quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A nova (des) ordem do trabalho - Giuseppe Cocco


A nova (des) ordem do trabalho
Por Ana Paula Conde

Para o cientista político Giuseppe Cocco, a cultura é o novo paradigma do trabalho e as favelas são “reservatórios de mobilização produtiva”



As condições de trabalho estão mudando rapidamente. A transformação contínua exige novos paradigmas de análise. Em tempos de globalização, flexibilização, terceirização, desemprego e sociedade de rede, não é mais possível pensar as relações de trabalho sob um único ponto de vista. Afinal, como afirma o cientista político Giuseppe Cocco, 51, não é o trabalho que está desaparecendo, mas sim o seu estatuto e o seu conteúdo que estão mudando radicalmente. “O desafio daqui para frente é a discussão sobre a necessidade de se pensar novas formas de remuneração e proteção”, diz Cocco.
De acordo com o pesquisador, pensar essa nova realidade é perceber como as relações tornaram-se mais fragmentadas, apesar de mais livres, e como as condições de trabalho da área cultural passaram a marcar os mais diversos setores.
“O trabalho na área cultural, por definição, é produzido por projetos (contratos). Ele tem fases de atividades com renda e fases sem projetos e sem renda. O que antes era especifico dessa área, é hoje a condição paradigmática do trabalho em geral. Daí a crise do ‘emprego’”, afirma.
Para discutir esses e outros temas, Cocco, que é professor de sociologia do trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador geral do Laboratório Território e Comunicação (LABTeC), organizou o seminário "A constituição do comum: cultura e conflitos no capitalismo contemporâneo", que, depois de ser realizado no Rio de Janeiro, em Vitória (ES) e em Salvador (BA), será apresentado no próximo dia 19 em Belém (PA). Da organização do seminário também participa a professora e crítica Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ.
O objetivo do evento tem sido refletir sobre trabalho, produção cultural e trabalho informal no capitalismo contemporâneo. O projeto faz parte do programa Cultura e Pensamento 2007, do Ministério da Cultura (MinC). As discussões apresentadas nas mesas serão publicadas em livro e na revista “Global/Brasil”, da qual Cocco é editor.
Francês de origem italiana, Cocco é doutorado em história social pela Universidade de Paris I (Pantheon-Sorbonne) e vive há 12 anos no Rio. “Trabalho, desde o início, com as dimensões produtivas da comunicação e do território. Creio que o Brasil, apesar de tudo (e esse tudo é muito grande), é atravessado hoje por uma das dinâmicas sociais e políticas mais interessantes”, diz.
Além de coordenar o LABTeC, ele participa da edição das revistas “Lugar Comum” e “Multitudes”, esta fundada na França por intelectuais que trabalham com as idéias de Gilles Deleuze (1925-1995), Michel Foucault (1926-1984) e Antonio Negri (1933). Ele também coordena as coleções “Espaços do Desenvolvimento” (ed. DP&A) e “A Política no Império” (Civilização Brasileira).
Em 2005, lançou com o pensador italiano Toni Negri, do qual é constante colaborador, o livro “Glob (AL) - Biopoder e Luta em uma América Latina Globalizada” (Record), um balanço crítico da teoria da dependência no continente. Entre seus projetos para 2008, estão a publicação de uma coletânea de artigos escritos com Negri para a imprensa brasileira e a finalização de um livro que aprofunda os temas de “Glob (AL)”.
Na entrevista a seguir, Cocco fala sobre os principais estudos desenvolvidos atualmente pela sociologia do trabalho, da importância das atividades imateriais (cognitivas). Ele também defende uma renda universal para as populações e diz que as periferias das metrópoles brasileiras, apesar dos problemas, são celeiros de recursos produtivos.
“Há, por um lado, a pobreza, a miséria, a informalidade, a violência e o crime do poder; mas, por outro, encontramos um gigantesco reservatório de mobilização produtiva, cujo potencial se exprime, por exemplo, na capacidade que a multidão metropolitana mostrou ao construir seus espaços habitacionais de maneira independente, apesar das péssimas condições materiais”, afirma.
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O que motivou a realização do seminário "A constituição do comum: cultura e conflitos no capitalismo contemporâneo"?
Giuseppe Cocco: O tema é uma conseqüência da seguinte realidade atual: por um lado, temos a cultura como referente de um novo paradigma social e econômico; por outro, temos um novo tipo de trabalho que, exatamente, deriva desse novo paradigma e o determina. O trabalho, hoje em dia é cada vez mais fragmentado, mas também é cada vez mais livre.
Ora, ao passo que o mercado pretende se impor (ideológica e politicamente) como a esfera de regulação de um novo tipo de trabalho composto por fragmentos que competem entre si, as atividades produtivas aparecem, por trás da fragmentação, como sendo o resultado da combinação e recombinação de singularidades livres. A clivagem entre a condição de fragmento e a de singularidade é extremamente sutil: flexível, modulável e transversal.
Quer dizer, a mesma pessoa, as mesmas atividades podem ser atravessadas continuamente por condições de extrema subordinação (fragmentação) e de absoluta liberdade (singularidade). O desafio é trabalhar no sentido da abertura dessa clivagem em direção a um novo ciclo de conciliação e constituição dos direitos. Para isso, precisamos de uma base comum, ou seja, do reconhecimento das dimensões comuns das atividades colaborativas.
É por isso que a produção da cultura aparece como paradigmática: dela depende a agregação de valor aos suportes materiais e a organização colaborativa e em rede do trabalho. Ao mesmo tempo, a cultura aparece como a fronteira de constituição do comum.

A última etapa do projeto acontecerá no dia 19 de agosto, em Belém. Você poderia fazer um balanço do evento até o momento. Quais foram os pontos principais de discussão?
Cocco: Creio que o seminário está alcançando seus objetivos. Em Vitória, a discussão foi particularmente interessante, pois ela conectou as dimensões gerais desse debate sobre a constituição do comum com os projetos municipais que visam a construção de condições de acesso universal à rede, por exemplo com a construção de um anel lógico que permitirá a conexão gratuita e wireless à internet.
No Rio de Janeiro, podemos averiguar como o momento político e teórico brasileiro -e, mais em geral, latino-americano- indica hoje um horizonte aberto e inovador inclusive para as experiências européias que estavam presentes, da França, da Espanha e da Itália.
Em linhas gerais, me parece que avançamos na direção de uma reflexão que junte essas questões -da cultura, das redes, da comunicação e, pois, da TV digital, da propriedade intelectual, dos movimentos culturais etc.- com as que dizem respeito às novas formas de trabalho que as caracterizam: em particular o que chamamos de “precariado” da cultura.

Como é o trabalho desenvolvido no LABTeC. Quais são os principais temas de discussão no campo da sociologia do trabalho hoje?
Cocco: O LABTeC nasceu há cerca de 10 anos em torno da idéia de que estávamos entrando em um novo paradigma socioeconômico. Entendíamos que o pós-fordismo era e é pós-industrial, ou seja, baseado em um trabalho difuso. Para analisar a nova realidade devíamos pensar as relações entre a nova qualidade do trabalho (a comunicação) e as redes territoriais (o território). Nessa linha, organizamos cerca de 15 seminários internacionais, a coleção “Espaços do Desenvolvimento” (DP&A editora), bem como várias cooperações internacionais e algumas coletâneas.
No que diz respeito aos temas de discussão da sociologia do trabalho, diria que os sociólogos que, ao longo da década de 1990, insistiam em acreditar que a crise era apenas do emprego, devido às fracas taxas de crescimento, estão enfim levando em conta os temas da “precariedade”.
Quer dizer, eles estão considerando que não é o trabalho que está desaparecendo, mas sim que o seu estatuto e o seu conteúdo estão mudando radicalmente. O desafio daqui para frente é a discussão sobre a necessidade de se pensar novas formas de remuneração e proteção social. Nesse sentido, a discussão sobre a renda mínima e a renda universal é fundamental.

O que seria exatamente a renda universal?
Cocco: É uma renda incondicional para todo o mundo, inicialmente para os mais pobres. Sua justificativa está na necessidade de se reconhecer a dimensão produtiva da vida. Seu nível deveria ser pensado de maneira a permitir a reprodução mínima de cada um. Digamos que no Brasil isso deveria ser no nível do salário mínimo.

Somente neste ano, sete fábricas de componentes eletrônicos fecharam as portas na Zona Franca de Manaus em razão da concorrência chinesa. Qual é o impacto da economia chinesa nas relações de trabalho no Brasil e no mundo?
Cocco: Temos aí várias questões. A primeira, mais importante e estrutural, é a da deslocalização. É uma tendência que começou na década de 1970 e que nos últimos anos foi se aprofundando em direção à China, mas não apenas em relação a esse país.
A segunda questão diz respeito ao seguinte fato: se, por um lado, essa tendência levou à explosão do crescimento chinês a patamares extremamente elevados, por outro, ela é profundamente ligada a uma profunda definição das bases de acumulação. O que o país, por exemplo, agrega à fabricação material de um sapato (um tênis Nike, por exemplo) é muito pouco (algo entre 5% a 10% do total), ao passo que entre 90% a 95% do valor é gerado pelas atividades imateriais (cognitivas) de concepção, design, marketing, logística etc.
Ora, essas atividades não se deslocam segundo a mesma lógica que as fábricas. Não são os baixos salários, as infra-estruturas sociais precárias e o controle autoritário das relações de trabalho (ou seja, tudo que a China oferece) que essas atividades procuram. Elas buscam bacias metropolitanas altamente integradas por redes de circulação que, ao mesmo tempo, são redes de produção.
A terceira questão é a que coloca em xeque o modelo da própria Zona Franca de Manaus -e que atualmente está se querendo multiplicar com as 17 ZPEs (Zonas de Processamento para Exportação) prestes a serem aprovadas pelo Congresso. Não adianta querer juntar baixos custos de mão-de-obra e subsídios fiscais.
Em primeiro lugar, as plantas industriais que assim se desenvolvem não arrastam o desenvolvimento dos territórios, onde na realidade vão funcionar como verdadeiros enclaves.
Em segundo lugar, trata-se de especializações ambíguas em função de baixos custos de mão-de-obra, que não vão na direção de um desenvolvimento endógeno capaz de agregar as atividades materiais e imateriais. Ora, sem essas últimas, não há nem valor agregado (geração de riqueza), nem criação de emprego, que não está mais nas montadoras, mas nos serviços de todos os tipos.

Alguns analistas defendem a criação de uma espécie de ISO para assegurar aos consumidores que determinado produto não utilizou mão-de-obra escrava ou infantil, por exemplo. Qual é a sua opinião sobre a adoção dessa medida?
Cocco: Isso pode ser bom e ruim ao mesmo tempo. Por um lado, é evidente que podemos e temos que ser a favor da implementação de formas de regulação que obriguem as empresas a competir por “cima” e não por “baixo”. Ou seja, competir pela inovação, e não pelo uso de formas de trabalho “indecentes”. Isso, aliás, vale também para as questões do meio ambiente.
Ao mesmo tempo, contudo, precisamos evitar que isso seja usado pelos países mais desenvolvidos como mais uma barreira protecionista de suas indústrias que, no fim das contas, acabaria tendo resultado oposto: travando a modernização da produção nos países emergentes e obrigando-os a especializar-se nas atividades mais tradicionais, nas quais encontramos as formas mais degradantes de trabalho.
Em linhas gerais, o que me parece é que esse debate deve se articular em dois momentos complementares. No nível internacional, no aprofundamento de uma diplomacia Sul-Sul, para que o liberalismo dos países do G8 e mais em geral dos vários órgãos internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial etc.) não continue funcionando na geometria variável. E no nível nacional (e regional, da América Latina), para que se pense a erradicação das formas degradantes de trabalho de um outro ponto de vista.
Vamos ver o exemplo dos cortadores de cana. Por um lado, há um certo moralismo por parte dos que enxergam, nos objetivos de produção impostos pelos usineiros, apenas a lógica do patrão. Claro, essa lógica é neo-escravagista. Mas, na realidade, há também uma lógica desses trabalhadores sazonais, que provêm de condições de vida ainda mais duras, e, visando o maior ganho líquido possível, acabam aceitando metas de produção estafantes.
Por outro lado, escamoteia-se o fato mais relevante: que o único jeito de “cortar” essas condições de trabalho dos cortadores implica em uma mecanização do trabalho do campo, que reduziria ainda mais o emprego. Há uma contradição entre condenar essas condições de trabalho e continuar assumindo o emprego como a única maneira de se integrar socialmente.
A verdadeira alternativa está em sustentar o processo de mecanização e assumir, ao mesmo tempo, o desafio de se pensar a distribuição de renda (e o próprio sistema de proteção social) de maneira independente da relação de emprego: por exemplo, massificando ainda mais o Bolsa Família.

Estamos na era da informação e, quanto mais bem educado é um povo, maior é a possibilidade de desenvolvimento de um país. A nova realidade aumentou a distância entre países pobres e ricos?
Cocco: Podemos dizer mais uma vez que a distância aumentou e, ao mesmo tempo, diminuiu. Por um lado, na medida em que o conhecimento é um dos elementos estratégicos do novo regime de acumulação, países como o Brasil, que ainda não conseguiram democratizar seu sistema educacional, vêem aumentar as dificuldades para se posicionar no novo contexto global. É mesmo que constatamos ao falar, antes, da China. O Brasil perde as plantas de fábrica sem especializar-se na produção do intangível (conhecimento, tecnologia etc.).
Por outro lado, a “era da informação” é, na realidade, uma era das redes e, dentro da dinâmica do trabalho colaborativo em rede, é o próprio conceito de conhecimento e de educação que muda. Seja do ponto de vista de como ele se propaga, seja do ponto de vista de como ele se produz e reproduz. As redes se integram sem respeitar fronteiras, de maneira horizontal e difusa -rizomática. Elas atravessam os muros das universidades, dos bairros, das regiões e dos países. E esse movimento encolhe as distâncias.
São esses movimentos contraditórios e paradoxais que definem a globalização como um não-lugar, como um espaço policêntrico, no qual centro e periferia se misturam sistematicamente. As contradições e os conflitos estão todos dentro desse novo espaço, por mais fragmentado e desigual que seja.

De acordo com a ONU, o nível de urbanização mundial ultrapassou os 50% em 2007. Qual o impacto desse quadro para as relações trabalhistas? A tendência é o aumento da informalidade e da precariedade?
Cocco: Isso não é novidade para o Brasil. Há um discurso que apreende a dinâmica das grandes metrópoles nos mesmos termos que se discute a questão ambiental, o efeito estufa e o aquecimento global. As metrópoles seriam como que um “câncer”, algo que precisaríamos extirpar, e com elas os pobres que as habitam e as constroem.
Os conservadores não abrem mão do velho sonho de “expulsar” os pobres, colocá-los naqueles “bantustan” edificados, não por acaso, pelo regime sul-africano do apartheid. Mas as críticas de esquerda acabam, paradoxalmente, não sendo muito diferentes. Trata-se sempre de “eliminar” os “slums” (favelas), mesmo que isso passe pela erradicação da pobreza.
Ora, nesse sentido, a pobreza não deixa de ser apreendida como uma doença, cujo combate nos faz pensar na higiene, do mesmo modo que essa nos faz pensar na eugenia, a mãe de todos os racismos científicos.
Mike Davis explicita a dimensão negativa da urbanização, fazendo abertamente referência a uma degradação social e urbana que corresponderia a um tipo de “brasilianização” do mundo, no livro “Planeta Favela” (Boitempo, 2006). Nisso, o autor se associa àqueles setores da elite brasileira que não abriram mão do sonho de remover as favelas e os pobres de volta ao campo da invisibilidade.
Eu não compartilho dessas visões. Pelo contrário, pois nas metrópoles brasileiras encontramos elementos ambíguos e dramáticos de um único processo. Há, por um lado, a pobreza, a miséria, a informalidade, a violência e o crime do poder; mas, por outro, encontramos um gigantesco reservatório de mobilização produtiva, cujo potencial se exprime, por exemplo, na capacidade que a multidão metropolitana mostrou ao construir seus espaços habitacionais de maneira independente, apesar das péssimas condições materiais.
Esses dois lados estão dramaticamente ligados (uma ligação que passa pela quase guerra civil), mas é claro também que é na inflexão dessa dinâmica e dessas ambigüidades -e não contra elas- que precisamos apostar. Aliás, é exatamente nas metrópoles brasileiras e em suas periferias que se encontram os maiores recursos produtivos a serem mobilizados na economia das redes. A mobilização produtiva da metrópole indica um novo terreno constituinte de radicalização democrática, do qual os movimentos culturais das periferias são a maior expressão.

Como reverter a tendência à informalidade e à terceirização. Quais são as possíveis saídas para esse problema?
Cocco: A questão não é como “reverter” a informalidade, a terceirização e a precarização, e sim como deslocar o problema. Parte dele é o fato das novas capacidades técnicas (informacionais) que o capital tem de usar as diferentes condições sociais e níveis de desenvolvimento para incluir (colocar para trabalhar) sem por isso integrar socialmente, fragmentando a relação salarial do ponto de vista do que ela representava em termos de conflito entre capital e trabalho.
A outra parte disso é o fato de que a saída para além da sociedade salarial acontece na continuidade inercial de suas instituições. Essa continuidade das instituições oriundas da relação de emprego faz com que, por um lado, todo o sistema de proteção social continue a organizar-se em função de uma relação de emprego que não para de encolher. Por outro, isso faz também com que a multiplicidade das condições de trabalho seja reduzida, no plano da proteção e da formalidade, à grande clivagem que opõe quem está dentro a quem está fora.
Precisamos, pois, trabalhar para a constituição de um novo pacto, de um novo sistema de proteção, que ultrapasse e desloque essa clivagem. O problema não é ser flexível, mas não ter proteção.

Em "Glob (AL): Biopoder e Luta em uma América Latina Globalizada", você afirma que vivemos uma época de transformação e de possibilidade de uma nova ordem de valores e instituições, radicalmente democráticos, na qual a forma de governar está mudando, com maior participação dos movimentos populares. Mas, considerando as questões relativas ao trabalho, como se daria essa transformação? É possível resistir às pressões de instituições internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo?
Cocco: É possível resistir, sim, às instâncias oligárquicas de governo da globalização. É possível e, sobretudo, necessário, pois não há alternativa. Sem essa desconexão, haveria conseqüências sociais e econômicas ainda piores, e isso levaria a quê? A um soberanismo impotente, que só encontraria espaço nas brigas com a Bolívia ou a Venezuela.
Trata-se de governar a interdependência, e o governo Lula tem feito avanços importantes nesse sentido. Hoje em dia, os constrangimentos externos são bem menos importantes do que as questões internas da democratização, da distribuição de renda e do meio ambiente.
Trata-se de ver que distribuição de renda (políticas sociais) e mobilização política (radicalização democrática) não constituem mais elementos sucessivos às taxas de crescimento (política econômica) e à tomada de decisão (política de Estado). A qualidade da política econômica e da tomada de decisão do governo depende das políticas sociais e da radicalização democrática, pois essas são imediatamente produtivas.

O livro foi escrito em 2005, em um período de "busca de novos equilíbrios internacionais e de experimentação de transformacões político-sociais na América Latina", como você escreve. O que mudou nesses dois anos? Como você vê a proposta de mudança na CLT?
Cocco: Vejo a proposta de mudança da CLT como uma armadilha. É o velho discurso. A informalidade existe porque os custos da formalização são excessivos e acabam travando o processo de integração formal da maioria. É a velha tática de querer colocar aqueles que estão fora contra aqueles que estão dentro.
Contudo, se os sindicatos e os movimentos sociais organizados pensam que a resposta deve se resumir na mera defesa da CLT e do status quo, eles estão errados, pois vão entrar no mesmo esquema.
Do ponto de vista da transformação, mais uma vez, é preciso deslocar essa armadilha, pensar e constituir o comum. Isso passa pela discussão sobre a distribuição de renda, como já disse, em direção a uma renda universal.

Ana Paula Conde
É jornalista, mestre em ciência política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutoranda em história, política e bens culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Revista Trópico

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