quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Outras Vidas Além da Minha - Emmanuel Carrère


Extraordinários seres comuns
Por Leneide Duarte-Plon

O escritor Emmanuel Carrère aborda pequenas e grandes tragédias, como a do tsunami, em "Outras Vidas Além da Minha"

Ele é escritor, cineasta e roteirista. Seu novo livro, “D’Autres Vies Que la Mienne” (Outras Vidas Além da Minha), elogiadíssimo pela crítica, de uma delicadeza extraordinária, luminoso, apesar de tratar de histórias trágicas, já é apontado como um dos livros do ano, sério candidato a um dos prêmios literários do outono francês.
Nele, Emmanuel Carrère, 51 anos, está presente como o narrador-escritor, como em seus dois livros anteriores ("L’Adversaire" e "Un Roman Russe"), mas o livro gira em torno de outros personagens. Na primeira parte, um casal de franceses que perde a filha de quatro anos no tsunami ocorrido no Sri Lanka, do qual o próprio autor foi testemunha, quando estava em férias com a mulher e os filhos em dezembro de 2004. Na segunda parte, os personagens são dois jovens juízes que travam uma batalha diária por pessoas humildes, vítimas de endividamento devido a falhas na lei, o que faz que muitas vezes a Justiça favoreça as empresas de crédito.
Etienne e Juliette são os dois juízes chamados de “vermelhos” pelos colegas conformistas por tomarem a defesa dos mais fracos. Etienne venceu a luta contra um câncer na adolescência, mas perdeu uma perna. Juliette sucumbe à doença. São as duas vidas que ocupam a segunda parte do livro.
“Mesmo se o livro trata de coisas dolorosas, difíceis, não o escrevi com dúvidas quanto à minha legitimidade, meu direito de escrever. No fundo, não é um livro escrito contra, é um livro desejado pelas pessoas envolvidas na história. Logo, mesmo se o que ele narra é duro, foi escrito num relativo conforto psicológico, o que era novo para mim”, diz Carrère, em entrevista a Tropico, em seu confortável apartamento parisiense.
A seguir, ele discute o termo "autoficção", usado por alguns autores franceses para definir relatos autobiográficos e diz que deseja ser lido pelo maior número possível de pessoas. "Tenho um desejo: que o que escrevo possa atingir leitores não necessariamente atentos à literatura", afirma.
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"Outras Vidas Além da Minha" foi escrito a partir de fatos reais trágicos, mas, apesar disso, o livro foi qualificado por um crítico como “surpreendentemente luminoso”. Ele fala de perdas, de doenças, mas também de uma tomada de consciência de que a felicidade existe e está ao nosso alcance, tratando de histórias reais. Você chegou a hesitar em escrevê-lo?
Emmanuel Carrère: Não, não cheguei a hesitar. O livro tem duas partes, uma mais longa que a outra. A primeira trata do tsunami, do qual fui testemunha há quatro anos. A segunda parte gira em torno de um drama mais pessoal e mais banal de certa forma: a morte de minha cunhada, Juliette, uma jovem de 33 anos, que tinha câncer. Sobre isso, não sei se eu teria pensado em escrever.
Mas, como conto no livro, houve esse encontro com o colega de Juliette, o juiz Etienne Rigal, que tinha tido um câncer também e no dia seguinte à morte nos falou dela de uma forma tal, por duas horas, que saí de sua casa totalmente fascinado por tudo o que ele havia contado, a tal ponto que disse a mim mesmo: “Tenho que escrever um livro, um relato para tentar passar a emoção que senti ao escutar Etienne”.
Foi apenas isso. E acho que o livro cumpre o programa que tracei. E o que demonstra que não hesitei muito é que, no fim dessa visita, esse homem que me conhecia como escritor se virou e me disse: “Essa história talvez seja para você”. Na mesma noite pensei: “Ele me encomendou um livro, tudo bem”.
Falei com minha companheira, que era uma das pessoas envolvidas na história, e depois do enterro voltei a falar com Etienne para lhe dizer que eu estava de acordo, que ia começar a ouvir o que ele tinha a contar, sem saber se daria um livro. Falamos muito, nos tornamos muito amigos e de certa maneira essa decisão foi rápida, enquanto que para outros livros foi complexa, longa, difícil, o contrário do que aconteceu com os dois outros livros meus, anteriores a esse ("L’Adversaire" e "Un Roman Russe").
Eles tratavam, ambos, de histórias reais com personagens reais. E eu estava muito atormentado pela pergunta seguinte: “Com que direito eu escrevo essa história?”. Mas, para esse livro, não tive essa dificuldade, porque eu tinha a impressão que esse direito me tinha sido dado primeiramente por Etienne, depois pelo marido de Juliette, Patrice.
Mesmo se o livro trata de coisas dolorosas, difíceis, não o escrevi com dúvidas quanto à minha legitimidade, meu direito de escrever. No fundo, não é um livro escrito contra, é um livro desejado pelas pessoas envolvidas na história. Logo, mesmo se o que ele narra é duro, ele foi escrito num relativo conforto psicológico, o que era novo para mim.

Seu livro trata tudo com uma delicadeza impressionante. Seus personagens seriam como heróis, mesmo não tendo realizado feitos heróicos?
Emmanuel Carrère : Concordo plenamente. E é por isso que a delicadeza que você atribui a esse livro não foi um grande esforço, porque eu tinha por essas pessoas um sentimento de simpatia, de amizade, de respeito e mesmo de admiração que fez com que se estabelecesse uma relação de confiança particular e muito grande.
Etienne veio me pedir para escrever, mas Patrice me demonstrou uma confiança extraordinária, e a minha preocupação maior era de não traí-lo, de ser digno dessa confiança, e acho que fui. Eu o conhecia muito pouco, ele tinha perdido sua mulher poucos meses antes e fui vê-lo para dizer: “Sabe, quero escrever um livro sobre sua mulher”. Outras pessoas teriam dito: “Não acho de muito bom gosto”.
O livro não foi escrito num espírito de contradição, de ambiguidade, de dificuldade, foi feito de maneira natural.

Você encontrou pessoas que viveram tragédias e tiveram força para superá-las. Por exemplo, os pais da pequena Juliette, morta no tsunami, e o juiz Etienne Rigal. Mas também a juíza Juliette, que assumiu todas as suas escolhas e teve a coragem e a sabedoria de construir sua felicidade contra todas as circunstâncias adversas. O que eles lhe acrescentaram?
Carrère: Muita coisa. Esse livro me transformou, mesmo eu não sendo o personagem principal, mas o narrador e uma testemunha muito presente. Tenho a impressão de que esse personagem, quer dizer, eu, mudou bastante entre o início e o fim do livro. A mudança se deu graças a esses encontros e à atenção recíproca. Fui durante quase toda a minha vida, o que testemunham os meus livros, alguém muito atormentado, muito dividido.
Fui poupado das grandes dores da vida: não conheci até hoje perdas importantes, não conheci a doença, não tive verdadeiras dificuldades materiais. Tive uma vida ao mesmo tempo muito protegida e difícil, porque muito neurótica. E, quando digo muito neurótica, não o digo com menosprezo, como se dissesse que há as verdadeiras misérias da vida e há as falsas.
Não penso que é uma infelicidade falsa. Penso que a neurose também é uma grande fonte de infelicidade. Mas tenho a impressão que essa espécie de confronto que se produziu, por acaso, com essas desgraças e a maneira como as pessoas que conheci as enfrentaram me deram de repente consciência da precariedade da vida e me revelaram uma disposição para a felicidade que eu não sabia que possuía. Esse livro foi para mim uma experiência muito decisiva e muito positiva.
Tenho a impressão que escrevê-lo me fez muito bem. Tem também uma coisa comum a todos os personagens do livro: eles são todos, sem exceção, capazes de amar, de amor muito grande, muito fiel, constante, feito de escolhas. E isso é um dado comum a todos, aos pais de Juliette, a Juliette e Patrice, a Etienne e sua mulher, e na amizade que liga Etienne e Juliette.
Com o distanciamento, percebi que é um livro sobre o casal e sobre o que pode ser a beleza e a força do casal. E eu escrevera muito sobre a dificuldade que havia para mim em fazer parte de um casal. Sei que a consciência da existência desses casais tornou a minha vida mais fácil.

Você disse que o livro não é autoficção uma vez que é 100% real, logo a ficção é reduzida a zero. A autoficção existe realmente?
Carrère: Sou reticente a respeito dessa palavra, não ao que ela pretende significar. Acho que existe hoje na França, e não somente na França, uma produção que não é romance no sentido estrito. Muitas vezes se escreve a palavra “romance”, e penso que é um certo abuso. Não é grave, não deve haver uma querela de palavras. Sei qual é a origem da palavra autoficção, inventada nos anos 80 pelo professor e escritor Serge Doubrovsky. Mas me parece uma palavra pouco feliz.

Essa palavra só é utilizada na França ou foi adotada no mundo todo ?
Carrère: Não sei se é somente na França. Pode ser que eu pense que há uma tendência generalizada quando se trata apenas de meu gosto particular, mas os livros que mais me agradaram nos últimos anos foram livros autobiográficos. Por exemplo, o livro de Daniel Mendelsohn, “Les Disparus” (Os Desaparecidos), que acho magnífico. Ou então o de Joan Didion, "The Year of Magical Thinking" (O Ano do Pensamento Mágico), no qual ela conta o luto por seu marido. São livros autobiográficos.
Mendelsohn é o narrador de seu livro, ele está presente, mas não fala de si mesmo, fala muito da história de sua família, da grande história. Quanto a mim, sou mais sensível a livros como esses do que à maioria dos romances clássicos. Mas não tenho nenhuma posição teórica contra o romance, nenhuma crítica a sua perda de influência...

Mas você não tem vontade de escrever romances?
Carrère: Talvez volte a fazê-lo um dia, não sei. Por enquanto, não tenho apetite pelo romance, nem como autor, nem como leitor. Tenho a impressão de que as coisas que mais me interessam estão nesse espaço que é muito amplo, pois inclui tanto narrativas autobiográficas e relatos que não são autobiográficos, mas relatos da vida de outra pessoa ou mesmo livros de pesquisas históricas. Pessoalmente, isso me atrai mais, atualmente.
Acho a palavra "autoficção" redutora, porque me leva a pensar na palavra "ficção" no sentido mais clássico, isto é, “relato de acontecimentos imaginários”. E a autoficção me parece ser algo que precisamente não é ficção. Portanto, acho a palavra inapropriada.
De qualquer forma, é por isso que tenho tendência a recusá-la para qualificar o que eu escrevo, pois não é ficção. Isso não impede que sejam livros que utilizam todos os recursos do romance, como o suspense, tudo o que é usado para manter a atenção do leitor, os flash-backs e outros recursos. Utilizo as técnicas do romance com o maior prazer, sem escrúpulos. Meus livros não são de forma alguma documentos brutos.

Existe a pena e a técnica do romancista, mas trata-se da vida verdadeira...
Emmanuel Carrère : Sim, mas isso tem um preço, que são pequenas inexatidões. Seria mais ou menos como quando fazemos um filme documentário e o montamos. Podemos aproximar dois momentos de uma conversa, que, na realidade, estavam separados por horas ou mesmo por dias. Existe uma construção, uma montagem, mas todo o material continua sendo autêntico. E, mesmo no trabalho de montagem, tenho a preocupação de ser fiel, de não trair.

Parece-me que, para a criação de seus livros, você realiza também um trabalho prévio muito próximo do jornalismo, entrevistando pessoas, apurando fatos etc. Estou correta?
Emmanuel Carrère : Exatamente. Durante mais de 15 anos escrevi romances. E há uns dez anos escrevo conforme esse modelo, que integra em grande parte um trabalho de jornalista. “L’Adversaire” foi o primeiro nesse gênero e foi muito influenciado por "A Sangue Frio", de Truman Capote, que é o grande protótipo desse tipo de livro.
Capote teorizou muito sobre o que ele chamou de “non-fiction novel”, que é uma expressão um tanto pesada, mas me parece mais apropriada que "autoficção". Isso corresponde ao que faço, é romance, mas não é ficção.
“L’Adversaire” parte de um crime e fiz um trabalho de investigação muito longo, complicado, não materialmente, mas sobretudo do ponto de vista psicológico, pois o contato muito próximo com um criminoso que cometeu atos terríveis é muito difícil. Isso implica problemas humanos, morais. O livro foi difícil de fazer. Mas tenho a impressão que qualquer coisa mudou em mim, como se fosse um caminho sem retorno. Mas, se amanhã tiver vontade de escrever um romance, não tenho nada contra. Eu o escreverei.

Você disse numa entrevista que a neurose protege da infelicidade verdadeira, pois ela faz a pessoa pensar que é imortal. No livro você diz que tem “boas razões de pensar que a vulgata psicanalítica sobre os benefícios da palavra contrariamente à devastação do silêncio é verdadeira”. Qual é o lugar que a psicanálise ocupa na sua vida?


Carrère: Li bastante Freud, que aprecio muito como escritor. Lacan é muito difícil para mim. Freud é um escritor magnífico. As histórias que ele relata nos "Cinco Casos" são textos de um grande autor.
Eu fiz análise durante cerca de dez anos, com algumas interrupções, com três analistas diferentes. Parei há uns três anos. Existe um discurso contemporâneo antipsicanálise, mas eu sou um cliente satisfeito. A psicanálise me fez muito bem, me ajudou muito, coincidiu com a escrita dos meus três últimos livros.
Acho que ela me ajudou a dar um passo à frente. Não posso dizer que a psicanálise é uma panacéia, que ela resolve tudo, claro que não. Mas estou convencido de que ela foi fundamental para mim. Posso mesmo dizer que me salvou.
No meio literário parisiense já se aposta que seu livro estará entre os premiados de 2009 e até que será o livro francês de 2009. Qual a importância dos prêmios literários para um autor?
Carrère: Não sei desses comentários dos meios literários parisienses. Não penso que posso ganhar nenhum prêmio porque meu livro saiu no início de 2009, e não em setembro, data dos lançamentos maciços que antecedem os prêmios. Além disso, não é um romance. Mas fico feliz com o que pode aumentar a penetração de um livro. Não vou bancar o difícil. De maneira geral, tenho vontade que meus livros sejam lidos, faço o possível para isso. Mesmo se eles tratam de coisas muito complexas, tenho o cuidado de escrevê-los com simplicidade, da maneira mais clara possível, para mim isso é um objetivo literário.
Há uma frase de Hemingway de que gosto muito. Ele dizia: "Conheço tantas palavras difíceis quanto os outros, mas faço um esforço danado para não usá-las”. Este é um pouco o meu credo de escritor. Quando eu era jovem, era totalmente influenciado por Nabokov, meu herói literário. Há uma grande sofisticação nele, uma relação muito aristocrática com a literatura. Tenho um desejo: que o que escrevo possa atingir leitores não necessariamente atentos à literatura, quero escrever coisas que podem atingir a quem lê dois ou três livros por ano.
Mas os prêmios literários são importantes para ampliar o público. O leitor do prêmio Goncourt não lê necessariamente vários livros por ano...
Carrère: Sou fatalista. Mas claro que isso me daria prazer. Mas, se não for agora, será de outra vez, não é grave. Esse livro já encontrou um público, mas o prêmio literário é importante, claro. Há uma frase no livro, desculpe me citar, mas que me agrada muito. Ela diz: “Hoje dou mais valor ao que me aproxima dos outros homens do que ao que me distingue deles”.
Passei uma grande parte de minha vida, como muitos de nós, a dar enorme importância ao que me diferenciava dos outros, ao que tenho de particular. Vem um momento na vida em que se tem a impressão de que o que é mais importante é exatamente o que é comum, banal, partilhado, o que nos faz iguais aos outros.
Cito a propósito de Etienne essa frase muito conhecida, atribuída a Montaigne, mas que creio vir de mais longe, de um autor latino: “Sou um homem, e nada do que é humano me é estranho”. Isso é um clichê, mas penso que é um resumo da filosofia. Tudo o que se pode fazer é se esforçar para que seja verdadeiro.
Você tem um projeto de escrever sobre o escritor russo Edouard Limonov. Nesse livro, é a Rússia dos últimos anos que lhe interessa de fato?
Carrère: Entre outras coisas. É uma trajetória que inclui os últimos 60 anos. Ele nasceu logo depois da vitória de Stalingrado, está vivo, é uma espécie de agitador político um pouco bizarro. Mas não é um cara por quem tenho uma estima sem limite.
Mas é uma biografia ?
Carrère: É uma biografia à minha maneira. Ele viveu nos anos 80 na França, eu o conheci e depois voltei a Moscou para fazer uma reportagem sobre ele, há dois anos. Passei uns 15 dias com ele. Foi interessante.
Mas é uma biografia autorizada ?
Carrère: Não tem a menor necessidade de ser autorizada. Limonov é um personagem público, que escreveu muita coisa sobre sua vida em seus livros e não hesitarei em usar essas informações. Se amanhã eu quiser escrever um livro sobre Sarkozy, por exemplo, não tenho necessidade de ter a permissão de Sarkozy.
Se falo de uma pessoa que não tem uma vida pública, com quem tenho laços de amizade, como Etienne ou Patrice, me parece moralmente indispensável ter o acordo deles.
Se falo de alguém como Limonov ou de um homem político, posso pedir sua permissão, mas isso ela não é necessária, uma vez que se trata de personagem público. A Rússia dos últimos 20 últimos é um assunto que me fascina. Talvez por razões familiares, já que minha mãe (Hélène Carrère d'Encausse) é historiadora e a grande especialista francesa da Rússia.
Tenho a impressão de que vivemos num país que declina aos poucos e onde vivo uma vida bastante confortável, bastante protegida. Não temos a impressão de que a França está no meio do turbilhão da história. Na França, isso foi no passado. A Rússia é um país que viveu os 70 anos de experiência comunista, uma coisa assustadora, mas gigantesca. A saída do comunismo e o que se passa há 20 anos é também uma convulsão histórica gigantesca.
Mas temos a impressão que esse trabalho de análise da saída do comunismo não foi ainda realizado...
Carrère : Há cerca de dez anos eu vou à Rússia. No meu livro anterior “Un Roman Russe” conto detalhes desta história. Fiz um filme no país, passei muito tempo, e vou lá duas vezes por ano, por cerca de 15 dias. Antes, eu tinha ido uma vez quando criança, com minha mãe.
Depois, me afastei, talvez porque era o território da minha mãe. Por fim, é como se eu tivesse aceito uma herança que era também minha. Tudo isso é contado em detalhes no livro, que é também o livro do fim de minha psicanálise e no qual tenho a impressão de ter acertado contas, como se eu tivesse feito um grande pacote de neuroses que coloquei na beira da estrada para poder continuar meu caminho de maneira mais leve.
Amo a Rússia. É um país brutal, violento, prefiro mil vezes morar na França, evidentemente. Mas acho a Rússia fascinante, há ali uma grande intensidade emocional, as relações humanas são sempre numa espécie de relação de verdade, de escalada emocional. Observo o que se passa nesse país, extremamente caótico, complicado e difícil de analisar, e não tenho a pretensão de fazê-lo, mas pretendo tentar contar algumas coisas. Isso me fascina.
Quando o livro será publicado?
Carrère : Isso vai me tomar o tempo que for preciso, sou assim. Comecei, mas é um trabalho longo. Limonov tem 65 anos, aconteceram muitas coisas na sua vida, ele tem um pouco de um aventureiro...
Seus livros foram traduzidos em português e você foi ao Rio em 2005, para um festival de cinema, apresentar seu filme “La Moustache”, feito a partir do romance homônimo. Você conhece a literatura brasileira ou portuguesa?
Carrère : Honestamente, não muito. Fui duas vezes ao Brasil, uma delas quando tinha 20 anos. Tinha um amigo que trabalhava num convênio de cooperação franco-brasileira em Brasília. Aproveitei a oportunidade de ter onde me hospedar e passei um mês e meio de férias no país. Viajei um bocado, foi fascinante.
Depois, voltei em 2005 para o festival do Rio. Mas não conheço bem o Brasil, não falo uma só palavra de português. Conheço um pouco a literatura brasileira, como Jorge Amado, mas não tenho um conhecimento aprofundado.
Li alguns romances de Saramago, que admirei muito, mas ao mesmo tempo é algo distante de mim. Todo mundo tem seus tropismos, e o meu é o mundo do Leste europeu, que me atrai como um ímã.
Que lugar o cinema ocupa em sua vida atualmente? Você tem outros projetos de direção de filmes ou de roteiros?
Carrère: Fiz um filme ("La Moustache", 2005) de ficção e um documentário ("Retour à Kotelnitch", 2003). E prefiro o documentário. "La Moustache" é um filme que fiz com prazer, adaptado do livro que eu escrevi há 20 anos. Acho o livro melhor que o filme, funciona melhor. O documentário é menos conhecido, mas gosto mais dele.
Você tem outros projetos para o cinema?
Carrère: Não. Continuo a escrever roteiros regularmente. Ganho minha vida assim há muito tempo. Gostaria de fazer um novo filme como diretor, mas sou incapaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Quando faço uma coisa, faço somente aquilo.
No início de março, você foi a Nova York com mais dez autores franceses para promover a literatura francesa. Entre esses “french writers”, quais os que você lê e aprecia?
Carrère: Há alguns com quem tenho relações de amizade. Leio os franceses contemporâneos com prazer.
Você declarou que gosta da literatura de Michel Houellebecq. É seu autor francês preferido?
Carrère: Não sei se é meu autor preferido, mas acho que ele é incontestavelmente um escritor importante. Há posições muito hostis a ele e posso compreender, não é uma literatura simpática. Mas não há dúvida de que é um escritor importante. É como se existisse uma obra na qual um momento da história de um país, de uma época se encontrasse, isso fala de algo, de um momento histórico, sociológico. E penso que ele diz isso com muita força, mesmo se é desagradável. Houellebecq me impressiona, pela visão que ele tem do mundo, do momento de civilização que a gente atravessa. Uma visão nada simpática, nada atraente...
Ele é um personagem nada atraente também.
Emmanuel Carrère : Sim, ele faz um tipo e um gênero desagradável. Houellebecq é um "rock star". Ele faz um gênero. Eu o conheço pouco, encontrei-o duas vezes, mas acho que ele é bastante importante.

Revista Trópico

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