sábado, 20 de novembro de 2010

Theo Ribeiro Manoel Morgado


A aventura da liberdade
Depois de 20 anos no Himalaia, muitos deles como guia de montanha, Morgado decidiu escalar o Everest - e, em maio, tornou-se o mais velho brasileiro a chegar ao topo do mundo. "A descida é o momento de maior perigo. Não é um risco palpável", diz.
Por Ronaldo Ribeiro
Foto de Theo Ribeiro Manoel Morgado, o mais velho brasileiro a chegar ao topo do Himalaia.
Na manhã de 17 de maio, Manoel Morgado contemplou um raro e deslumbrante horizonte de montanhas no Himalaia, sentindo-se de fato bem perto do céu. Aos 53 anos, tornara-se o mais velho brasileiro a galgar o cimo dos 8 850 metros do monte Everest.

Mochileiro em tempo integral, Morgado não tem endereço fixo, família próxima, rotina doméstica ou contas a pagar. Depois de 20 anos admirando as arestas nevadas do Himalaia, decidiu que era hora de escalar o Everest. Chegar ao topo do mundo, para ele, não representou nenhuma vitória esportiva - foi, isso sim, mais uma etapa luminosa na jornada de um homem de espírito livre. "Não tenho inquietude sobre desafios difíceis. Busco simplesmente experiências prazerosas", diz.

Descreva a geografia do topo do mundo.
O cume do Everest é um lugar simples: uma plataforma de rocha de declive suave, com uma área de uns 100 metros quadrados. No meio dela fica um altar de pedra, repleto de bandeiras budistas de oração. Também há uma área em que os escaladores recolhem pedrinhas soltas para levar de recordação. Para quem sobe pelo Nepal, como eu, o altar é o lugar de onde começamos a avistar quem está chegando pelo Tibet. É nesse instante que fica evidente que o Everest é uma pirâmide: uma face é nepalesa; as outras duas, tibetanas. A divisa entre o Nepal e a China passa exatamente sobre o topo.

Quanto tempo você ficou lá?
Quinze minutos. Cheguei às 8 horas, em ponto, em 17 de maio de 2010. Arrependo-me de não ter ficado mais, mas havia a previsão de que, de tarde, chegaria um vento forte. Tirei fotos, fiz uma prece de agradecimento e comecei a voltar. A descida é o momento com maior número de óbitos no Everest – por isso é mais tensa que a própria ascensão. E não é um risco palpável: morre-se de exaustão, por uma tempestade súbita.

Você estava bem? Qual a sensação no cume?
Cheguei ao pico em um dia benigno, sem brisa, com a reserva de meus três cilindros de oxigênio resguardada. A despeito de uma diarreia, que me obrigou a evacuar duas vezes - uma delas sem as luvas, a 8,7 mil metros, com risco grande de congelamento dos dedos -, eu me sentia forte. Sofri apenas de sede. Para economizar peso, levei 1 litro para 15 horas de escalada no dia do cume. Na descida, sedento e inalando o oxigênio suplementar muito seco, a impressão era de que eu tinha uma bola na garganta. Não conseguia engolir nem a saliva.

Foi um preço que paguei pelo atribulado dia anterior, que deveria ter sido de hidratação e descanso no acampamento 4, a 7 950 metros. Chegamos nele às 14 horas, com plano de sair para o cume às 21. Mas nuvens pesadas envolveram as barracas, e meu grupo foi tomado por uma tremenda apatia. Ficamos deitados, incrédulos, pensando no pior: a hipótese de ter de voltar ao acampamento 3, a 7,3 mil metros, abortando o pico até uma próxima janela de bom tempo. Às 18 horas, por sorte, o clima mudou, mas então eu já estava no limite da ansiedade, e apenas pude me vestir para sair. Ou seja: nem dormi nem me hidratei. Naquele dia, tomei chá pela manhã e comi alguns cereais. Na altitude o apetite desaparece. No dia do cume eu estava há praticamente 72 horas sem uma refeição sequer.

Você subiu pela face nepalesa, na via dos pioneiros Edmund Hillary e Tenzing Norgay, ainda a mais usada. Por que a opção?
Considero-a mais bonita, e isso tem a ver com a formação do Himalaia. Há 50 milhões de anos houve o choque de placas tectônicas que moldou o relevo da cordilheira: a placa do subcontinente indiano avançou sob a da Eurásia. No ponto de colisão surgiu uma linha de montanhas que se estende desde o Mianmar até o Paquistão. O Tibet, que era um mar interno, virou um vasto e árido planalto. Já no lado meridional da cordilheira restou uma paisagem mais complexa, acidentada. É um gigantesco degrau: desde o primeiro enrugamento do Himalaia, ao sul de Katmandu, no Nepal, a altitude oscila de menos de 3 mil metros até a faixa dos picos de 8 mil metros em um intervalo de uns 60 quilômetros. A beleza cênica é incrível, mas é um terreno ruim – tanto que só se alcança o campo-base do Everest, a 5,3 mil metros, em uma caminhada de dez dias.

Depois de chegar ao Everest, qual a motivação de um alpinista?
Não tenho a pretensão de fazer as 14 montanhas com mais de 8 mil metros nem os Sete Cumes [os mais altos de cada continente]. Apenas aos 52 anos escalei o Cho Oyu, de 8 201 metros, e, aos 53, o Everest. E não se aventura em mais que uma montanha de 8 mil metros por ano. Assim, mesmo que eu quisesse fazer as 14, completaria o circuito aos 66 anos - algo muito complicado. O risco de mortalidade nos picos de 8 mil metros se mede assim: número de conquistas do cume versus número histórico de mortes. No Everest, esse percentual é de 4,5%. Já no K2, no Nanga Parbat e no Annapurna é de 24%. São montanhas fatais. Por isso divirto-me também com as escaladas técnicas. Em novembro, devo subir o Ama Dablan, de 6,8 mil metros, no sul do Nepal, considerada a montanha mais bela do planeta - disputa essa honraria com o Alpamayo, no Peru.

Catorze anos depois da tragédia de 1996, quando 15 alpinistas morreram na montanha, o que mudou no Everest?
Aquela temporada mortal, registrada no best-seller No Ar Rarefeito, fez prevalecer a noção de que, uma vez dentro de uma expedição comercial, tendo pago em média 70 000 dólares por uma vaga, você vai chegar lá em cima, pois toda a sua segurança estará a cargo de seu guia. Essa é uma ideia falsa. Paguei 40 000 dólares por uma vaga em um time de cinco escaladores experientes - o chefe da expedição, escocês, e mais três malteses. E, no dia do cume, estive com o líder só duas vezes: lá em cima e na descida. Cada pessoa tem o seu ritmo, e não se pode parar para esperar o outro, sob o risco de congelar. No Everest, seja no lado nepalês, seja no tibetano, há um único caminho para as expedições, e todos estão submetidos a ele, presos a uma corda fixa. Apesar disso, em última instância, você está sozinho.

Neste ano, um caso notório foi o da inglesa Bonita Norris, de 22 anos, que se tornou a mais jovem mulher de seu país no cume. Sem experiência, ela teve problemas na descida e empacou, exaurida, na plataforma Balcony, a 8 440 metros. O líder de seu grupo já estava no acampamento 4 quando chegou o pedido de socorro pelo rádio. Às 17 horas, os sherpas tiveram de expor a vida deles ao perigo de subir quase anoitecendo e resgatá-la, o que aconteceu apenas às 21. A sorte foi que o tempo continuou estável. Se tivesse mudado, ela estaria lá até hoje.

O Everest está, então, ainda mais congestionado?
Em 2010, mais de 300 estrangeiros estiveram no cume. Nos 57 anos desde a conquista, em 1953, foram 5 mil pessoas. Nos últimos cinco anos, subiram mais escaladores que nos primeiros 52! O governo nepalês liberou; não há mais quota de alpinistas na primavera, em maio. Quem controla isso agora são as companhias que organizam as expedições comerciais.

Essa comercialização afeta a vida do povo da montanha?
Acho que a atual geração dos sherpas está conseguindo trilhar o caminho do meio, conforme prega o budismo. Adotam o montanhismo como atividade econômica, sem abrir mão de suas tradições. Eles preservam seus festivais, sua língua. A religião é seguida da mesma maneira de seus antepassados e comanda cada acontecimento de sua vida – seja começar um negócio, seja a construção de uma casa, seja o nascimento de um filho. Então, creio, a cultura permanecerá viva. Nos trekkings que guio, sempre admirei a sinceridade deles, o espírito de grupo, a atenção que dedicam aos outros, sem ser servis. Procurar ajudar é algo inato neles. O sherpa que me acompanhou no Everest, Padawa, já esteve 14 vezes no topo.

De que maneira o budismo influenciou sua jornada?
O povo Sherpa crê que, se você não tiver conduta moral e ética na montanha, não sairá vivo de lá. Antes de subir, estive com o lama Geishe Rimpoche, no monastério de Pambuche, um dos mais altos do planeta, a 4 mil metros. Ele me recomendou: “Não julgue; não pense mal dos outros; mantenha o coração puro”. Tive um desentendimento com o líder argentino da expedição em que estava a minha namorada [a guatemalteca Andrea Cardona, primeira mulher centro-americana a chegar ao topo do mundo]. Estive com isso em mente o tempo todo, preocupado com ela. Sempre tentando não julgar. É preciso foco no Everest. Fisicamente, é um teste muito duro. O perigo ronda a todo instante. Então, emoções negativas podem tirar a sua paz.

Como é viver sem casa, nômade, sem rotina diária?
Não tenho casa desde que saí do Brasil, há 21 anos. Moro em hotéis, pousadas e albergues ou sou hospedado por amigos. Tenho sempre uma mala a tiracolo. Meu endereço mais fixo é a casa de um colega em Katmandu, onde guardo parte do meu material de escalada. É uma cidade na qual me sinto bem.

Trabalho seis meses por ano e tiro os outros seis de férias. É quando viajo, escalo, faço meus projetos – tenho treinado para, no verão de 2012, chegar ao polo Sul, com esquis que serão puxados por uma pipa de kitesurf presa à minha cintura. Guio, em média, oito grupos por ano, sendo 20 dias em cada viagem. Isso já me consome 160 dias inteiros, 18 horas por dia. Como não tenho despesas fixas - minhas únicas contas são as do contador da minha empresa e as do garoto que cuida da minha página na web -, aquilo que eu ganho nos meses de trabalho me permite viver o resto do ano. Essa é a minha matemática financeira. Nunca me ocupei em guardar dinheiro.

A liberdade tem um preço?
Não se pode fantasiar a ideia da liberdade absoluta. Por estar sempre viajando, quase nunca posso dispor da companhia de meus amigos. Se estou triste e quero ir a um bar conversar, não posso - estou longe. Outro exemplo: eu gosto de andar de moto, mas, obviamente, não posso ter uma. Então, peguei o "mau hábito" [rindo] de ir sempre a uma loja, em qualquer canto do planeta, e fazer um test drive. Minha vida é um treino constante de impermanência. Um exercício de desapego.
National Geographic Brasil

Björn Stigson

Como vencer a corrida verde

Na entrevista com Björn Stigson, presidente do World Business Council for Sustainable Development, ouvimos uma proposta de como melhor integrar as grandes empresas e as nações no que ele chama de "corrida verde".

Por Afonso Capelas Jr. e Matthew Shirts
Foto de Luciana de Francesco
Como vencer a corrida verde

Björn Stigson
































Analista financeiro com experiência em negócios internacionais, Björn Stigson começou sua caminhada na área de sustentabilidade como presidente da Fläkt, uma das principais empresas mundiais em tecnologia de controle ambiental. Desde 1995 é presidente do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), entidade que reúne 200 empresas de 20 países, incluindo o Brasil, em torno dos desafios ambientais do século 21. Não por acaso Stigson é hoje conselheiro dos ministérios de Desenvolvimento Sustentável dos governos chinês e indiano, do Índice Dow Jones da bolsa de Nova York e da Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade Harvard, entre outras instituições. Tamanha idoneidade lhe permite assegurar que é preciso rever o modelo de negociações sobre o clima iniciado há quase 20 anos no Rio de Janeiro, durante a Eco-92. Segundo ele, a COP15, em Copenhague, encerrou um ciclo histórico. Stigson quer incluir efetivamente o empresariado no debate para que a humanidade consiga vencer o que ele chama de "corrida verde".

Esse mecanismo seria criado pela iniciativa privada?

Ele deveria ser desenvolvido pelos países do G-20 e depois ficar escorado em algum órgão da ONU. A iniciativa privada precisa ser o ancoradouro do diálogo com os países-chave. Até Copenhague, não era assim. Desde outubro de 2009, temos um acordo formal com a comissão da União Europeia para discutir como a iniciativa privada deve ser integrada formalmente às negociações sobre o clima. Precisamos dar nossa sugestão ainda em 2010. Algo como "isso é o que recomendamos fazer, porque vocês, governos, não são capazes de resolver essa questão sem a participação ativa das empresas". Copenhague ilustra bem isso.

O que o senhor acha que vai acontecer na COP16, em Cancún, no México?

A questão fundamental a ser discutida lá é se haverá ou não legislação doméstica nos Estados Unidos. Seria a chamada "lei do clima", que está no Congresso americano. Se eles não conseguirem aprovar, o presidente Barack Obama ficará sem plataforma para um possível acordo no México, e o encontro não irá a lugar nenhum.

Então estamos diante de uma perspectiva pessimista, ao menos a curto prazo, para essa conferência?

Sim, mas agora é preciso distinguir as negociações internacionais sobre o clima das ações para reverter as alterações climáticas, que são uma questão nacional. O que o Brasil está fazendo para tratar da mudança no clima está baseado em ações internas na sua legislação, em medidas do governo federal, dos estados ou de metrópoles como São Paulo. Não há ainda um papel definido do país nas negociações internacionais sobre o clima. As grandes economias estão avançando com rapidez no aumento da eficiência energética, desenvolvendo novas tecnologias que vão melhorar o setor e reduzirão as emissões de gases de efeito estufa. Isso acontece independentemente das negociações sobre o clima, porque faz parte da preocupação competitiva em vencer a chamada “corrida verde”, na qual se busca ser o maior exportador de tecnologia de baixo carbono e eficiente no uso dos recursos.

O senhor considera essa a grande questão econômica atual?

É o fato positivo mais importante que ocorreu ao se enfrentar as mudanças climáticas. Encontrar soluções eficientes no consumo de recursos e que não poluam passou a ser uma questão de desenvolvimento econômico. É uma prioridade do governo chinês, é uma prioridade do governo Obama. A União Europeia avança, a Índia está começando. Mas e o Brasil? Entrou nessa corrida verde? Não vi isso acontecer até agora. E qual seria a melhor forma de o Brasil fazer isso? Acredito que o Brasil deve procurar ver onde está sua vantagem competitiva nessa corrida verde. Talvez vocês não consigam acompanhar as principais empresas americanas de tecnologia da informação e da comunicação. Mas existem outras áreas em que o Brasil tem clara vantagem competitiva. O país tem mais energia de baixo custo e de baixo carbono disponível, além de biocombustíveis. E tem várias vantagens na questão da agricultura e das florestas. Não adianta tentar algo com base em setores nos quais outras nações já estão em posição bem mais forte.

Vale a pena desmatar a Floresta Amazônica em nome do desenvolvimento?

Diria que a Amazônia vale mais em pé, como uma floresta em produção. É preciso entender que 30% de todas as emissões de carbono provêm do desmatamento para criação de gado e produção de carne. No Brasil, essa é uma questão importante. Mais tarde, esse será um problema muito grande. Estamos olhando para o mundo no futuro, quando vamos deparar com desafios relativos à oferta de alimentos para a população mundial. Se a dieta em lugares como China, Índia e outros países em desenvolvimento for modificada para o consumo de muita carne, teremos problemas. A longo prazo, prevejo uma reação global ao aumento desse consumo, porque se trata de uma ameaça ao clima e à oferta de alimentos, além de se consumir muita água.

O senhor acredita que outros países devem pagar por uma proteção efetiva da Amazônia?

Sim. As negociações envolverão um número limitado de países que representam as florestas, como Brasil, Congo, Indonésia e mais alguns. Já há dinheiro na mesa e haverá mais. Minha opinião é que será mais vantajoso do que derrubar as florestas para criar gado. É preciso examinar o cenário e perguntar como será o mundo em 2050. Vamos precisar duplicar a produção de comida nos próximos 40 anos para alimentar pessoas que desejam ter boa qualidade de vida. E isso não comporta uma dieta muito rica em carne.

O que os brasileiros devem cultivar se não criarem gado?

Como eu disse, o mundo precisará duplicar a oferta de alimentos. Vocês têm uma oportunidade enorme de participação nisso. Não é preciso eliminar a pecuária, mas não dá para continuar desmatando a Amazônia com essa finalidade. Não estou abordando o assunto de uma perspectiva moral, só digo que, a longo prazo, não será um bom negócio. Vocês podem ser parte importante da solução da necessidade de alimentos do mundo. Vocês têm um território enorme, muita água e um clima adequado.

E quanto ao etanol brasileiro? É uma solução sustentável?

Sim, o etanol é um dos poucos biocombustíveis sustentáveis. Não acredito na eficiência do etanol do milho, por exemplo. Há muito dinheiro investido em pesquisas das próximas gerações de biocombustíveis. É provável que já contenham enzimas de forma a se dissolver automaticamente para se tornar biocombustíveis, sem precisar ser processados em uma usina.

Como fazer os políticos participarem desse cenário no futuro?

Os governos e os políticos, com seus programas de curto prazo, não resolverão o problema sozinhos. A média de idade de uma empresa internacional ultrapassa em muito os mandatos de quatro anos dos governos. A sociedade civil e os principais setores da comunidade empresarial precisam entrar na discussão. Por isso desenvolvemos o Vision 2050 na WBCSD: para iniciar um diálogo sobre o que é necessário para criarmos um mundo sustentável. Temos de ser os primeiros a construir esse cenário; do contrário, não teremos onde fazer nossos negócios.

Qual é o papel da imprensa nesse processo?

A imprensa tem o papel de refletir o debate mais amplo. E, aí, a questão é - e eu não sou especialista no assunto - o quanto se consegue ser um mero canal de transmissão do que está acontecendo. Em um mundo que enfrenta vários desafios para se tornar sustentável, não consigo imaginar de que forma a imprensa poderia se manter neutra diante dessa situação.
National Geographic Brasil