sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sheila Waligora

Sheila Waligora, veterinária formada pela USP, explica como a comunicação com os animais e com outras formas de vida pode ajudar o ser humano

Por Tereza Kawall

Podemos realmente nos comunicar com outras espécies? Transmitir-lhes uma mensagem e receber uma resposta clara? Como abrir os canais para essa comunicação? Sheila Waligora, veterinária, autora do livro Eu Falo, Tu Falas... Eles Falam - Guia para Comunicação entre Espécies, recém-lançado pela Editora Irdin, responde a essas perguntas nesta entrevista a PLANETA. Sheila dedica-se a divulgar a comunicação entre espécies com o objetivo maior de expandir a consciência do ser humano em relação aos reinos mineral, vegetal e animal.

Qual é a sua Formação?

Sou veterinária formada pela Universidade de São Paulo. Sempre me interessei por veterinária. Fui morar no campo, onde começamos a criar animais. Com o tempo, passei a plantar frutas, plantas medicinais e, espontaneamente, falava com as plantas. Aflorou em mim um imenso amor pelas plantas e por toda a natureza que me envolvia e me vi conversando e me relacionando com elas como amigas. Fui fazendo uma série de experiências e acabei pesquisando sobre abelhas, macacos, plantas, terapias alternativas, homeopatia, alimentação natural para animais. Criei abelhas, produzindo mel e artigos apícolas, aprendi a adestrar cavalos com doma racional, e essa comunicação com os animais, que surgiu de uma forma muito espontânea, foi se intensificando e se aprofundando.

Seu interesse pelos animais surgiu na infância?

Eu era completamente fascinada pelos animais e tinha uma conexão natural com eles, o que na verdade acontece com muitas crianças. A sociedade e a educação acabam inibindo essas capacidades, mas agora, na Era de Aquário, elas já estão sendo encaradas com mais naturalidade.

A criançada está mais sintonizada com essas conexões mais sutis?

A nossa natureza está em união com todas as formas de vida. Todas. O homem moderno perdeu isso e agora se percebe separado dos outros seres, mas em nossa essência originariamente sempre estivemos conectados com todas as formas de vida, com todos os reinos. Agora estamos nos reconectando por intermédio de diversas áreas de conhecimento. Vejo as pessoas falando e ensinando a mesma coisa que eu digo, a partir de outros pontos de vista. Mas este será o nosso futuro: vamos nos comunicar sem precisar falar nada. Nos tornaremos mestres em telepatia.

Como você aborda a telepatia e a intuição no seu trabalho?

No livro, eu conecto a intenção com a intuição. Quando vou ensinar sobre a comunicação telepática, falo sobre a visão do biólogo inglês Rupert Sheldrake, que conseguiu mostrar que existe comunicação telepática entre seres humanos e animais, mostrando também que a intuição nada mais é que nossa capacidade de acessar os nossos cinco sentidos de uma forma expandida. Alguns dizem que a intuição é o sexto sentido. Para mim, é uma percepção mais sutil, mas que também chega pelos cinco sentidos.

Quando alinhamos o que está no nosso coração com aquilo que queremos verbalizar, conseguimos nos fazer entender muito mais facilmente. Nesse sentido, é muito importante frisar que não é só na comunicação com os animais, mas principalmente na de humanos com humanos. A comunicação verdadeira e efetiva vem de um alinhamento entre aquilo que sentimos e aquilo que pensamos. Na nossa vida moderna, na qual nos sentimos separados uns dos outros, com frequência temos dificuldade de exprimir aquilo que realmente sentimos e pensamos. Temos de "maquiar" nossas palavras, pois algumas coisas não podem ser ditas.

Com os animais, no entanto, esses problemas não acontecem. Quem tem animais e convive com eles sabe disso. Eles olham dentro dos seus olhos e se conectam com o seu coração. Eles se conectam com a sua intenção e, por isso, você não pode enganá-los com palavras. Exemplo: a pessoa entra em uma casa, vê um cachorro, exclama "que bonitinho!" e o animal rosna para ela! Ele percebeu que a pessoa está com medo e, quando a pessoa tem medo, o animal logo percebe.

Essa comunicação se processa pela via emocional?

Sim, exatamente. No livro Cães Sabem Quando Seus Donos Estão Chegando, de Rupert Sheldrake, ele descreve detalhadamente a teoria dos campos mórficos, que norteia muitos trabalhos modernos, afirmando que as pessoas que têm uma relação afetiva estão unidas por um campo que não depende do tempo e do espaço e a comunicação circula por esse campo.

Esse campo é "elástico", pois duas pessoas se comunicam por meio dele até mesmo a grande distância física. A telepatia fica mais fácil de ser compreendida dentro dessa teoria. Alguns cientistas convencionais ingleses tentaram desacreditar essa teoria, argumentando que os cães agem dessa forma só por condicionamento.

Sheldrake afirmou o contrário e desconstruiu essa crítica. Ele fez um experimento filmado, mostrando que o animal captava a intenção do dono, ou seja, quando este tomava a decisão de ir para casa, o animal, mostrado pela câmera, já se dirigia à porta da casa. Portanto, isso não é um condicionamento, e sim uma conexão pelo coração. Quem pratica essa forma de comunicação percebe claramente essa realidade.

No início, esse trabalho sempre desperta muita curiosidade, porque se relaciona com algo que já está dentro da pessoa e, conforme ela vai absorvendo o objetivo desse aprendizado, aprende também a "curar" as suas relações com o mundo animal e com os reinos da natureza como um todo.

Não seria o caso de se redimensionar o conceito de cura sob a luz dessas descobertas?

Estamos entrando numa nova era, em que existe a ideia de evoluir, progredir e crescer em várias dimensões e junto com os outros reinos naturais, não mais explorando o mundo e a Terra apenas em nosso benefício.

Na Era de Aquário, poderemos evoluir sem agredir os outros reinos da natureza, mas estando em sintonia com eles. Por exemplo, não precisaremos mais extrair recursos naturais além daqueles que nos são realmente necessários. Poderemos crescer trabalhando juntos com essas inteligências dos reinos animal, vegetal e mineral, e com os quatro elementos: fogo, ar, terra e água.

Sua visão de mundo é holística e espiritual. Como ela se concilia com os conhecimentos e as experiências da ciência moderna?

Desde 1920, vem surgindo uma leva de cientistas - Werner Heinsenberg, Niels Bohr e Fritjof Capra, entre outros - com uma outra proposta ou uma nova maneira de fazer ciência. Os parâmetros sobre o quais se baseava a ciência antiga já não são mais os mesmos. Antes, a amostragem precisava ser muito alta para ter credibilidade. Por exemplo, Rupert Sheldrake, que é um expoente na biologia, tem outras bases para seus experimentos científicos. Ele considera que se num grupo humano há meia dúzia de pessoas que possuem uma experiência semelhante, essa é uma amostragem significativa e suficiente para um estudo ou pesquisa.

Fala-se muito do encontro da ciência com a espiritualidade.

A ciência da qual eu falo não é convencional. Ela é arejada, assenta-se sobre novas bases e, como tudo o que é novo, ainda é combatida pelos antigos cientistas. É uma nova lente, uma nova visão da realidade tentando se instalar e romper resistências. Observamos isso em vários outros campos da ciência - na química, na física, na biologia, por exemplo. Isso não é novo, ocorre pelo menos desde 1920. A mudança das eras, contudo, se processa de forma muito mais lenta, assim como a mentalidade e as inovações relativas a elas.

Hoje, a espiritualida de anda de mãos dadas com outras formas de conhecimento. A tendência atual é o estudo transdisciplinar.

Sim, mas ainda estamos muito atrasados! Como falar em espiritualidade como sendo algo separado da matéria? A vida, o próprio ato de respirar, já são coisas espirituais. Sobre a Terra convivem os mais diferentes níveis e estados de consciência. Alguns são materialistas, não acreditam em nada. Outros, mais abertos, permeáveis. Existem consciências que trafegam em vários níveis, tanto nos planos mais sutis quanto nos mais densos. Existe, por fim, a vontade renovada de buscarmos saber como vai ser essa nova vida aqui no nosso planeta Terra.

Você considera urgente a integração do sagrado à natureza como um todo?

Todas essas questões são muito importantes e precisamos refletir em profundidade a respeito delas. O ser humano vem fazendo progressos maravilhosos. Entretanto, precisa aprender, a partir de agora, a progredir junto com as outras espécies, aprender a pensar na repercussão do progresso sobre o meio ambiente e sobre as outras espécies. O verdadeiro progresso é aquele que beneficia todos os seres, sem exceção. Talvez isso resulte em avançarmos mais lentamente, mas nos divertindo mais, consumindo menos e acumulando menos.

Seu trabalha preconiza então que o progresso aconteça no respeito profundo à natureza?

Sim, mas isso não é tão novo assim. Ao longo dos séculos, fomos desrespeitando todas as formas de vida como se não soubéssemos que o divino está presente em tudo e em todos. Muitas pessoas desrespeitam a natureza, mas não o fazem por maldade, e sim por falta de consciência, por carregarem uma consciência que ainda não se expandiu, não desabrochou. Tais pessoas ainda não acordaram, precisam abrir certos canais para perceber melhor o que jaz adormecido dentro delas.

Jesus falava sobre os animais, afirmando que os animais são seres divinos, tudo é divino. Estamos num momento especial para esse despertar. Por meio da comunicação com os animais e com as plantas, a pessoa pode acordar do torpor em que vive, e isso pode transformar toda a sua vida. Afirmo sempre que não existe separação entre o espiritual e o material, e que os animais e as plantas são vias de acesso para esse caminho, para essa abertura.

São Francisco de Assis seria um arquétipo dessa visão mais espiritual da vida?

Com certeza! São Francisco, Buda, Jesus são seres inspiradores para todos nós. Muitas pessoas percebem aos poucos que podem viver com menos. Percebem que, quando estão anestesiadas e se deixam influenciar por forças materiais, consomem de modo insustentável para o planeta. Mas se essas mesmas pessoas estiverem mais atentas àquilo que fazem, e menos carentes sobretudo do ponto de vista afetivo, poderão consumir menos. Especialmente nas grandes cidades, o indivíduo fica meio sedado, fica menos em contato com o seu interior e com a voz de sabedoria que emana dele.

"O reconhecimento de que nosas mentes vão além dos cérebros nos liberta. Não estamos mais presos aos limites das caixas cranianas, com mentes separadas e isoladas umas das outras. Não estamos mais alienados de nosos corpos, do noso ambiente e das outras espécies. Estamos todos interconectados com tudo o que existe" Rupert Sheldrake

Como achar o silêncio num mundo tão barulhento?

Para mim, a maior e melhor porta de entrada é o silêncio. Há todo um universo que se descortina quando você entra no espaço do silêncio e a minha comunicação com os animais flui neste espaço. Claro, outras pessoas podem alcançar o mesmo objetivo, porém de modos diferentes. No silêncio, você acessa o sutil, a sua percepção se aguça e você percebe a si mesmo de uma forma completamente diferente. Ensino aquilo que pratico: ensino as pessoas a fazer algum tipo de meditação, pode ser andando, sentado, como quiser.

O interesse crescente pelos animais espelha os anseios da nossa alma esvaziada. Eles não pedem nada em troca da nossa interação com eles. Além de grandes amigos, eles são nossos companheiros de jornada espiritual.

SERVIÇO

Eu Falo, Tu Falas... Eles Falam, Editora Irdin www.sheilawal.wordpress.com e waligora@gmail.com
Sites: www.veterinariosnodiva.com.br e http://suprememastertv.com/pt

Revista Planeta

Álvaro Atallah

O médico paulista explica como funciona um novo e poderoso método na área de saúde, a Medicina Baseada em Evidências.

Por Mônica Tarantino

Ela se baseia em evidências e seleciona e cria fontes confiáveis para serem consultadas por qualquer profissional da saúde. Em entrevista a PLANETA, o médico paulista Álvaro Atallah a apresenta como um novo paradigma da medicina

Por ano, publicam-se no mundo cerca de 2 milhões de artigos sobre medicina. A estimativa é do Centro Cochrane, organização internacional que figura entre as principais fontes de consulta para aqueles que recorrem a um sistema conhecido como Medicina Baseada em Evidências para tomar decisões na área médica. O método empreende com regularidade revisões sérias do conhecimento produzido por centros médicos, universidades e indústria farmacêutica para apontar o que há de mais eficaz na atualidade. É, portanto, uma forma de separar o joio do trigo num setor que movimenta uma enormidade de dinheiro e no qual os especialistas são bombardeados constantemente com novos medicamentos, técnicas e equipamentos. Outras fontes existentes com a mesma finalidade são os sites PubliMed, Medscape e DoctorsGuide.

É exatamente por isso que a medicina baseada em evidências vem sendo um suporte essencial para a definição de tratamentos desde o tête-à-tête do consultório até a formatação de políticas públicas globais. “Como escolher o que é melhor para o paciente? A medicina baseada em evidências tira a ênfase da prática guiada pela intuição para se concentrar na pesquisa e na sua análise estatística, com extremo rigor científico”, explica o clínico-geral e epidemiologista Álvaro Nagib Atallah, que desde 1982 dirige o Centro Cochrane do Brasil, um dos 15 que a entidade mantém espalhados pelo mundo. Nesta entrevista a PLANETA, Atallah, criador do primeiro curso de pós-graduação da área, na Universidade Federal de São Paulo, garante que as recomendações da medicina baseada em evidências são a única luz no final do túnel para guiar os médicos diante do assédio da indústria e da profusão de estudos.

O que é a medicina baseada em evidências?
Trata-se de um novo paradigma da medicina. Consiste em decidir o tratamento segundo as melhores e mais consistentes evidências científicas. Não é o que o médico acredita, mas o que está demonstrado. Nós queremos saber o que é mais seguro, eficiente, efetivo e que pode trazer mais benefício para o tomador de decisão – o médico, o sistema de saúde, o paciente, o hospital. Num congresso recente, mudamos o nome da especialidade para saúde baseada em evidências. O objetivo é mostrar que o recurso pode dar suporte não só a médicos, mas a enfermeiros, psicólogos e demais profissionais ligados à área da saúde. E claro aos pacientes, que passam a ter acesso às evidências que obtemos.


Como ela surgiu?
Surgiu a partir da percepção do epidemiologista inglês Archibald Cochrane, por volta de 1940, de que era importante fazer estudos comparativos para conhecer os resultados de diferentes tratamentos e o que eles poderiam fazer pelo doente além do que se esperava que a natureza fizesse sozinha. Ele chegou a essa conclusão observando os pacientes do campo de prisioneiros onde foi confinado, depois de ser preso lutando como voluntário na Guerra Civil Espanhola. Convivendo com o sofrimento, viu que várias pessoas com problemas graves sobreviviam mesmo sem tratamento. Isso significava que muitas vezes o tratamento não era necessariamente a melhor coisa a ser feita, pois ele não fazia nenhuma diferença.

Cochrane realizou o primeiro ensaio clínico sobre o tratamento da tuberculose, por exemplo. Em 1972, ele escreveu um livro afirmando que muitas das cirurgias executadas na Inglaterra contra a úlcera eram inúteis. Sua afirmação foi feita com base em um estudo comparativo entre pessoas operadas de úlcera e pacientes não operados. Isso mudou o tratamento padrão recomendado.

Por que só agora esse sistema começa a ter mais projeção?
Porque a área médica está sendo atropelada em seus custos por um acréscimo de mais de 20% ao ano, devido a lançamentos de remédios, equipamentos e novas técnicas. Já os países crescem 3% a 5%. Percebeu-se que haverá uma hecatombe financeira em pouco tempo se não houver capacidade de discriminar o que funciona do que não funciona.


Quais são as razões desse acréscimo?
Quando me formei, há 23 anos, a cada dez anos aparecia uma novidade no tratamento. Hoje, surgem dez por semana. E cada uma delas pode colocar em risco milhões de pacientes em qualquer sistema de saúde. Portanto, é uma questão de salve-se quem souber. Só quem tiver informação científica e souber fazer a avaliação tecnológica com competência vai ter sobrevida mais longa no sistema de economia da saúde.

Como os médicos devem se comportar diante de tantas novidades?
A indústria farmacêutica faz o seu papel. Desenvolve um produto, quer recuperar o investimento e ter lucro. É lícito. De outro lado, o limite está na capacidade de avaliação crítica de cada profissional da saúde. É aí que ele se defende de interesses que não são os do paciente. Se colocar um profissional despreparado para clinicar, ele pode cair em arapucas e levar o paciente junto. Um dos caminhos para enfrentar essa situação é formar novos profissionais com capacidade crítica suficiente para poder avaliar a informação na busca de evidências para a tomada de decisão. São profissionais conscientes de que um médico precisa estudar pelo resto da vida. É aí que nós entramos: um dos papéis da medicina baseada em evidências é selecionar e criar fontes confiáveis para serem consultadas por qualquer profissional da saúde.

Como são feitas as revisões do Centro Cochrane?
Por ano, são publicados cerca de 2 milhões de artigos científicos. A princípio, nós selecionamos cerca de mil artigos mais adequados à pergunta que dá ensejo à pesquisa. Por exemplo, dar injeções de cortisol antes do parto prematuro reduz a mortalidade dos bebês? Os estudos serão avaliados para ver se preenchem os critérios científicos exigidos. A maioria é descartada por falta de metodologia adequada. As pessoas não foram treinadas para fazer estudos comparativos ou elas têm intenção de provar algo, o que também não serve, porque é imprescindível ter isenção. No final, publicamos as revisões com base em cinco ou seis estudos bem estruturados que permitem dar sólida base científica.

Nossos estudos visam reduzir incertezas. O que funciona para a mulher branca nem sempre vale para a mulher negra e vice-versa, assim como o que faz bem para os doentes de um país em desenvolvimento é diferente do que faz bem para um país desenvolvido, tendo em vista aspectos religiosos, culturais, econômicos e genéticos, entre outros. Depois de tudo isso, os estudos ainda são mapeados e sintetizados de modo reprodutivo. Se um produto deu certo com 10 mil pessoas, dará o mesmo resultado num universo de 10 milhões de casos? Eles são avaliados pelo viés da aplicabilidade para homens e mulheres e reproduzidos para o total da população que costuma ter a doença em foco. Enfim, quanto mais rigor em relação aos aspectos e fatores de confusão, melhor é a evidência e menor o grau de incerteza.

Vocês utilizam os estudos feitos pela indústria farmacêutica?
Sim, se tiverem o padrão metodológico requerido. Porém, se existirem só estudos da indústria sobre o tema, o texto da revisão informará que o dado pode ter conflito de interesses, já que todos os dados foram gerados pelo fabricante.

Pode dar exemplos de mitos que foram esclarecidos pelas revisões?
Podemos citar a albumina humana, usada no tratamento de queimaduras ou de doenças críticas com manifestação de pressão baixa. O Ministério da Saúde constatou, após alerta feito pelo Centro Cochrane do Brasil, que, dos 59 mil casos pesquisados, o grupo que foi tratado com albumina humana registrou 7 vezes mais óbitos do que os que fizeram uso apenas de soro fisiológico. Ela custa 200 vezes mais e não é melhor do que o soro fisiológico. As revisões mostraram também que os populares “balões de oxigênio”, onde eram colocados os bebês prematuros, mais cegavam do que tratavam eficazmente esses bebês e que a vitamina C não previne a gripe.

O sr. já detectou manipulação de dados em estudos sobre medicamentos?
Existe, e é difícil de pegar. Por isso, usamos uma metodologia estatística para identificar o que chamamos de viés de publicação. Algumas vezes, a análise detalhada da distribuição dos resultados permite enxergar a falta de alguns dados. Conseguimos detectar que não foram publicados. Em geral, isso acontece porque não eram interessantes ou positivos.

Como o Cochrane age nesses casos?
Nós temos o dever de solicitar essas informações à indústria. E elas, até para mostrarem seriedade e comprometimento com a população, as têm dado. E, se há riscos para os pacientes, as indústrias deveriam divulgar e tirar os produtos do mercado.

Como os pacientes podem ser beneficiados pelas descobertas da medicina baseada em evidências?
As populações de diferentes países se beneficiam na medida em que os órgãos públicos adotem procedimentos eficazes. Isso reduz mortalidade e danos. Sem contar a economia de milhões de reais.

Há exemplos concretos disso?
Vários. Um exemplo de economia para o Brasil é o caso dos stents revestidos com as drogas paclitaxel e rapamicina, que custam cerca de R$ 15 mil cada uma, e que não são melhores do que os stents sem revestimento de drogas. Estes são igualmente indicados para reduzir as taxas de mortalidade, infarto do miocárdio e revascularização cirúrgica. Os fabricantes do produto não gostaram nem um pouco da nossa constatação.

Pode citar mudanças mundiais?
Um caso ilustrativo é o sulfato de magnésio. Era usado desde 1904 em vários países nos casos de convulsão em mulheres grávidas com pressão alta. Noventa anos depois de ser substituído por outras drogas, nossas revisões mostraram que ele nunca deveria ter deixado de ser usado, pois era o melhor e o que tinha menos efeitos indesejáveis. Até agora ainda é o remédio mais eficaz nesses casos.

O sr. já indicou um medicamento ou procedimento e teve de suspendê-lo diante de novas evidências de que causa dano à saúde?
Já. E é preciso explicar tudo ao paciente, até ele compreender. O paciente deve tomar as decisões do tratamento com o médico. Essa é mais uma mudança de paradigma da medicina baseada em evidências. Também acho que a agência norte-americana que regulamenta remédios, o FDA, deveria ser mais rigorosa. Ele permite que o medicamento seja lançado para só depois ver a sua funcionalidade na prática. Na Europa, as coisas caminham de modo mais rigoroso.

A aprovação se baseia em estudos com milhares de pessoas em diferentes países do mundo, de diferentes etnias, com realidades distintas dos pontos de vista cultural e econômico, etc. Eles devem responder ao seguinte: essa droga funciona ou não, é segura? Lida-se aqui com o mundo real, o da efetividade. E, nesse sentido, os fundamentos dos Centros Cochrane para a realização e conclusão desses estudos são mais rigorosos do que as práticas adotadas pelo FDA.

Em que medida evidências como essas são colocadas em prática?
O grande desafio da medicina baseada em evidências é levar aquilo para a prática. É um problema no mundo todo. Uma informação obtida no centro de Boston leva seis a sete anos para chegar e ser implantada na periferia. O estudo do cálcio foi publicado pela primeira vez na África do Sul, em 1998. Em 2006, uma aluna de iniciação científica verificou a proporção de mulheres em pré-natal de hospital-escola que estavam recebendo cálcio. Ela levantou um índice de 11%. Então, coisas que funcionam, são baratas e sabidas demoram muito. E coisas que as vezes não funcionam, são caras e têm muito lobby por trás chegam rápido.

Por que o sr. entrou nessa cruzada?
Porque é bom para mim, para o meu filho, para os meus amigos e para o meu planeta.

Para saber mais
Centro Cochrane: www.centrocochrane.org

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