sábado, 17 de setembro de 2011

RAFAEL YUS


RAFAEL YUS

Doutor em Ciências e professor em uma escola de ensino médio na Espanha, Rafael Yus é um dos precursores dos temas transversais e da educação holística. Na instituição em que atua, coordena um projeto de educação em valores através de unidades didáticas integradas em torno de temas transversais. "Entre eles obviamente se encontra a educação ambiental", destaca. Na entrevista a seguir, Yus fala sobre o papel da educação ambiental na infância e sobre a importância de iniciar precocemente a formação de cidadãos comprometidos com a sustentabilidade do planeta. "O principal é que os professores tenham consciência ambiental, que criem e pratiquem pessoalmente em suas vidas e em suas casas o que tentam ensinar aos alunos na escola", afirma.

Quais são as relações possíveis entre a educação holística e a formação de uma consciência ecológica?

A meta fundamental da educação holística é promover uma educação integral, que permita à pessoa conectar-se consigo mesma e com tudo aquilo que a rodeia. Isso inclui o meio social e o meio natural. A vida na cidade, a vida moderna, altamente tecnicizada, afastou cada vez mais a pessoa do meio natural, sendo este um cenário distante, incompreendido e, portanto, não sentido. Perde-se, assim, a noção de que nossa vida depende dos recursos que nos são proporcionados por ecossistemas que não estão na cidade, normalmente muito longe, que são esgotáveis e cuja extração e transporte muitas vezes causam danos. Perdemos também a noção de que, embora os recolhamos diariamente, nossos resíduos, próprios de nossa forma de vida, produzem danos em ecossistemas mais ou menos próximos. Com esse conhecimento, o certo é adotar um comportamento pessoal e coletivo que minimize esses danos e não esgote os recursos para que as gerações futuras de nossa espécie e de outras espécies em geral habitem um planeta limpo e com recursos suficientes para viver. Por isso, a educação holística inclui a educação ambiental ou a educação para a sustentabilidade.

Quais são os caminhos para construção de uma consciência ecológica? Como ela se relaciona com a educação em uma perspectiva holística?

Há uma longa trajetória de educadores ambientais que foram desenvolvendo diversas estratégias para chegar a uma consciência ecológica. O denominador comum de todas elas é o "vivenciado", ou seja, a experimentação e o envolvimento pessoal em atividades diversas, com o objetivo de despertar um sentimento de pertencimento à Terra, de vizinhança e irmandade com outros seres vivos, de fazer sentir que se faz parte de um todo interconectado. Experiências como as estadas em granjas-escola, onde os alunos veem e aprendem que o leite que compramos no supermercado em embalagem longa vida é o resultado final de uma cadeia de ações que têm origem na natureza, que sem sol não pode haver capim e sem capim não pode haver vaca e, portanto, não pode haver leite, etc. Outra linha de atuação são os acampamentos monitorados por educadores que promovem atividades de sensibilização, de contemplação e de reconexão com a Terra e com o universo, aprendendo humildemente que somos uma parte ínfima de algo infinitamente maior do que nós. Na escola, podem ser acompanhados ciclos vitais de algumas plantas e animais (em hortas escolares, por exemplo). Os professores podem aproveitar essas vivências para provocar continuamente a reflexão e a expressão de sentimentos em seus alunos, tornando-os participantes de campanhas de conscientização junto aos seus colegas, à sua família, ao seu bairro, etc.

Como a escola pode educar inter-relacionando questões como consumo, cidadania e sustentabilidade?

Não é preciso fazer um grande esforço para conseguir essa tripla interação de temas transversais tão intimamente relacionados. Basta abordar um tema, não importa a ordem, que acabamos envolvendo os outros dois. Por exemplo, se colocamos o problema do costume de usar sacos plásticos nos supermercados (consumo), advertimos sobre as implicações que tem esse tipo de material derivado do petróleo e a contaminação que provoca (sustentabilidade). E disso decorre a necessidade de estabelecer pautas, acordos, normas para reduzir nossa dependência dos sacos plásticos, como o uso de carrinhos ou bolsas de tecido (cidadania).

Muitas escolas já incluem temas ligados à educação ambiental em seus currículos, mas a educação ambiental e para a sustentabilidade não é assumida como projeto político-pedagógico.
Como o senhor vê esse fato?

A falta de sintonia entre as mensagens educativas da escola e o comportamento cotidiano, não apenas da família, do bairro e, às vezes, até da própria escola, é um velho problema que sempre esteve presente, em maior ou menor medida. Mas é bom também que o aluno se dê conta de que existem imperfeições, comportamentos incivilizados, antieco­lógicos, e aprenda a convencer e transformar com argumentos. Em geral, nós, professores, procu­ramos dar o exemplo com nosso comportamento, o que não é fácil, pois temos consciência de que somos observados o tempo todo. Porém, há temas que fazem parte do currículo oculto da escola sem que se tenha consciência disso e que alimentam maus hábitos em nossos alunos. Por exemplo, quantas escolas que ensinam questões ambientais descuidam dos desperdícios de energia elétrica? Para evitar isso, é preciso envolver os próprios alunos no controle ambiental. Na Espanha, esses projetos são potencializados como "ecoescolas" e costumam dar resultados muito bons. O problema é que, às vezes, esse tipo de projeto definha por falta de apoio unânime dos professores e esgota-se quando o professor que o promoveu é transferido para outra escola.

O que é preciso para que a escola realmente assuma uma postura comprometida com a sustentabilidade do planeta e a educação para a consciência ambiental?

O principal é que os professores tenham consciência ambiental, que criem e pratiquem pessoalmente em suas vidas e em suas casas o que tentam ensinar aos alunos na escola. Sem essa condição, é muito difícil convencer os alunos, que sempre percebem a distância entre o discurso (retórica) e a ação (prática). A partir disso, é conveniente que os professores recebam formação em estratégias de educação ambiental ou para o desenvolvimento sustentável, seja lendo manuais, praticando pessoalmente em oficinas e acampamentos, entre outras maneiras. Também é muito importante pactuar um projeto pedagógico com os pais e, finalmente, atrair os alunos para ele. Seria preciso ainda dispor de um currículo mais flexível, que permitisse introduzir os temas transversais e, em alguns casos, integrar os conteúdos para esses fins.


Que estratégias o senhor sugere para que a escola possa desenvolver uma educação ambiental de qualidade?

Uma escola na qual se desenvolve uma educação ambiental de qualidade é um lugar que está "ambientalizado" de sen­si­bilidade ambiental em cada canto: dispõe de espaços verdes que são cuidados pelos pró­prios alunos, cartazes acon­selhando usos susten­táveis de recursos (água, luz) e trata­mento de resí­duos (coletores espe­cíficos, compos­teira); tem uma horta ecológica; desenvolve várias unidades integradas sobre problemáticas ambientais; realiza periodicamente controles de ecoauditoria; incentiva as pessoas a se deslocarem de bicicleta; cria projetos de melhoria do entorno urbano da escola (por exemplo, ciclovias, plantação de árvores), mediante atividades de voluntariado, excursões a estações de tratamento de resíduos, visitações a granjas, etc.

Os professores estão sendo preparados para exercer a educação ambiental? Que tipo de capacitação deveria ser oferecido, especialmente na educação infantil?

Os professores mais jovens provavelmente estão mais capacitados para essas atividades porque vivem em uma época na qual há mais sensibilidade social e midiática para os temas ambientais. É claro que os professores mais velhos que procuram atualizar-se sobre o que acontece no mundo também podem ter uma formação válida, mas é sempre mais provável que isso ocorra com professores jovens. Contudo, percebe-se neles uma inclinação maior para o consumo, para o desperdício, atitudes que os professores mais velhos, que viveram tempos mais austeros, não compartilham tanto. Por isso, é importante que os professores estejam abertos ao enriquecimento mútuo, já que todos podemos oferecer algo que o outro não tem. O resto se aprende em oficinas, cursos, estágios e outros meios de formação permanente. Os professores de educação infantil, de modo geral, costumam ter uma boa preparação para abordar os temas transversais, porque trabalham mais como educadores do que como professores, e em sua formação contam com jogos de socialização e conscientização ecológica. Caso contrário, também têm de aprender isso nos lugares e meios adequados.

Como o senhor sugere que a educação ambiental seja trabalhada na educação infantil?

Essa etapa é fundamental para criar sen­ti­mentos profundos e amor pela natureza, hábitos saudáveis para o meio ambiente. Os professores de educação infantil devem desenvolver atividades de sensibilização, com relatos ou contos, criação de pequenos animais, vasos de plantas, aprender a ouvir sons da natureza, dar nome às árvores, abraçá-las e estabelecer rotinas diárias que vão criando hábitos permanentes, tais como apagar a luz, usar as lixeiras, utilizar ade­quadamente a água da torneira, etc. Todos esses atos, repetidos e reforçados com elogios pelos professores e pelos colegas, ajudarão a estabelecer hábitos que os alunos levarão para suas casas, onde eventualmente poderão chamar a atenção dos próprios pais.

Como envolver os pais e a comunidade em
uma proposta de educação ambiental? A escola
tem o poder de realizar transformações também
na sociedade em termos de conscientização
para uma vida sustentável?

A escola não pode erigir-se em um aríete transformador de uma sociedade. A escola é, antes de tudo, um subsistema da sociedade que a criou e a sustenta. Contudo, pode-se aproveitar a retórica das boas intenções da sociedade em relação à sua escola para que esta cumpra seu papel na criação de hábitos e sentimentos novos para uma vida sustentável. Ainda que a escola não possa jamais realizar uma transformação social, ela ajudará a criar o substrato humano necessário para isso, pois são as pessoas, os cidadãos que, no fim das contas, impulsionarão essas transformações, ao menos em uma sociedade democrática.
Revista Patio

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