiquei primeiro, Eunão sou Vincent Willem van Gogh, em 1998. Como efeito público, fica esse registro, somado a outro, o segundo livro publicado, diga-se, em 2002, selêemcio, fora o primeiro a ser criado por mim, o que estabelece um grau de complexidade a mais para responder à sua pergunta. O que posso garantir é que tenho uma necessidade de pensar o livro como um processo aberto, dinâmico, sujeito de si. Se nasci poeta de alguma maneira foi através de um acentuado grau de ficcionalidade do wagner, codinome homônimo de mim.

WS
Sem metáforas a pergunta é: o que é ser experimental nesse Brasil de bugres?

w
Em um país de maioria absoluta de mestiços experimentar é buscar as diferenças e fazê-las conviverem em um mesmo espaço. É estabelecer um procedimento que tenha a capacidade de coser tradições, instaurando um processo amplo de conexões, nas quais se atualizaram e se realizaram as bases de um estado de aproximação e de transpassamento das forças existentes, esperando que as fendas desses encontros apresentem os comportamentos possíveis de serem executados. É estar sempre pronto para reconhecer que as transformações são inevitáveis, quer se goste disso ou não.

WS
Apesar de produzir uma poética de invenção, você, Wagner, prefere ficar em São Pedro a invadir uma São Paulo, por exemplo?

w
Nenhum lugar é a sideração do poeta. Ou, o espaço do poeta é a poesia. É preciso fazer poesia, e não apenas desenvolver um discurso de poder que utiliza imagens ambíguas para se estabelecer. A poesia fala em suas linguagens de claros e enigmas o suficiente para aqueles que a ouvem. É preciso estar atento, já foi dito mais de uma vez. A única geografia que interessa, portanto, é a poética.

WS
E em Belo Horizonte, que espécie de poesia é produzida nesse lugar que realmente interesse à mídia e à academia?

w
Parte da mídia e parte da academia está muito preocupada com aquilo que é chamado de fenômeno de mercado. Em outras palavras, só se dá atenção para publicações de autores consagrados que tenham uma presença ativa nos meios de comunicação. Todavia, apesar de ser esse o lugar comum, deve-se observar que há aqueles críticos que sabem e desempenham o papel investigativo e seletivo, expressando um valor sobre o que é produzido por aqui. Mais importante para os poetas é saber que estamos em uma época de uma intensa e variada produção poética. Assim, não se deve esperar que a mídia ou a academia se pronuncie sobre o valor de seu trabalho. Ficar preocupado com o que poderão falar ou silenciar sobre a própria obra é uma espécie de passividade que não condiz com quem, deliberadamente, escolhe escrever. É preciso agir, criar, escrever e, sobretudo ler, ler muito e de tudo, para que o próprio poeta saiba de onde fala e para quem fala. Essa é a força em ação que qualquer escritor deve impor ao mercado, à mídia e à academia. O resto é com o tempo.

WS
Sendo professor de Literatura, poesia é literatura ou Ezra Pound é um blecaute?

w
Pound me parece mais um iluminado, alguém que sabia o que estava fazendo. Como a maior parte dos modernos, ele projetou em sua obra um caráter utópico enorme, desenvolvido com apuro técnico e poético. A poesia pode estar em qualquer espaço, sob qualquer nome. Não vejo nenhum problema no fato de se identificar o vocábulo literatura com ela. Buscar essa diferença pressupõe que o poético seja como um estado de exceção, com o que eu não posso concordar. Geralmente, pensar por essa via acaba, no mínimo, insinuando um discurso fascista como o fazer poético. Sei que há escritores e críticos que defendem tal diferença, mas é preciso estar alerta para as pseudo-imposições divulgadas como forma de se estabelecer um cânone contemporâneo.

WS
Com alguns livros publicados e uma poética inassimilável, inclusive entre os seus pares, como é ser um poeta extemporâneo ao seu próprio tempo?

w
Primeiro, eu só posso ser no tempo em que vivo. Ainda não consigo deslizar de um tempo para outro. Mas a poesia que faço é capaz disso, sim. O fato de grande parte dos escritores seguirem, cegamente, a tradição de João Cabral de Melo Neto, é algo sintomático de um tempo de incertezas, no qual é preciso inventar a certeza, nem que seja por meio do discurso poético estabelecido. Enfim, é uma escolha confortável, pois, viver à sombra sempre é menos intenso, menos arriscado. Poucos são os poetas que tem a consciência de seu caminho e em seu exercício enfrentam a poderosa e iluminada escrita cabralina, inclusive para criar diferença por dentro dela. Eu percorro outro caminho, se quiserem ler o que faço, é preciso estar atento para essa questão que impera, atualmente, em nossa sociedade.

WS
Wagner Moreira, quando nasce um poeta antes de sua realidade física?

w
A todo instante. Em nenhum instante. Um poeta nunca tem uma realidade física.

WS
A memória é um presente para salvar o futuro ou a poesia jamais vai transcender a existência?

w
A memória pode ter essa função salvadora, principalmente, se estiver conectada a um discurso religioso que a auxilie no se direcionar para um movimento de transcendência. Mas, é preciso observar que a memória não tem essa função como inata a ela. Quanto a poesia, ela pode sim transcender a existência, desde que seja a sua intenção poética. Ela é capaz de se dar em um espaço que esteja para além do cotidiano. Todavia, deve-se perceber que ao realizar tal ato, a poesia estabelece, pelo menos, um ponto de contato entre o que se faz existência e o que se faz para além dessa. Memória e poesia estão muitas vezes justapostas nos escritos poéticos. Entretanto, é preciso saber que a força do imaginário não tem que nascer dessa relação. E essa força contribui para se estabelecer um grau de ficcionalidade para o fazer poético muito importante, porque mostra a possibilidade da poesia acontecer sem a predominância da memória. Dizendo de outra maneira, é preciso entender que a memória não tem a necessidade de ser pessoal, uma vivência. Ela poder ser a do outro, a do coletivo, ela pode ser uma experiência de outro poeta, de outro ser que venha falar com o poético.

WS
O que pensa sobre o corpo de bronze de Henriqueta Lisboa na Savassi em Belo Horizonte?

w
Se se pensar na vida de Henriqueta, como querem muitos, talvez fosse necessário que sua presença não estivesse tão exposta. Talvez se tivesse que pensar em um lugar público que fosse mais reservado. Todavia, como afirmação de seu valor por ser um dos nomes mineiros mais importantes da poesia, qualquer praça onde haja uma grande circulação de pessoas é o seu lugar. O que mais gosto em sua poesia é o tratamento que ela dá para os espaços físicos e transcendentes. Ambos se apresentam com uma plasticidade exuberante, seja pelo falar sobre a natureza, seja por indiciar o estado de sublimação. Precisa-se não confundir ritmo intenso, imagens fluidas e abertura de significação com manifestação de fraqueza poética. E isto já reflete a força de sua exposição firme e, ao mesmo tempo, delicada, seja na poesia ou na praça.

WS
Consegue fazer uma viagem à eternidade só para encontrar com Artur Rimbaud, ou Rimbaud é um narciso do fracasso?

w
Rimbaud tornou-se um mito de fundação que se fez depois do início da gênese moderna. Muito de sua imagem está diretamente associado ao olhar anacrônico, fabular e romantizado sobre sua vida. O que me interessa em Rimbaud é a iluminação profana e suas possibilidades como instrumento de criação poética. Se se quiser pensar sobre como a sua vida contribuiu para a poesia, melhor seria rememorar as suas relações com os artistas da época. Talvez essas relações contribuam muito para os escritores atuais repensarem a necessidade de se ler os seus contemporâneos. Talvez essas relações possam marcar a importância do diálogo entre maneiras de se realizar a poesia em uma dada época.

WS
A vitória pelo fracasso é a fresta de saída para o sucesso depois da morte?

w
Isso é muito dramático para o meu gosto. O que todos temos que nos perguntar hoje é o que pode ser entendido como sucesso ao se escolher fazer poesia. Quem tiver a resposta já achou o queijo, só falta acionar a faca-palavra.

WS
Se pudesse eleger 33 poetas contemporâneos vivos para uma viagem ao desconhecido, com quem você viajaria?

w
Para o desconhecido, eu só viajaria com Dante como o meu guia. Se, e somente se, ao chegar em tal não lugar pudesse encontrar aquela que é a minha Beatriz.

WS
Fale o que significa a vida ao poeta enquanto condição?

w
Poeta não tem vida. Poeta é ficção. Há um sujeito que dá face e corpo, quando lhe interessa ao tal poeta. Esse sujeito é como qualquer outro. Em um mundo capitalista, ele tem que trabalhar. Tem que cumprir o seu papel de produtor de produtos, de consumidor de desejos pessoais e coletivos. Deve cuidar, como todo mundo, de sua imagem pública e privada. Enfim, viver para o bem ou para o mal o seu tempo. A época na qual vivemos é cirurgicamente violenta, em diversos sentidos. Morre-se pelas causas mais previsíveis e banais. Reinventamos uma nova significação para a palavra selvageria e para a palavra barbárie. Assim como inventamos uma nova significação para a palavra desejo e para a palavra sonho. Como para qualquer um de nossa espécie, existir não é fácil e tem suas belezas.

WS
A miscigenação brasileira pode ser comparada à miséria de criação a que os poetas se submetem?

w
Não! A miscigenação é a prova contra todos os preconceitos possíveis e imagináveis. É o riso de vitória daqueles que experimentam suas diferenças como espaço de convivência amoroso e fraternal. Só as pessoas ignorantes sobre o processo histórico dos movimentos de massa de nossa espécie são capazes de acreditar em pureza racial ou sei lá o nome que se queira dar para essa manifestação fascista. A miséria está ligada apenas ao exercício de poder em determinados grupos sociais. Acho que se se pode falar nesses termos em relação aos poetas é porque por um lado, eles não estão desempenhando bem o seu exercício artístico; e ou, por outro lado, o mercado tende sempre a criar uma reserva, um grupo de produção de segunda linha [neste caso, segunda linha não tem um caráter qualitativo] para suprir seus espaços vagos e manter a demanda atendida.

WS
Poeta tem pai e mãe, ou pai e mãe de poeta é uma angústia da influência?

w
A influência e todas as formas de conexão com outros poetas e escritores só se manifesta com angústia para aqueles que tem como preocupação central de seu trabalho a originalidade. Os modernos são assim, por exemplo. Se muitos poetas ainda se comportam dessa maneira, talvez seja por assumirem esse lugar da tradição moderna como ponto de partida para a sua criação poética. Para aqueles outros poetas que não se sensibilizam com a necessidade de instauração de um estado original, a angústia, caso apareça em seus textos, deve ser refletida a partir de suas motivações. O certo é afirmar que não se faz poesia do nada, melhor dizendo, pode-se sempre observar um diálogo com outros escritores ao se ler qualquer obra.

WS
Wagner Moreira, se José foi um carpinteiro, o poeta de hoje é também um instalador de artes plásticas?

w
A poesia sempre esteve atenta para os vários suportes disponíveis em diferentes épocas da história da humanidade. Seus contatos com a música, o teatro, as artes plásticas e consigo mesma vem de longa data. Hoje, parece que vivenciamos um despertar em relação à potência expressiva do poético e, talvez, seja essa uma das ótimas influências da chamada revolução eletrônica para a apresentação da poesia em diversos suportes. É bom lembrar que a voz, a velha e original voz continua a se afirmar como o suporte mais utilizado e encantador de todos os tempos. O poeta, em outras palavras, apresenta-se como o fazedor de cenas, de espaços, de meios, de sons, de imagens e de palavras que em seu trabalho ganham a força poética.

WS
Se falar é diferente de escrever, a língua é uma só ou a língua que se fala é uma língua e a língua que se escreve é uma outra língua?

w
No cotidiano, os usos da língua pedem formas exclusivas em diversas circunstâncias. No espaço poético, isso é algo irrelevante, uma vez que toda a expressão oral e escrita traz em si formas e significações fundamentais para a construção da poesia.

WS
O que aquele andarilho quis dizer com “eu é um outro” ou eu é eu e outro é outro?

w
Talvez quisesse afirmar a condição efêmera na qual existimos e exercitamos as nossas faces. Se se concordar com essa perspectiva, deverá se afirmar que o outro também está condicionado por esse estado de transitoriedade. Isso equivale a mostrar um acentuado grau de falência que está presente em nossa maneira de existir e, portanto de entender o mundo no qual vivemos. Assim, tudo que se faz recebe a efígie da ruína, da derrocada, por mais que venha a tardar. A poesia é uma dessas linhas de força que se desdobram com o intuito de reconhecer essa vertiginosa fissura e com ela, tentar se estender para além do estado de perda absoluta.

WS
Ser poeta é ser político, a política do poeta é uma política original?

w
Todo ser é político assim como todo ser é histórico. Isso é uma condição social ou uma condenação da vida como a entendemos. Toda vez que se luta por liberdade, está, simultaneamente, derrotando-se uma outra forma de entender as relações sociais. Fazer poesia não está livre desse processo. Tão dinâmica quanto qualquer movimento de agrupamentos de pessoas, a poesia se afirma como espaço autônomo em relação aos outros com os quais se conecta. Elege para si um lugar que pode ou não se relacionar com a vida de maneira direta ou não, chamando a isso de liberdade de utilização de funções as mais diversas. Isso é a essência da ação política, poder exercitar os percursos mais convenientes a si mesma, de acordo com o próprio entendimento de sua presença, de sua expressão. Desse modo, a política do poeta é a política da hora presente, carregada de subjetividade, de ambigüidade e de individualidade, por mais que aquele procure representar toda uma classe social, com raríssimas exceções.

WS
Se os poemas escritos por Wagner Moreira nascessem escritos por uma cor, que cor Wagner Moreira estaria pintando?

w
Todas as cores de cor-nenhuma. Nenhuma cor de todas-as-cores.

WS
O poeta tem sexo ou essa coisa de que poesia não tem macho e nem fêmea e nem natureza é coisa partida em cima do muro?

w
O poeta tudo nada pode. Ele se faz como quiser. Seu sexo, quando aparece, é uma escolha que não tem a necessidade de ser definitiva. Aliás, como na vida de qualquer pessoa. É fato que muitos escritores entenderam que escrever seria algo que se faz com uma voz semelhante à sua no que diz respeito ao sexo. Mas isso não é uma regra estabelecida. Pense-se nas cantigas de amigo, pense-se na ficcionalização do discurso, ou mesmo na livre manifestação do imaginário. Tudo é possível em poesia.

WS
A fala é o falo?

w
Pode ser. Isto é, é o que pode vir a ser. Contudo, não pode ser. Isto é, é o que não pode vir a ser.

WS
Mas a mulher que escreve poesia com que falo ela escreve?

w
Com aquele que ela inventar e que, dessa maneira, será sempre o dela.

WS
É possível traduzir a sua poesia ao tupi-guarani ou os índios realmente deveriam ser mortos como fantoches sem voz?

w
Como é possível trazer a poeticidade de seus tecidos verbais para a língua portuguesa, lembre-se de Herberto Helder, também é possível ser levado para qualquer língua, de qualquer povo. A questão que se coloca é: não entenderiam eles essa poesia como mais uma forma de aculturação imposta? Ou, por outra, estariam eles interessados em conhecer as expressões poéticas realizadas em outras línguas? A partir dessas colocações poder-se-ia refletir sobre tal ação poética.

WS
Sem corpo nem espírito, como ficam os poetas de hoje que sequer revelam a origem ou o fundo vertical do futuro?

w
O exercitar-se no meio do caminho parece-me já uma tarefa hercúlea. Se algum poeta conseguir criar algo sem começo nem fim, ele estará fundando uma tradição, o que seria extraordinário. Entretanto, creio que você esteja falando de um desnorteamento que impera ao se lançar um olhar sobre as ações poéticas contemporâneas. O excesso de caminhos apresenta um grau de complexidade da poesia como nunca fora visto anteriormente. Isto não significa uma perda de qualidade, necessariamente, mas reforça alguns aspectos recorrentes dessa fazer artístico como a fragmentação, o excesso como expressão poética, a condição de ruína, a conectividade como força criadora, a visualidade explorada em diversos suportes e linguagens, por exemplo. Certamente, pode-se verificar um grande número de pessoas que publicam e não deveriam, ainda, utilizar o nome de poeta. Para esses, sugiro muita leitura e trabalho.

WS
Brasil é América Latina ou Brasil é África?

w
Pode ser. Isto é, é o que pode vir a ser. Contudo, não pode ser. Isto é, é o que não pode vir a ser. Tudo nada cabe na Lata-Brasil.

WS
Além do umbigo, Wagner Moreira, “há uma gota de sangue em cada poema”?

w
Se o sangue for de papel. Se a gota for imaginária. Se o poema for poema. Se a flor for f...

WILMAR SILVA, natural de Rio Paranaíba, Minas Gerais, 30 de abril de 1965. Vive em Belo Horizonte desde 1986. Estudou Artes Cênicas, Letras e Psicologia. Poeta e multiartista que tem chamado a atenção de criadores e jornalistas de cultura pela linguagem de invenção em seus trabalhos de alta voltagem. Selecionado para o Museu da Língua Portuguesa, de São Paulo. Escolhido pela ensaísta Prisca Agustoni para a antologia “Oiro de Minas a nova poesia das Gerais”, publicada em Portugal, 2008, pela editora Ardósia, colecção Pasárgada, entre os dez melhores poetas dos últimos trinta anos no Brasil. Performer que tem se apresentado nos mais diferentes espaços e encontros de literatura e arte, a exemplo da performance experimental “O Sétimo Corpo”, estréia no Centro de Cultura de Belo Horizonte, apresentada no Fórum das Letras de Ouro Preto. E outras performances apresentadas no Circo Voador do Rio de Janeiro, na Casa das Rosas em São Paulo, na Fundação Casa das Artes em Bento Gonçalves no Congresso Brasileiro de Poesia, na Casa da América Latina em Lisboa, Portugal, no Palácio das Artes em Belo Horizonte, na Bienal do Livro de Minas na Expominas. Tem publicações em revistas e jornais e internet. Traduções para o francês, italiano, inglês e espanhol. Poemas musicados por Jorge Dissonância, Reynaldo Bessa, Anand Rao, entre outros. Curador desde a estréia em 2005 do projeto de poesia “Terças Poéticas”, da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, parceria Suplemento Literário e Fundação Clóvis Salgado, com mais de cem edições realizadas até agora, recebendo poetas e artistas do Brasil e do exterior. A partir de 2008 o projeto “Terças Poéticas” se expandiu em “Terças Poéticas ao Interior de Minas Gerais”, com edições mensais nas cidades pólos do interior do Estado. Fundou em 2002 a editora Anome Livros, norteada a publicação de poesia contemporânea em língua portuguesa, com mais de 100 (cem) autores publicados até 2008. O poeta Wilmar Silva realiza no momento um dos trabalhos mais interessantes de pesquisa de poesia, trata-se do projeto “Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua, antropologia de uma poética”, que consiste em cruzar as experiências de linguagem produzidas por poetas vivos do mundo lusófono. Wilmar Silva será publicado em Portugal pela Cosmorama Edições (www.cosmorama.com.pt), “Yguarani”, antologia de sua obra poética. Wilmar Silva publicou pela Anome Livros em 2007 a segunda edição de “Estilhaços no Lago de Púrpura”, onde o poeta assina Joaquim Palmeira. Blog www.cachaprego.blospot.com.

Livros publicados

“Lágrimas & Orgasmos”, Ed. Arte Quintal, BH, MG, 1986, “Águas Selvagens”, Ed. Asbrapa, BH, MG, 1990, “Dissonâncias”, Ed. Asbrapa, BH, MG, 1993, “Moinho de Flechas”, Prêmio Jorge de Lima, UBE, RJ, Ed. Blocos, RJ, RJ, 1994, “Solo de Colibri, Prêmio Blocos de Poesia, Ed. Blocos, RJ, RJ, 1997, “Çeiva”, Ed. Mulheres Emergentes, Coleção Almanach de Minas, BH, MG, 1997, “Cilada”, Ed. Guimarães e Toffalini, BH, MG, 1997, “Pardal de Rapina”, Orobó Edições, BH, MG, 1999, indicado melhor livro publicado, Jornal Hoje em Dia, BH, MG, “Anu”, Orobó Edições, BH, MG, 2001, “Arranjos de Pássaros e Flores”, finalista Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte, Prêmio Academia Mineira de Letras, melhor livro de poesia publicado, Orobó Edições, BH, MG, 2002, “Lágrimas & Orgasmos”, 2a edição, Anome Livros, BH, MG, 2002, “Cachaprego”, Prêmio Capital Nacional 2005, Congresso da Sociedade de Cultura Latina Brasil/ Sergipe, Aracaju, Sergipe, Anome Livros, BH, MG, 2004, “Estilhaços no Lago de Púrpura”, Anome Livros, BH, MG, 2006, 2ª edição 2007, “Anu”, 2ª edição, Confraria do Vento, RJ, RJ, 2008.

Antologias

“Antologia da Nova Poesia Brasileira”, org. Olga Savary, Fundação Rio, Ed. Hipocampo, RJ, RJ, 1992, “Verdes Sons Azuis”, org. Wilmar Silva, Arte Vide Verso, BH, MG, 1995, “A poesia mineira no século XX”, org. Assis Brasil, Ed. Imago, RJ, RJ, 1998, “Cantária”, org. Wagner Torres, Ed. Plurarts, BH, MG, 2000, “A poesia belorizontina contemporânea – prenúncio de outra coisa”, org. Anelito de Oliveira, Dimensão – Revista Internacional de Poesia, Uberaba, MG, 2000, “O achamento de Portugal”, org. Wilmar Silva, Prêmio Aires da Mata Machado, Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, Anome Livros, Consulado de Portugal Belo Horizonte, Fundação Calouste Gulbenkian, Instituto Camões, BH, MG, 2005, “Pelada Poética”, org. Welbert Belfort e Mário Alex Rosa, Scriptum Livros, BH, MG, 2006, “Terças Poéticas: jardins internos”, org. Wilmar Silva, Secretaria de Estado de Cultura de MG, Suplemento Literário e Fundação Clóvis Salgado, BH, MG, 2006, “Oiro de Minas a nova poesia das Gerais”, org. Prisca Agustoni, Ed. Ardósia, Colecção Pasárgada, Lisboa, Portugal, 2008

Reflexões críticas - Affonso Romano de Sant´Anna

8/12/2008
www.cronopios.com.br
Por Paulo Henrique Ferreira e Affonso Romano de SantAnna
Affonso Romano de Sant´Anna viveu intensamente os momentos vanguardistas dos anos 50 e 60 atuando em vários grupos, portanto sabe do que está falando em termos de arte contemporânea. Em O enigma vazio, o poeta e ensaísta vai além da crítica de arte e produz uma “crítica da cultura”. Ele considera que sua obra é um sistema, um “projeto poético-pensante” conforme diria Heidegger: poesia, ensaio, crônica e magistério que se informam mutuamente. Para dar forma a este livro, o autor revisitou por cinco anos todos os mais importantes museus do mundo. Os textos produzidos se relacionam com seus trabalhos anteriores: “Barroco, do quadrado à elipse” (Rocco), “Desconstruir Duchamp” (Ed. Vieira& Lent) e “A cegueira e o saber” (Rocco). [Paulo Henrique Ferreira]

1. De que forma a crítica da crítica pode auxiliar na reflexão dos caminhos que a arte contemporânea tomou no século XX?
AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA: Há, pelo menos, três tipos de “crítica”. A primeira é a critica informativa - de caráter jornalístico, tipo prestação de serviço ao público e uma outra que chamaria de crítica celebrativa. Esta é a crítica de endosso, feita às vezes de encomenda. A imprensa tende a misturar as duas, sobretudo depois da emergência dos divulgadores, curadores, galerias. Isto está mais para o “release”. Outra coisa é a crítica reflexiva, que se preocupa realmente em analisar obras e autores objetiva e independentemente. Segundo os estudiosos, desde os anos 60 estabeleceu-se uma certa confusão nesses campos. O que estou fazendo é uma metacrítica, a crítica da critica: pegar os grandes analistas (O. Paz, Jean Clair, Derrida, Barthes, etc) e ver alguns equívocos do discurso crítico deles. Se os grandes cometem tais erros, imaginem os diluidores?!

2. O exercício de desconstrução dos argumentos que você faz como quem pensa criador e criatura passaria por um processo semelhante da desconstrução e questionamento da linguagem artística – ou o que é arte? – feita pelos artistas e críticos de nosso tempo?
AFFONSO: Estou indo além da “desconstrução” posta em moda por Derrida: ouso dizer, ironicamente, que estou desconstruindo a desconstrução, que se julgava um método limite, insuperável, por que acreditava na onipotência de sua retórica e de certos sofismas. Esse repensar a arte se insere dentro de um esforço de repensar a cultura globalmente. Isto faz parte de meu projeto de rever os descaminhos do século XX. Sou um filho do século XX que está ousando questionar o pai. Há quase 20 anos, na poesia, escrevi o Epitáfio para o sec.20. No ensaio, explico isto.

3. Não seria natural que críticos – humanos que são – sucumbissem à subjetividade em um terreno bastante pantanoso que é a análise da obra artística? Ou você acha que a isenção, objetividade e reflexão foi claramente afetada pela falta de limites formais sobre o que é ou não arte na arte contemporânea?
AFFONSO: Sim, como diria Terêncio, os críticos são humanos e nada do que é humano lhes é estranho. Como, aliás, diria Nietzsche “humano, demasiadamente humano”. É bom que se reconheça certos autores como “humanos” e não como “super-homens” nietzscheanos. O que tento deslindar é um problema recente fascinante e grave: alguns críticos são romancistas e poetas frustrados. Barthes queria ser ficcionista, Derrida tinha um complexo de James Joyce mal resolvido. Pode parecer irônico, e o é, que seja eu, um poeta a dizer a certos críticos que parem de misturar as coisas e comportem-se primeiramente como críticos.

4. Marcel Duchamp transferiu para o espectador a responsabilidade por pensar a arte, transformando todos em artistas e críticos de arte. E qual foi (ou deveria ter sido) a responsabilidade dele? Pelo que hoje Duchamp teria de responder?

AFFONSO: Essa afirmativa de Duchamp é uma de suas conhecidas falácias. É uma esperteza enorme. Jogou nos outros a responsabilidade pseudo-artística. Até ensaístas que adoram Duchamp, como Octávio Paz e Jean Clair reconhecem que aí ele pisou na bola. O processo artístico não depende só do receptor, é mais complexo. Essa simplificação interessa aos carreiristas e aos que querem ter os 15 minutos de fama.

5. Quais os riscos do action writing? A partir de que ponto a obra sai das mãos do artista e torna-se obra do crítico e de suas idéias?
AFFONSO: Chamo de action writing essa paródia do action painting, é uma escrita desvairada, pretensamente literária, um blá-blá-blá pretensioso que se pretende hermético, para iniciados e é um rol de sandices. Se aplicarmos técnicas de análise de discurso e análise retórica, vemos como esses são discursos vazios, tão vazios quanto os “enigmas vazios” a que se referem. Esse tipo de crítica é tão má literatura quanto certa “arte conceitual”.

6. Para você, qual a função da crítica de arte? E como se faz para escapar dos devaneios artísticos-literários deste crítico-artista? Quais elementos constituem uma boa crítica de arte?
AFFONSO: A função da crítica é ampliar a leitura e propiciar o entendimento da obra. O crítico deve exercer o que chamo de “terceiro olhar”. A função do crítico é discernir, clarear, estabelecer categorias e não cair em armadilhas alheias, como ocorreu com Rosemberg, Danto e Geenberg. Quando você fala de “devaneio” é bom alertar que a crítica, como o processo de criação, não é a casa da mãe Joana. Essa bobagem que Duchamp disse que todo mundo é artista, todo mundo é crítico, não chega a ser engraçado. É apenas uma frase tola. Ele era o rei de frases tolas, nas quais as pessoas viam profundo saber. Num certo momento de sinceridade, aliás, ele disse: “cada palavra que lhes digo é estúpida e falsa”. Ele mesmo se chamava de “pseudo”, e assim por diante. Por isto é que uma das teses deste meu livro é que se deve analisar o discurso duchampiano, pois suas obras só têm sentido em relação a esse discurso. Espantosamente essa análise nunca foi feita antes.

6. Fale mais sobre este enigma vazio, esta tentativa de decifrar “algo”, dando a este “algo” alucinações críticas de obras insignificantes.
AFFONSO: Dizia Hanna Arendt, enquanto judia e filósofa, que se não conseguisse entender a lógica do nazismo, enlouqueceria. O mesmo eu me dizia a respeito da arte de nosso tempo. Isto tem que ter uma lógica, eu me dizia, deve haver um modelo de análise para essa anomia, para esse caos, essa entropia, para todas essas contradições discursivas. Acredito ter tocado no cerne da questão. Diferentemente de enigmas verdadeiros, a arte contemporânea está cheia de enigmas vazios que muitos tentam preencher com uma verborragia igualmente insossa.

8. Como você vê a arte contemporânea hoje – particularmente a brasileira?
AFFONSO: Esclareço uma vez mais que não sou “contra” a arte contemporânea. Aponto alguns de seus descaminhos. E dentro desse imbróglio há muitos artistas que admiro. Tentam, no entanto, confundir a questão dizendo que sou o “inimigo número 1” da arte contemporânea. Tolice. Ela não precisa de mim para isto. Seus inimigos estão dentro dela. Duchamp é um deles e ele cinicamente reconheceu isto ao dizer no fim da vida: “Este século é um dos mais baixos na história da arte”. E o próprio Jean Clair que o admira e fez a primeira retrospectiva dele em 1977, reconhece que foi ele quem abriu a “Caixa de Pandora”. Por isto, é que insisto que há que voltar a Duchamp para uma releitura, que não seja como essa que anda por aí, de pura louvação, acrítica. E essa leitura tem que ser feita na área da filosofia, da retórica, da teoria da literatura como mostro no meu livro.

9. E, por conseguinte, como vê a crítica de arte hoje?
AFFONSO: Em geral é uma crítica de endosso, é a crítica institucional de uma arte “institucionalista” como a definiu o antropólogo Howard Becker. E é uma crítica esquizofrênica, que está no poder, fingindo que é margem. Aliás, a figura da falsa “margem” tem servido bastante a essa esquizofrenia. Por isto, analiso no livro o fenômeno do “double bind”, do laço duplo, dos oxímoros ideológicos da modernocontemporaneidade

10. Em O enigma vazio você também aborda questões como a mercantilização da arte, que muitos consideram um retorno ao mecenato. Por que você discorda desta comparação?
AFFONSO: Sem se estudar isto não se entende o “êxito” e a anomia geral das artes. Ela serve à sociedade da aparência, da falsa cultura. Ela virou um apêndice da bolsa de valores, até se fala de “bolsa de artes”. E as ações e valores dos quadros são virtuais, sobem e descem de acordo com a circunstância. Há livros fundamentais analisando isto e eu também entro nessa questão.

11. Futurólogos sempre arriscaram previsões como o fim da pintura, por exemplo. E hoje ela continua aí e é cada vez mais valorizada. Arriscando um exercício de futurologia, como você vê os caminhos que a arte pode tomar?
AFFONSO: É sintomático que o século XX, que matou mais gente que qualquer outro, tinha mania de matar tudo, a arte, o romance, a poesia, a história, o “homem”. Verdadeira tanatomania. Hitler, Mao Tse Tung e Stalin ficam muito bem num século em que outros tentaram matar a arte e até a própria história. Pois não houve o caso daquele pensador da CIA Francis Fukuyma, que anunciou o “fim da história” e dez anos depois veio pedir desculpa, dizendo que se enganou, que a história continuava? Duchamp fez a mesma coisa, no final da vida entrou para o Instituto Nacional de Letras e Artes dos Estados Unidos. Cinismo ou autocrítica?

12. Finalizando: o que é arte para você?
AFFONSO: Essa pergunta é inevitável nas dezenas de palestras que tenho feito pelo país e no exterior. É uma pergunta mal colocada. Se não aprendemos a colocar as questões não teremos respostas razoáveis. O modo apropriado, depois de cem anos de acertos e muitos erros, é inverter ou tratar questão pelo avesso: o que não é arte?

Muitos produtos que estão aí nos museus e galerias pertencem à psicanálise, outros à sociologia, ao marketing, à antropologia, à literatura, à filosofia. Quando essas disciplinas se debruçarem devidamente sobre a questão, então poderemos voltar à pergunta sobre arte. Por isto, insisto nessa operação multidisciplinar para afastar o entulho.

De resto, os que pregam o “fim da arte” equivalem-se aos ateus, têm que falar de Deus para serem ateus.

Lamento muito em informar que ao contrário do que se acreditou no século XX, a arte não acabou, a arte é uma fatalidade do espírito humano e arte não é qualquer coisa que qualquer um diga que é arte, nem é crítico qualquer um que escreva sobre arte.

Affonso Romano de Sant’Anna é poeta, cronista, professor, administrador cultural e jornalista. Tem mais de 40 livros publicados, ensinou em universidades estrangeiras e nacionais e, à frente da Biblioteca Nacional (1990-1996), criou o Proler, o Sistema Nacional de Bibliotecas e programas de exportação da cultura brasileira.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Loic Wacquant - OS PÁRIAS DAS CIDADES

Loic Wacquant
10/04/2002

Entrevista de Favia Costa com o sociólogo Loic Wacquant, reproduzida da Revista Tiempos Modernos e publicada originalmente em Le Monde Diplomatique. Versão on line no site www.forumsocialmundial.org.br

Crítico implacável das políticas que reprimem os desamparados, Loic Wacquant, em Párias Urbanos, Editora Manantial, analisa a trágica multiplicação das desigualdades no interior das metrópoles.

Para Wacquant, estamos frente a uma nova marginalidade, uma nova era na história da pobreza. De Blade Runner para cá, tornou-se cada vez mais freqüente a idéia de que as grandes cidades caminham inexoravelmente para o modelo que Manuel Castells batizou como “cidade dual”, onde o que foi espaço comum, fraciona-se em dois territórios polarizados, cada vez mais distantes entre si: opulentas zonas residenciais e enclaves miseráveis de pobreza e marginalidade.

Longe de aceitar essa imagem como o único futuro possível, o sociólogo francês Loïc Wacquant propõe-se demonstrar que tal processo não tem nada de natural ou que não se possa frear. Em seu livro Párias Urbanos, recentemente publicado em espanhol pela editora Manantial, o pesquisador do Collège de France e professor da Universidade de Berkeley faz o rastreamento das origens da concentração espacial da miséria, da retração do Estado social, da desestruturação da economia, da precarização do emprego e da busca de alternativas para frear esse movimento.

Reconhecido discípulo de Pierre Bourdieu, com quem escreveu Respostas a partir de uma Antropologia Reflexiva, há tempos que Wacquant vem trabalhando esses temas. Em sua trajetória, inclui estudos comparativos sobre a desigualdade urbana, a dominação racial, as políticas de criminalidade e a teoria sociológica. Seu último livro, na realidade, é uma trilogia sobre as causas, o funcionamento e os efeitos da marginalização, que começou com Os Cárceres da Miséria (já traduzido em treze idiomas) e completa-se com Punir os Pobres, que será publicado em castelhano no final deste ano.

Convidado pela Universidade de Buenos Aires para uma série de conferências, Wacquant mostrou-se não só um entusiasmado contador de estórias, como um observador preciso da realidade atual, inclusive argentina. Neste diálogo, fala de seu último livro. Para escrevê-lo foi preciso transformar-se, entre outras coisas, em lutador de boxe. “Queria fazer um trabalho de campo com os jovens do gueto negro de Chicago e me inscrevi em um ginásio de boxe. Acabei disputando o grande torneio da cidade”. Além disso, o autor traça uma comparação entre um gueto norte americano, um bairro da periferia de Paris e uma "favela" (villa miseria) na Argentina. Explica por que, nos últimos anos, desenvolveu-se um “novo estatuto para a marginalidade”, que converte a todos nós em potenciais párias urbanos. É contra o preconceito que opõe “crítica teórica” a “prática política”, e defende a capacidade criativa da teoria social para interferir e modificar a realidade.

* * *

Como chegou a publicar esse livro? Quais foram as principais questões que orientaram sua pesquisa?

Este trabalho nasceu de um duplo choque existencial: em 1985 mudei-me para Chicago para fazer doutorado em Sociologia. Aluguei um apartamento muito próximo ao gueto negro, no limite entre o Hyde Park, um opulento bairro de brancos, situado na área em torno da Universidade, com um potente esquema de policiamento privado e telefones de emergência em cada esquina, e o pobre, deprimente e perigoso bairro negro de Woodlawn. Foi como viver em uma fronteira racial e de classe. Não podia deixar de sentir medo e, por vezes, me perguntava: como era possível a sociedade mais rica do primeiro mundo, suportar o peso de tal desamparo e segregação, em pleno coração de suas cidades? Assim, comecei a pesquisar a transformação do gueto afro-americano, desde os anos 60 até nossos dias. Em seguida, tive outro choque. No início dos anos 90, produziu-se uma epidemia de pânico na Europa, causada por um fenômeno eventual: os guetos de imigrantes. Temia-se uma “americanização” das metrópoles européias, caracterizada por um círculo de pobreza, desespero e violência racial. Recordo-me, em especial, de um artigo de Alain Touraine publicado no Figaro, onde comentava que as cidades francesas estavam “a caminho de Chicago”. Esta afirmação, baseada em vagas impressões pessoais e imagens midiáticas, pareceu-me cientificamente inaceitável e politicamente irresponsável. Decidi, então, unir as duas pesquisas. Por um lado, avancei em meu estudo sobre a transformação do gueto, através de questionários e trabalho de campo -- foi assim que entrei no bendito ginásio de boxe. Por outro lado, comecei a comparar a evolução do “cinturão negro” norte americano (os restos do gueto negro histórico das grandes metrópoles) com o “cinturão vermelho” da França, esses bairros operários de subúrbio, hoje em decadência, convertidos em territórios de segregação urbana.



Que conclusões extraiu da comparação entre os casos norte-americano e francês?

Minha comparação iluminou, em primeiro lugar, uma diferença básica entre a origem racial e política da extrema pobreza nos EUA. Lá, a exclusão urbana é produto da conjunção entre divisão de casta e iniqüidade de classe, reforçadas por uma política de restrição econômica e redução do bem-estar sustentado pelo Estado, desde meados dos anos 70. Nestes anos, a pobreza concentrou-se ainda mais nos guetos negros, porque os negros estão na interseção de três forças: a deterioração do trabalho motivada pela desindustrialização, a desorganização econômica e o auge do emprego ocasional; a persistência de uma rígida segregação racial; as políticas públicas que diminuíram a rede de proteção social e, em seu lugar, expandiram as “constrangedoras” redes de policiamento e presídios que são hoje, nesse país, os principais instrumentos para lidar com os pobres. Em resumo, a miséria no país mais rico do planeta, tem duas raízes: uma econômica e outra política. Ambas estão estreitamente ligadas entre si e, ainda, são ampliadas pela dominação de casta que permanece separando os afro-americanos do resto da sociedade.

Essa diferença de origem é o que nos impede de falar de uma “americanização" da pobreza nas cidades européias?

Exato. Um segundo resultado de meu estudo consiste em mostrar que, ao contrário da percepção média e dos slogans políticos fáceis, as cidades européias -- e acrescentaria aqui também as cidades argentinas -- não estão desenvolvendo “guetos”. É claro que a miséria está crescendo nas periferias urbanas, concentrando-se cada vez mais, e tornando-se mais sistemática e ameaçadora. Aí também, uma das causas básicas é a degradação do trabalho assalariado e crescimento do desemprego e do subemprego. Mas a composição e função dos bairros de exilados europeus não são as mesmas do gueto norte-americano.

Qual é a principal diferença?

Em primeiro lugar, nos bairros de exilados europeus misturam-se pessoas naturais do lugar e estrangeiros das mais diversas origens. Portanto, são etnicamente heterogêneos. Ao contrário, nos guetos existe homogeneidade. Em segundo lugar, os bairros de exilados europeus não abrigam redes de instituições paralelas que organizam as vidas cotidianas de seus residentes à margem das instituições da sociedade que os rodeia. Em terceiro lugar, as pessoas são expulsas e direcionadas para esses bairros devido, sobretudo, a sua posição de classe, e não tanto por razões de cor ou etnia. Quer dizer, esses bairros são, na verdade, antiguetos, o que não significa que sejam melhores que os guetos, mas simplesmente que são diferentes, e assim devem ser entendidos, através de sua própria lógica.

Por que é tão importante para você diferenciar “gueto” de “antigueto”?


Permita-me dar-lhe um exemplo: tanto no gueto norte-americano como na banlieue (bairro de periferia) francesa houve um incremento da violência nas últimas duas décadas. Então, poderíamos dizer: “isso ocorre porque guetos e antiguetos então se tornando cada vez mais parecidos; ambos são de algum modo guetos e igualmente perversos”. Neste caso, estaríamos perdendo de vista os mecanismos que alimentam a violência e que são completamente diferentes em cada um dos casos: nos guetos dos EUA, a hostilidade e a agressão se devem à distância social e econômica, cada vez maior, entre o sub-proletariado negro e o resto da sociedade. Nas periferias francesas, a xenofobia e os incidentes racistas originam-se na crescente proximidade entre filhos de imigrantes e filhos da classe operária francesa, que se sente ameaçada pela competição representada por esses ex-imigrantes, no momento em que seu mundo está entrando em colapso por causa da pressão da desindustrialização. No caso dos EUA, é o medo do “outro” o que gera a animosidade; no caso francês o temor surge porque o “outro” está se transformando em um “igual”.

No final do livro, você assinala um novo regime de “marginalidade avançada” que transcende tanto o gueto como o antigueto, e que marca uma nova etapa na história da pobreza urbana.


Efetivamente, eu argumento naquela parte do livro que existe um novo tipo de pobreza, diferente da miséria que conhecíamos na era fordista-keynesiana, era da expansão do crescimento industrial e do Welfare State, entre 1945 e 1975. Em primeiro lugar, a pobreza agora é produto, não só da falta de trabalho, mas da abundância de trabalho ocasional, inseguro, mal pago, o que nos faz perceber que não haverá solução apenas com o aumento de emprego. Em segundo lugar, a pobreza urbana concentrou-se em territórios que estão “desconectados” das economias nacionais. Isto é, pioram nos momentos de recessão econômica, mas não melhoram nos períodos de reativação, porque os benefícios que são obtidos pelos setores com alta qualificação e salários altos não são alcançados pelos setores mais baixos da escala. Em terceiro lugar, enquanto esses últimos permanecem desempregados ou empregados em condições indignas, perdem o sentido do bem comum e os laços afetivos com o lugar onde vivem. Finalmente, esses “párias urbanos” não possuem uma linguagem coletiva para articular suas experiências e reivindicações. Esse fato agrava seu desamparo. Antes dizíamos, “trabalhadores”, e englobávamos uma grande maioria dos habitantes dos bairros pobres. Hoje só temos definições negativas: os sem emprego, os sem teto, os sem documento. Isso mostra a falta de categorias para descrever esses grupos e construir um discurso que sirva de veículo para suas reivindicações. Eu estou chamando esse regime de “marginalidade avançada” porque ela não é expressão de atraso: floresce paralelamente aos mais avançados setores da economia.

Quais são as implicações de sua análise para as cidades argentinas?

A Argentina, como outros países da América do Sul com alguma industrialização (e também o Sul da África e da Ásia) estão enfrentando o pior cenário porque, nestas áreas, existe o desenvolvimento das duas formas de marginalidade, ao mesmo tempo. A "favela" (villa miseria) do ano 2000 não é a mesma dos anos 70; hoje é uma entidade híbrida que, às vezes, sofre pela falta de trabalho industrial no velho estilo e pela abundância de novos empregos precários, que não oferecem o mínimo de estabilidade social. A perversidade que este dilema cria é que todas as políticas que tentam reduzir um dos tipos de pobreza, automaticamente ampliará o outro, alimentando um duplo descontentamento, o do povo e o das elites do Estado, que sem levar em conta a ineficácia demonstrada em outros países, insistem em implantar políticas direcionadas unicamente para a contenção punitiva da miséria, justificada por um discurso que culpabiliza os pobres por seus problemas. Por todo lado, o século XX parece um retorno ao século XIX: a retórica vitoriana que critica a “imoralidade” e a “irresponsabilidade” dos pobres e, deste modo, desculpa e exime de responsabilidade coletiva a classe política e a burguesia transnacional que controla o destino do capitalismo desregrado.

Neste livro você assinala os perigos de políticas que implicam na “criminalização da pobreza”. O que significa exatamente criminalizar a pobreza?


Significa tratar a insegurança social como se fosse meramente insegurança física e responder às desordens urbanas e conflitos gerados pela pobreza persistente, e à ausência de um futuro viável, com a polícia e o aparato penal do Estado. As demandas por mais policiamento, pela ampliação das penas para delitos leves, por “varrer” das ruas os indesejáveis, a política da “tolerância zero” e do “pulso forte”, e o endurecimento dos regimes carcerários, expressam um impulso por responsabilizar o sistema jurídico-criminal pelas conseqüências negativas do desregramento da economia e da redução da proteção social; em síntese, tenta tornar opacos os problemas sociais criados pela submissão ao “livre mercado”. A glorificação do Estado Penal serve a um duplo objetivo econômico: forçar o novo proletariado a aceitar empregos inseguros como seu horizonte normal de vida e mandar para casa os que estão “sobrando”, aqueles para quem já não há horizonte dentro da economia.

Porque essa retórica contra os pobres está tendo tanto êxito hoje em dia? Porque o velho estereótipo essencialista, de que há classes “naturalmente perigosas”, voltou e se difundiu tão rapidamente?

Hoje, está circulando uma grande onda de angústia social, produto da transformação do trabalho assalariado: convivência cada vez mais freqüente do desemprego, como experiência de grandes massas e de várias gerações; e a extensão da categoria de normalidade para um tipo de trabalho precário, ocasional e mal pago. Essa “dessocialização do trabalho” faz com que, nem mesmo as famílias de classe média, possam sentir-se seguras com relação a seu futuro e às suas habilidades para transmitir aos filhos seu status social, cultural e econômico. A insegurança do trabalho determina uma instabilidade na vida cotidiana que se traduz em um profundo sentimento de temor, o qual, por sua vez, se projeta, desviado de sua rota, sobre as figuras dos delinqüentes de rua, dos sem teto, dos imigrantes ilegais e das minorias de cor, que simbolizam o medo da decadência social e do desamparo. Por isso, ninguém quer ver os sem teto pedindo esmola na rua: eles nos recordam que, de fato, “ele poderia ser eu”. Na era do trabalho assalariado dessocializado, e da absoluta mobilidade do capital, todos somos potenciais párias urbanos. Todos, exceto evidentemente os que possuem o capital cultural necessário para competir por empregos de altíssimo nível, ou capital econômico suficiente para não precisar vender sua força de trabalho para viver. Aqui estamos novamente na violenta divisão característica do capitalismo selvagem da época de Marx, exceto porque, agora, este opera em escala global, de fato. Portanto, não há como escapar dos estragos que provoca.

É possível frear este processo, aparentemente inexorável, em direção a uma sociedade polarizada que gera, ao mesmo tempo, abundância e miséria, opulência e desgraça?

A sociologia não é um inútil exercício intelectual, uma “arte pela arte”: é um instrumento para que os cidadãos repensem o mundo, com vistas a tentar transformá-lo e conferir-lhe perspectivas mais humanas. Escrevi este livro porque creio que existem possibilidades reais de resistir e, inclusive, de modificar a direção do processo, evitando o desmoronamento ainda maior da economia, o desmantelamento do Estado Social e a expansão do Estado Penal. De fato, essas três tendências estão unidas por suas causas e, também, funcionalmente. Combater uma delas é combater as outras. Mas para lutar, tanto no nível nacional como no internacional, é necessário, em primeiro lugar, identificar o inimigo. Isto, hoje, significa medir os imensos custos sociais e humanos que a utopia neoliberal do livre mercado supõe realizar.

Revista Vivercidades

O cinema da Boca em livro - LUIZ SUGIMOTO

LUIZ SUGIMOTO

Digam o que quiserem, mas o cinema da Boca do Lixo sonhou tornar-se uma Hollywood. Instalada na rua do Triunfo, área deteriorada do centro de São Paulo, esta indústria respondeu por 40% da produção de filmes nacionais nos anos 1970, quando o mercado absorveu a média de 90 títulos por ano. Um retrato detalhado e sem sombra de preconceito desta comunidade peculiar de diretores, atores, atrizes, técnicos, produtores e distribuidores, está no livro Boca do Lixo – Cinema e classes populares, do professor e cineasta Nuno Cesar Abreu, lançado pela Editora da Unicamp.

Obra retrata comunidade que pretendeu formar nossa Hollywood

“É uma comunidade que criou identidade própria, por meio de relações econômicas, artísticas e pessoais que permitiram aliar produção, distribuição e exibição. Qualidade da produção à parte, podemos dizer que foi um período de ouro para o cinema brasileiro – e de um cinema popular, se entendermos que ele era realizado e visto por pessoas dos mesmos estratos sociais. Minha impressão é de que a Boca aspirava por reconhecimento”, afirma o autor.

Segundo Nuno Abreu, o surgimento e o florescimento do cinema da Boca do Lixo não podem ser desvinculados do contexto dos anos 70, de pleno regime militar. Havia uma política de substituição das exportações, através de leis protecionistas de incentivo à ocupação do mercado pelo “similar nacional”, que começava na indústria e se estendia às atividades artísticas. No cinema, uma lei de 1968 obrigava que 50% dos filmes exibidos fossem brasileiros, sob pena de fechamento das salas.

“O cinema da Boca emerge no fermento desta obrigatoriedade. É nitidamente um caso em que a legislação gera a produção. Se havia dias determinados para exibição de filmes nacionais, então os próprios exibidores e distribuidores decidiram ajudar a produzi-los. E, como se fazia filmes com 20 ou 30 mil dólares, muitos comerciantes, fãs dos gêneros, também compravam suas cotas, com retorno garantido. ‘Pequenas empresas, grandes negócios’, seria o slogan”, compara Abreu.

Apesar de sua identificação com a pornochanchada, a Boca do Lixo produziu gêneros variados: faroestes inspirados no spaghetti italiano, policiais, melodramas e aventuras de segunda linha, cangaço e mesmo kung fu. A rejeição das elites, contudo, era patente. O professor observa que, no ambiente dos 70, ainda ecoava a efervescente contracultura dos anos 60 – o cinema novo, o tropicalismo e, na esfera dos costumes, a revolução sexual e a liberação da mulher.

Enquanto durou, a comunidade da rua do Triunfo não despertou qualquer interesse acadêmico, além de ser transformada em saco de pancadas da crítica. Nuno Abreu questiona, porém, se a rejeição não era devida, em parte, à apropriação da temática da sexualidade pelas classes populares. “O sexo estava na cabeça de todo mundo. Se a classe média recorreu aos divãs, as outras eram igualmente reprimidas e não escaparam da febre. Os filmes da Boca faziam sucesso junto às classes inferiores e talvez o erotismo como cultura de massa é que incomodasse”.


Censura – Outra pecha atribuída ao cinema da Boca é de ter progredido graças à repressão no regime militar. A ex-musa Matilde Mastrangi, por exemplo, declara no livro que a pornochanchada não predominaria se os representantes do chamado cinema culto encontrassem espaço para atuar no país. “Acho a explicação simplista. Os militares certamente prefeririam produções de caráter patriótico ou de outra natureza. Obviamente faltaram filmes tratando do papel histórico das classes populares, mas estas também precisavam de um canal para aliviar a repressão da sexualidade”.

A censura, ao contrário, mutilava os filmes eróticos mediante critérios incompreensíveis – permitia a mostra de um seio, mas não de ambos; se um mesmo palavrão aparecia três vezes, exigia o corte de duas falas. É verdade, de acordo com Abreu, que os métodos da censura também serviam para promover o filme. O diretor e ator David Cardoso incluía tarjas pretas nos cartazes, sugerindo o encobrimento de cenas mais fortes. “A pornochanchada vendia o que não tinha para entregar, recorrendo a títulos insinuantes para isso. Um fato é que finalmente tirou-se a roupa com certa naturalidade nas telas. Mas os ângulos por baixo da saia, por dentro do decote, são próprios para um voyeur adolescente, com toda a carga de ingenuidade que isso traz”, diz o professor.

Explícitos – A pornochanchada, portanto, sempre esteve bem distante dos filmes de sexo explícito. Houve um período de transição, já nos anos 80, em que se inseriram cenas explícitas com “dublês”, mas estrelas como Helena Ramos, Matilde Mastrangi e Aldine Muller recusaram-se a participar de tais produções. Foram os filmes pornográficos, aliás, que decretaram o fim do cinema da Boca do Lixo, embora o modelo já se mostrasse desgastado.

“Os mandados de segurança liberando Império dos sentidos – considerado um filme de arte – e Calígula abriram a porteira para a invasão de pornôs”, recorda Abreu. Como a implantação das salas especiais para este gênero nunca se efetivou no Brasil, os explícitos foram desalojando a pornochanchada das grandes salas do centro da cidade. Estas, por sua vez, acabaram estigmatizadas e transformadas em templos, estacionamentos e supermercados.

Organizado na forma de documentário, o livro de Nuno Cesar Abreu entremeia dados de pesquisa, depoimentos e artigos, além de comentários do autor. Traz 16 entrevistas com remanescentes do star system da Boca do Lixo: Alfredo Sternheim, Aníbal Massaini, Carlos Reichenbach, Cláudio Cunha, Claudio Portioli, David Cardoso, Guilherme de Almeida Prado, Helena Ramos, Inácio Araújo, Jean-Claude Bernadet, Luiz Castillini, Mario Vaz Filho, Matilde Mastrangi, Ozualdo Candeias, Patrícia Scalvi e Sylvio Renoldi.
Editora da Unicamp vai disponibilizar a íntegra das entrevistas em www.editora.unicamp.br

sábado, 17 de janeiro de 2009

Militares abandonaram política - Celso Castro


Celso Castro
Para Castro, militares
abandonaram política

(3/4/2000)
Nome: Celso Castro
Idade: 36 Cargo: pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, editor da revista "Estudos Históricos" e diretor da coleção "Descobrindo o Brasil", da Jorge Zahar Editor
Livros: "O Espírito Militar: um Estudo de Antropologia Social na Academia Militar de Agulhas Negras" (Jorge Zahar, 1990), "Os Militares e a República: um Estudo sobre Cultura e Ação Política" (Jorge Zahar, 1995) e "A Proclamação da República" (Jorge Zahar, 1999); organizador de "Ernesto Geisel" (ed. FGV, 1997), entre outros

CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, pôs os militares em destaque no cenário político brasileiro, uma participação que se manteve até o fim do regime militar, em 1985.

Para Celso Castro, 36, pesquisador do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas, especialista na questão militar brasileira, a principal preocupação dos militares hoje é livrar-se do estigma criado por sua participação na política entre 1964 e 1985.

Castro acaba de lançar "A Proclamação da República" (Jorge Zahar) e analisa os arquivos do ex-presidente Ernesto Geisel, doados pela família ao CPDOC.

Folha - Como a participação dos militares na política se desenrolou ao longo dos anos?
Castro - Eles foram politicamente ativos em vários episódios, mas é preciso ter cuidado com a generalização. Muitas vezes, foram alguns grupos que atuaram. Nas primeiras listas de cassações após o golpe de 64, havia mais militares que civis. O golpe é a grande intervenção e, diferentemente de outros momentos, os militares ficaram 21 anos e instalaram um regime militar, controlando o poder político. Eles tiveram divergências, embora no geral estivessem unidos em torno do que chamavam a "revolução de 64". A abertura iniciada por Ernesto Geisel encontrou muita oposição entre os militares. E as divergências continuaram fortes até os anos 80. O caso Riocentro, agora reaberto, é importante para ver como, em 1981, existiam grupos contrários à abertura.
Folha - Como o sr. avalia as declarações do general Newton Cruz de que Paulo Maluf o teria procurado para articular um golpe contra a candidatura de Tancredo Neves, em 1984?
Castro - É impossível avaliar se Cruz diz a verdade ou não. Mas havia, no momento da transição, militares insatisfeitos com os rumos da "abertura" e com a transferência do poder para um presidente civil de oposição. Era um grupo minoritário. Tratava-se de um grupo de "radicais", beneficiados pelo poder paralelo dos órgãos de informação/repressão durante a ditadura. Mas esse grupo já havia sido enfraquecido pelas decisões de Geisel e pela atitude de Figueiredo em relação ao caso Riocentro. Figueiredo e os comandantes do Exército da ocasião, para proteger oficiais amigos atuantes nos órgãos de informação/repressão, acabaram fazendo com que a bomba explodisse a imagem pública de toda a instituição militar. Também não podemos esquecer que, independente das acusações de Newton Cruz a Maluf serem verdade ou mentira, o Brasil tem uma tradição de políticos autoritários dispostos a recorrer aos militares para intervir na política em benefício de seus interesses.
Folha - Pode-se comparar o processo que levou ao golpe de 64 com o que levou à Proclamação da República em 1889?
Castro - A cultura da mocidade militar que fez o golpe de 1889 nascer era marcada pela predominância do mérito e das doutrinas cientificistas da época. A geração envolvida em 64 era formada por oficiais que tinham uma ideologia anticomunista muito forte. É uma geração que pensa que o mundo tem dois blocos, os bons e os maus, os Estados Unidos defendendo o capitalismo, a liberdade e a democracia, e os comunistas, liderados pela União Soviética, querendo subverter a religião, a família, a propriedade privada. Eles estavam engajados ao lado do Ocidente e o principal inimigo era inimigo interno, os comunistas. Esse linguajar é muito antiquado hoje, mas era o da geração que fez o regime militar. Em 1985, já havia uma situação de perda de prestígio social muito grande, em grande parte por causa da atuação no regime militar.
Folha - Antes de 64 a imagem social dos militares era outra? Castro - Eles tinham prestígio, uma profissão reconhecida, a instituição era admirada por grande parte da população. Com o fim do regime militar, é muito difícil encontrar qualquer pessoa ou grupo que os defenda. Hoje, não vejo uma questão militar preocupante. Há uma série de coisas a resolver, mas o que se considerava como prerrogativas militares foram sendo pouco a pouco afastadas.
Folha - Por exemplo?
Castro - Duvido que, há 15 anos, algum analista militar acreditasse que passaríamos por um processo de impeachment de um presidente da República em meio a acusações de corrupção, com mobilizações populares, sem que os militares tomassem uma atitude.
Folha on line

Nenhuma colonização é boa - Romero Magalhães


Historiador diz que brasileiros já tiveram tempo suficiente para reverter desigualdades sociais que poderiam ter sido causadas pela colonização

(10/4/2000)
Nenhuma colonização é boa, diz
o português Romero Magalhães
Nome: Joaquim Romero Magalhães
Idade: 57 Cargo: Comissário-geral da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e da cátedra Jaime Cortesão da USP
Livros: Publicou recentemente "Portugueses no Mundo do Século 16, espaços e produtos" (edição da CNCDP)

RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação
da Sucursal de Brasília

A colonização não pode ser usada sem critério histórico para justificar as mazelas de hoje. Na opinião do historiador português Joaquim Romero Magalhães, 57, isso produz um "anedotário" de falsas explicações.

Romero Magalhães é o comissário-geral da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, que coordena toda a programação e os estudos em torno do movimento de expansão marítima. Criada em 86, a CNCDP encerra os trabalhos em 2001, com a comemoração da descoberta da Terra Nova.

Magalhães falou à Folha, por telefone, da lenda da Escola de Sagres, que nunca existiu, e do "achado" do Brasil por Pedro Álvares Cabral, que ele considera obra do acaso. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - O sr. critica o uso do esquema multiculturalista, importado dos EUA, para estudar a colonização portuguesa. Diz, inclusive, que produz resultados anedóticos. Por exemplo?
Joaquim Romero Magalhães - É anedótico dizer que os portugueses deram cabo da mata atlântica e do pau-brasil. Se nós raciocinarmos um bocadinho, veremos que os portugueses, ou qualquer europeu que fosse, nos princípios do século 16 (e mesmo até meados do século 19) não tinham condições técnicas para derrubar tamanha extensão de mata. Não dispunham de serras mecânicas, o que levou à devastação da mata atlântica. Isso é um problema brasileiro, isso aconteceu depois da Independência (1822). O anedotário é resultado de querer imputar razões que não são as daqueles tempos. É o anacronismo a entrar na história.
Folha - Qual é o pecado original da análise multiculturalista?
Romero Magalhães - O Brasil é o resultado de uma transformação de culturas que vão sendo processadas em um longo devir histórico, desde as comunidades naturais, primitivas, que não formavam uma comunidade, eram uma pluralidade, até aquelas que vão chegando da Europa e da África. Essas comunidades não se mantêm estáticas. E se nós quisermos fazer hoje uma análise do tipo "isto é negro", "isto é índio", "isto é europeu", reduzimos uma a variedade a três elementos apenas. Isso é um erro porque desprezamos a dinâmica das várias culturas que se interinfluenciam. Exatamente o contrário de uma sociedade como a dos EUA, em que os vários núcleos se desenvolvem paralelamente, sem interação. Isso não serve para o Brasil.
Folha - A desigualdade na sociedade brasileira não é herança direta da colonização?
Romero Magalhães - Penso que não. Apesar de diferenças sociais também existirem em Portugal, não são tão gritantes como no Brasil. A verdade é que 180 anos depois da Independência isso já podia estar corrigido. E não está.
Folha - Qual é, então, a síntese do legado da colonização portuguesa no Brasil?
Romero Magalhães - Nenhuma colonização pode ser reduzida a um rol de crimes, mas nenhuma colonização pode ser boa. A síntese do legado português no Brasil é a unidade do território que nunca chegou à ruptura. A unidade que leva a que a língua seja a mesma, que nem sequer variedades dialetais tenha. Disso, nós portugueses devemos nos honrar muito.
Folha - Para que servem datas como a dos 500 anos?
Romero Magalhães - São momentos de reflexão e de estudo. É evidente que, para isso, é preciso chamar a atenção, alertar as pessoas para a efeméride e, portanto, a festa é um componente que funciona apenas como desencadeador do processo de reflexão.
Folha - Há alguma importância histórica em saber quem chegou primeiro ao Brasil, se Cabral, Pinzón, Duarte Pacheco?
Romero Magalhães - Não. Aplicando uma frase de Capistrano de Abreu, sociologicamente o que marcou foi Portugal. Os espanhóis, ainda que como erudito recuse a presença dos espanhóis, nem sequer a toponímia deixaram, nem os nomes das terras ficaram. Se passaram pelo Brasil, ninguém deu por isso.
Folha - Cabral chegou aqui por querer ou por casualidade?
Romero Magalhães - Eu não tenho certezas. A documentação obriga a dizer que foi o acaso. Todavia, há elementos de ordem náutica que permitem suspeitar que as coisas poderiam ter sido de outra maneira. É verdade que os portugueses conheciam bem as rotas do Atlântico. Basta ver as rotas de Vasco da Gama e a de Cabral, que são diferentes porque variam os meses do ano, ventos e correntes. Isso faz pensar que havia fortes indícios que levaram à aproximação pelo oeste da frota de Cabral. Repare que Cabral nem sequer levava padrões (colunas de pedra com as armas da Coroa portuguesa). O usual, quando ia a descobrir, era levar padrões para assinalar a posse por parte do rei de Portugal. No Brasil, tiveram de derrubar uma árvore e fazer uma cruz, para fixar próximo da Coroa Vermelha. Significa que a frota não ia a descobrir, mas havia fortes indícios de terra.
Folha - De que maneira se formou a lenda da Escola de Sagres, que nunca existiu como escola de navegação?
Romero Magalhães - Realmente a escola nunca existiu. Os compêndios de história em Portugal já nem falam da Escola de Sagres, no Brasil é que ainda têm isso. É uma coisa do século 19, quando se apostava na reforma da sociedade por meio do ensino escolar e não se admitia que no século 15 pudesse haver conhecimentos que não fossem aprendidos em um banco escolar. É difícil voltar à sociedade do século 15 e pensar que as coisas eram observadas no convés das caravelas e que eram transmitidas informações sem passar por um processo de escolaridade. Havia aquilo que Camões e Garcia da Horta chamaram de "experiência madre das cousas", o "saber de experiência feito". É o saber empírico, transmitido sem o estudo escolar. Fomos viciados, do século 17 para cá, na idéia de que aprendizagem é sinônimo de escola.
Folha - Caetano Veloso disse, em entrevista a um jornal de Lisboa, que os portugueses passaram o tempo no Brasil a "sugar, sugar, sugar e matar índios". Qual é o seu comentário?
Romero Magalhães - Acho que isso vai bem a quem quer que vá bem. Não me parece que corresponda sequer ao pensamento do próprio Caetano Veloso. Ele se deixou embarcar em qualquer coisa que passou à frente. Além do mais, eu prefiro o Caetano a cantar do que a falar sobre coisas de que não sabe.

Folha on line

Papel dos índios - Manuela Carneiro da Cunha


(20/3/2000)
Nome: Manuela Carneiro da Cunha
Especialidade: história indígena, etnociência e estudos de identidade étnica
Cargo: professora da Universidade de Chicago
Livros: "Antropologia do Brasil" (Brasiliense, 1986), "Negros Estrangeiros: Escravos (Brasiliense, 1985) e organizadora da coletânea "Histórias dos Índios do Brasil" (Companhia das Letras, 1992) e da "Enciclopédia da Floresta" (no prelo), inventário do conhecimento tradicional das populações da Bacia do Juruá no Acre
RENATO SZTUTMAN
especial para a Folha



Hoje professora da Universidade de Chicago, Manuela Carneiro da Cunha não é historiadora, mas antropóloga.

Suas obras e a de outros antropólogos de sua geração, no entanto, ajudaram a rever um ponto importante da história do Brasil: o papel dos índios. Mostrou-se que as sociedades indígenas são agentes, não meras vítimas de um destino traçado pelo colonizador.

Já em 1854, na ‘História Geral do Brasil‘, Francisco Adolfo de Varnhagen dizia que os índios não tinham história, só etnografia -visão que atravessou o século 19, instalou-se no 20 e só mudou recentemente. Para falar da pouco conhecida história indígena, Carneiro da Cunha, professora aposentada da USP, deu entrevista à Folha, em sua casa, em São Paulo.


Folha - O presidente da Funai, Carlos Frederico Marés, declarou que os índios nada têm a comemorar e que a Funai não participará das festas dos 500 anos.
Carneiro da Cunha - Eu acho que é isso mesmo. Não há muito o que comemorar. Mas o simples fato de se dizer isso já é algo digno de ser comemorado.


Folha - No México e em países andinos, a identidade nacional e a indígena são fortemente imbricadas. No Brasil, essa ligação é mais frouxa. Por quê?
Carneiro da Cunha - As sociedades das terras baixas sempre foram consideradas, em relação às chamadas altas civilizações, como de ‘segunda linha‘. Aqui não havia sociedades organizadas de maneira hierárquica como nos Andes e, portanto, tornava-se mais difícil para os colonizadores valorizá-las. No México e nos Andes, houve uma possibilidade de transferência dos mesmos valores. No Brasil, era muito mais difícil se vangloriar desse indianismo. Ele certamente representou uma reviravolta nos valores, mas que não foi tão imediata.


Folha - Como fica o lugar dos índios na história nacional?
Carneiro da Cunha - Na ‘História Geral do Brasil‘, de Varnhagen, os índios não fazem parte da história, são um ‘pano de fundo‘. O Código Civil de 1916, por exemplo, não os incluía. Daí a introdução, de última hora, da noção de tutela, a mesma idéia de que os índios não participam da história nem da sociedade.


Folha - A obra de Gilberto Freyre trouxe alguma contribuição em relação a essas visões?
Carneiro da Cunha - Talvez me engane, mas até hoje não identifiquei nele qualquer conhecimento aprofundado do que eram as sociedades indígenas. Ele é genérico, não sei que fontes usa para configurar o índio. A agenda dele se voltava para os negros. Temos nesse autor uma espécie de mito, o mito do enraizamento.


Folha - Como foi possível reintegrar as sociedades indígenas à historiografia do país?
Carneiro da Cunha - Darcy Ribeiro foi um dos primeiros a chamar atenção para essa recuperação. De certa forma, o que nós tentamos fazer no Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP foi isso. Pretendíamos chamar atenção não só para a presença dos índios na história do Brasil, mas também para a participação nela segundo uma lógica própria. Tentamos ver de fora e por dentro, como os planos se articulam, como fatos são reapropriados, influenciados e interpretados pelas sociedades indígenas.


Folha - Quais são as contribuições dos estudos de história indígena?
Carneiro da Cunha - Quando pensamos o núcleo, havia um programa de documentação de fontes para a história indígena. Instrumentalizamos a pesquisa histórica para ampliar a discussão sobre os direitos dos índios. Um exemplo é o estudo de Beatriz Góis Dantas sobre os xocós, de Sergipe. Ela estudou o percurso histórico deles no momento em que disputavam uma área numa ilha do rio São Francisco, num conflito judicial. Beatriz inventariou a representação histórica sobre eles e mostrou que tinham direitos históricos sobre a terra.


Folha - A idéia de que as sociedades indígenas são agentes de sua história se choca com o ideal de ‘sociedades frias‘ proposto por Claude Lévi-Strauss?
Carneiro da Cunha - O que Lévi-Strauss queria dizer com sociedades frias é que elas não valorizam a história e que se pensam na história como reproduzindo uma forma idêntica. As sociedades quentes são as que vêem a história como motor explicativo. Mas ele enfatizou que não há sociedades absolutamente frias ou quentes. Acho perfeitamente possível participar da história e, no entanto, pensar que se está reproduzindo uma ordem dada de antemão.


Folha - Bons resultados nas últimas décadas derrubaram as previsões de que as populações indígenas estavam fadadas ao extermínio. Você é otimista?
Carneiro da Cunha - Uma razão é segura: toda previsão dá errado. A mobilização indígena em torno da questão da diversidade biológica e dos conhecimentos tradicionais é nova e importante. Devemos nos deixar surpreender.

Folha on line

Angolano relembra domínio brasileiro - José Gonçalves


José Gonçalves
(10/4/2000)
Angolano relembra
domínio brasileiro

Nome: José Gonçalves
Idade: 50 Cargo: é pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes. É formado em Economia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Ele fez mestrado em Economia na mesma escola
Livros: participação em "O Estado em África" (ed. Khartala, Paris, 1964) e "União Européia e os Países ACP (África, Caribe e Pacífico)" (ed. Khartala, Paris, 1968). Autor de "Angola, Fogo Intenso" (ed. Cotovia, Lisboa, 1992).
CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

Durante um século -entre 1648 e fim dos anos 1740-, o Brasil dominou Angola, ocupando as funções de Portugal no controle da colônia e do tráfico de escravos. O domínio começou com o envio de uma armada financiada por comerciantes brasileiros para reconquistar Angola, então sob o domínio dos holandeses.

De acordo com o angolano José Gonçalves, 50, pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes, no Rio, a ocupação brasileira em Angola foi o início de uma relação que, até hoje, alterna momentos de aproximação e rejeição. "Houve muita repressão em Angola, após a expulsão dos holandeses. Os brasileiros estavam lá para garantir o tráfico de escravos", diz Gonçalves. Leia entrevista do pesquisador à Folha.

Folha - Como era a relação entre Brasil, Portugal e Angola nos séculos 16 e 17?
José Gonçalves - Portugal tinha o mesmo projeto, de expansão mercantilista, para os dois países. Como os portugueses haviam perdido as colônias da Ásia, tiveram de se concentrar no Brasil, como produtor, e em Angola, como fornecedor de mão-de-obra. Luanda é a primeira grande cidade africana fundada pelos europeus, em 1575. Quando os portugueses perdem a independência para a Espanha (1580-1640), só têm Angola e Brasil. O comércio de escravos e de açúcar dava um lucro fenomenal, o que desperta o interesse da Holanda, que toma o que pode de Portugal (a invasão holandesa durou de 1624 a 1654). Em 1637, instala-se em Pernambuco o conde Maurício de Nassau. Ele percebe que faltava mão-de-obra na região e que essa mão-de-obra estava em Angola.
Folha - O que acontece então?
Gonçalves - Nassau diz a Amsterdã que, para segurar Pernambuco, precisa de Angola. E os holandeses a tomam em 1641.
Folha - Durou muito tempo o domínio holandês em Angola?
Gonçalves - Não. Em 1648, as coisas já estão mudando no Nordeste e os portugueses já têm Pernambuco praticamente de volta. O rei de Portugal autoriza a retomada de Angola, mas não manda tropas. Quem o faz são os comerciantes do Rio, que se juntam para pagar uma armada e tomam Angola dos holandeses em 1648.
Folha - Houve resistência dos holandeses?
Gonçalves - Não. Como eles já estavam perdendo o Nordeste, Angola já não interessava. Em um dia, a armada brasileira tomou Luanda. A partir daí, todos os cargos importantes do governo eram ocupados por pessoas vindas do Brasil -governador-geral, bispo e comandante militar. E isso por quase um século.
Folha - Os governantes de Angola após a retomada eram brasileiros ou portugueses que moravam no Brasil?
Gonçalves - Havia as duas coisas. O que se pode dizer é que eram figuras muito repressoras. A escravatura, para eles, era um valor absoluto e a presença deles em Angola era para garantir o tráfico de escravos para o Brasil.
Folha - Como terminou o domínio brasileiro em Angola?
Gonçalves - Ao fim de quase um século de domínio brasileiro, Lisboa se assusta. O Brasil estava ganhando força. Por volta de 1750, Portugal tira de Angola todos os funcionários ligados ao Brasil e coloca partidários da Metrópole. Na Inconfidência Mineira, Portugal já retomara o controle, tanto que alguns dos conspiradores são degredados para lá. Quando começa a haver uma repressão política no Brasil, Angola passa a admirar o país. Mas isso muda novamente com a Independência. Alguns setores angolanos chegam a pensar em acompanhar o Brasil, mas os mais críticos, ou mais à esquerda, percebem que o Brasil queria a Independência de Angola para ampliar seu domínio e manter o fluxo de escravos.
Folha - A "antipatia" persiste por muito tempo?
Gonçalves - Ela desaparece no período da proclamação da República, porque também havia um movimento republicano em Angola. Como não havia mais escravatura, os angolanos percebem que o interesse brasileiro no país não tem mais relação com a importação de mão-de-obra. A partir do início do século 20, todos os movimentos nacionalistas que surgiram em Angola têm alguma ligação com o Brasil. A ligação se intensifica depois da Segunda Guerra Mundial, quando intelectuais brasileiros e angolanos estreitam contatos. Há muitos intelectuais brasileiros citados em processos políticos em Angola, por incentivar a luta contra o domínio português. Nos anos 60, com Jânio Quadros, os contatos aumentam, mas a aproximação cessa com o golpe militar de 1964.
Folha - Qual foi o impacto de 1964 nas questões angolanas?
Gonçalves - Naquele momento, Portugal estava isolado no mundo, mas os militares no poder voltam a apoiar as políticas colonialistas do salazarismo. Depois, os militares passam a se envergonhar. Quando há a Revolução de Abril de 1974 em Portugal, e logo depois ganham força os movimentos de Independência de Angola, o Brasil não os apóia. Isso causou atritos entre os dois países, mas o então chefe do departamento de África do Itamaraty, Ítalo Zappa, consegue fazer com que o Brasil fosse o primeiro país a reconhecer a Independência de Angola, em 1975.

Folha on line

"Não creio em solução"- João José Reis


João José Reis
(24/4/2000)

"Não creio em solução",
diz João José Reis
Nome: João José Reis
Cargo: professor do departamento de história da Universidade Federal da Bahia
Especialidade: escravidão
Livros publicados: "A Morte é uma Festa - Ritos Fúnebres e Revolta Popular no Brasil do Século 19" (Companhia das Letras), "Liberdade por um Fio - História dos Quilombos no Brasil", com Flávio dos Santos Gomes (Companhia das Letras), entre outros
SYLVIA COLOMBO
Editora interina de Especiais

Para o historiador João José Reis, da Universidade Federal da Bahia, as ex-colônias da América Latina estão sendo espancadas pela globalização. Reis crê, porém, que o processo possui um lado bom, ao fornecer elementos para que as minorias resistam ao racismo doméstico, "é o caso do reggae na Bahia e no Maranhão e o do rap em São Paulo e no Rio". Leia abaixo a entrevista que o historiador deu à Folha, por e-mail, de sua casa, em Salvador.

Folha - Quais as principais lacunas na história da escravidão no Brasil? Existem pesquisas dando conta delas?
João José Reis - Há bastante pesquisa, especialmente cobrindo o século 19: tráfico, demografia, família, economia, resistência, abolicionismo, religião, várias dimensões da cultura escrava, etc. Mas as lacunas são também grandes. Há pouca coisa publicada sobre o período colonial do século 18 para trás. Há pouca história comparativa entre o Brasil e outros países escravistas, assim como entre várias regiões do país. Mas a maior lacuna é a história do negro após a abolição, silêncio só recentemente rompido, e ainda timidamente.
Folha - Devido a seu passado colonial comum e ao papel que lhes coube no pós-Independência, os países latino-americanos passaram por ciclos políticos comuns (liberalismo, ditaduras militares, populismo). Com a globalização, que posição aguarda a América Latina no cenário internacional?
Reis - Embora a América Latina não possa ser toda ela colocada no mesmo plano, teve em comum um modelo específico de colonização, foi colônia de exploração no contexto da primeira globalização, a do século 16 em diante. Hoje tem uma posição estruturalmente frágil internacionalmente. A atual globalização continua espancando as ex-colônias e sobretudo seus pobres. Estes continuarão se mobilizando contra uma maior deterioração de suas condições de vida, enquanto as elites, que não querem abrir mão de nada, endurecerão o controle político quando se sentirem ameaçadas. Não creio em solução, em lugar nenhum, com os níveis existentes de desigualdade.
Folha - O que acha do movimento negro no Brasil hoje? Acha que o fato de grupos negros evocarem sua tradição cultural é uma forma de encarar a massificação apontada pela globalização?
Reis - O movimento negro tem desempenhado papel fundamental ao alertar o país para o racismo, algo que não deve ser esquecido neste momento em que uma visão ingênua da miscigenação tende a ser revitalizada. Um dos negócios da comemoração dos 500 anos é enfatizar a imagem de um país que, porque é miscigenado, não tem clivagens raciais. Quando os negros celebram suas tradições culturais não estão exatamente se posicionando contra a massificação globalizante, mas contra o racismo doméstico. Usam também para tal fim informações facilitadas pela globalização, o caso do reggae na Bahia e no Maranhão e o do rap em São Paulo e no Rio. Globalização tem seu lado bom.
Folha - O que o senhor considera que a efeméride dos 500 anos possa representar para a historiografia? Há uma releitura crítica do passado colonial por parte dos acadêmicos?
Reis - A efeméride serve para os pesquisadores se reunirem em colóquios, onde a maioria lança um olhar crítico sobre a Colônia, e não só a Colônia. Celebrações desse tipo não são totalmente inúteis. Mas a historiografia não depende de efemérides para mudar de rumo. Visões críticas sobre o passado colonial já existem entre nós desde pelo menos o século 19. Todo esse debate é muito velho.
Folha - O senhor acha que faz sentido acreditar numa comunidade lusófona, com Brasil, Portugal e as ex-colônias africanas?
Reis - Não vejo muito sentido, a não ser para gramáticos. A língua não constitui uma razão suficiente para se pensar em comunidade. Portugal deve sua lealdade à comunidade européia. Os países africanos, além de polifônicos, têm problemas mais dramáticos e urgentes a tratar. A língua comum continuará facilitando o contato, sobretudo cultural, que no caso da África eu acho que poderia ser intensificado - mas só.

Folha on line