domingo, 8 de fevereiro de 2009

Retrato de um rei em movimento - Lúcia Bastos Pereira das Neves


Contaminada pelo germe da História durante o ginasial, uma viagem ao exterior fez a adolescente optar definitivamente pela disciplina. Mas o gosto pelas diferenças culturais não ficou restrito à escolha inicial de Lúcia Bastos, hoje professora titular de História Moderna da Uerj. Em obra de referência sobre a Independência (Corcundas e constitucionais, 2003), tese de 1992, ela mergulhou na opinião pública luso-brasileira da época e revelou personagens e idéias diferentes daquilo que aprendemos nas aulas de História.

Foi seu primeiro contato mais prolongado com uma figura muito peculiar: D. João VI. Agora, na biografia do monarca que está lançando pela editora Civilização Brasileira, Lúcia refaz a trajetória do governante português e rejeita clichês criados por historiadores. No livro, D. João aparece como homem de um mundo muito diferente do nosso, mas também como personagem de carne e osso. Mais carne do que osso, revela a historiadora na entrevista concedida à nossa equipe. Criado à sombra do irmão mais velho, que seria o futuro rei de Portugal, D. João teve uma formação mais inclinada à religião e às artes, com especial predileção pela música sacra. O destino o conduziu ao poder, e ele acabou protagonista do episódio que transformou definitivamente os rumos de Portugal e do Brasil: a transferência da Corte. Suas virtudes e fraquezas políticas, sua justificada fama de glutão, suas doenças, a conturbada relação com Carlota Joaquina, as intrigas e fofocas que rondavam a Corte, até mesmo uma filha bastarda do rei... nada escapou à investigação minuciosa de Lúcia Bastos, e é com ela que entramos neste mundo ao mesmo tempo íntimo e público da monarquia luso-brasileira.

Em uma casa que respira História, não poderíamos abrir mão da presença do historiador Guilherme Pereira das Neves, professor da UFF, marido de Lúcia e também estudioso da época joanina, que colaborou nesta entrevista.


REVISTA DE HISTÓRIA A biografia tem o objetivo de reabilitar a figura de D. João?

LÚCIA BASTOS Não diria reabilitar, mas traçar sua trajetória dentro do contexto em que está inserido. O papel do historiador não é construir figuras depreciativas. O filme “Carlota Joaquina”, por exemplo, não contribuiu para o conhecimento da História por um público mais amplo. Claro que popularizou D. Carlota e D. João, mas do que as pessoas lembram? De um D. João que só comia coxinha de galinha. Após o filme, em uma avaliação no ensino médio, ao ser indagado acerca de uma contribuição do período de D. João, um aluno escreveu que ele tinha criado o delivery de frangos no Rio de Janeiro!

RH Foi complicado pesquisar a vida de D. João?

LB Bastante. Imagine que no dia em que ele nasceu, 13 de maio de 1767, a Gazeta de Lisboa estava suspensa por ordem do futuro marquês de Pombal (1699-1782), talvez em represália a alguns artigos que não lhe eram favoráveis. Era o jornal que trazia o noticiário protocolar, por exemplo: “Os sinos das igrejas repicaram pelo feliz sucesso da Princesa do Brasil”. Pesquisar a vida privada dele já começa com esse obstáculo. Há pouca documentação. Os livros do historiador português Ângelo Pereira mencionam fontes de sua coleção particular, mas hoje ninguém sabe onde se encontram. De qualquer forma, podem ser consideradas informações confiáveis. Na Biblioteca Nacional, há escritos de Mello Moraes [político e historiador alagoano, ver nesta edição, pp.84-85], mas ele mesmo avisa: “Transcrição alterada de um manuscrito anônimo”. Logo, não é possível saber o quanto foi modificado, mesmo se compararmos com outros documentos. Mas há dados sobre o batizado e a infância de D. João em alguns cronistas do século XIX.

RH Pode-se dizer que ele não foi educado para ser rei?

LB Ele era o segundo filho e, de fato, todas as atenções voltavam-se para D. José, que teve uma educação esmerada por ser o provável futuro rei de Portugal. A educação de D. João, entretanto, deve ter sido semelhante à do irmão, pois pertencia a uma Casa Real. Recebeu, pelo menos, conhecimentos básicos da leitura e da escrita, bem como noções de artes, principalmente a música e a equitação. Observa-se, contudo, uma espécie de dualidade entre os dois irmãos: enquanto D. José representava as luzes em Portugal, D. João parecia representar uma sociedade do passado. Era bem da estirpe do pai, D. Pedro III: supersticioso, religioso, ligado às tradições, além de deleitar-se com uma boa mesa. O marquês de Bombelles, embaixador francês, ao visitar os aposentos de D. José, extasia-se com seu gabinete de física. Enquanto isso, D. João devia encontrar-se no convento de Mafra em companhia dos frades, rezando. Há até uns versinhos: “Nós temos um rei/ Chamado João/ Faz o que lhe mandam/ Come o que lhe dão/ E vai para Mafra/ Cantar o cantochão [tipo de música sacra]”. Como outros membros de sua família, D. João apreciava a música. Além da música sacra, gostava de alguns espetáculos, sobretudo de ópera italiana. Um mínimo de preparo para governar, é claro que tinha. Sua política e sua administração demonstraram isso. Mas viveu à sombra do irmão.

RH Até que o irmão morre.

LB Morre e não deixa herdeiros. Isso ocorreu em 1788. D. João tinha 21 anos, o que significa que passou um longo tempo de sua vida sem se preocupar em se preparar para ser rei. Mesmo quando da morte do irmão, D. João não precisou assumir o poder de imediato. Sua mãe, D. Maria I, tinha 54 anos, e ainda poderia governar por mais tempo. No entanto, ela desenvolveu uma doença mental que obrigou D. João a assumir os despachos em 1792, e, sete anos depois, tornar-se príncipe regente. Antes disso, porém, outro grave problema havia assustado o reino: um ano depois da morte do irmão, D. João adoeceu. Não há informações precisas sobre a enfermidade, mas há registros que demonstram sua gravidade. Ele já havia padecido das “bexigas” (varíola), as mesmas que mataram seu irmão e parte da família – sua irmã, seu cunhado, seu sobrinho –, e mesmo depois, seu primeiro filho homem. Se a varíola foi fatal para tantos na família real, é possível imaginar o que sucedia entre a população...

RH E a doença assustou porque ele não tinha filhos.

LB Sim. Ele estava casado com D. Carlota havia quatro anos, mas o casamento não tinha sido consumado. Em suas cartas à irmã Mariana Vitória, D. João demonstrava ansiedade em fazer daquela menina sua mulher. Mostrava impaciência porque Carlota não crescia, continuava semelhante à pequena Carlota que viera para Portugal. Isso era tema de grande discussão na Corte. Se D. João e D. Carlota não tivessem filhos, o herdeiro mais próximo seria sua irmã Mariana, casada com o infante espanhol, e que já tinha herdeiros. Assim, o soberano de Espanha poderia ser, novamente, rei de Portugal. O pavor da União Ibérica era uma constante entre os portugueses, ainda mais no momento das guerras napoleônicas. Um herdeiro era a grande preocupação do povo português, sendo notícia comentada em jornal e em escritos diversos.

RH As intimidades de alcova?

LB Sim. A consumação do casamento tornava-se assunto de Estado. Um cronista da época do Convento de Xabregas anotava: “no dia 2º deste referido mês de março do ano de 1790, se fez pública a visita mensal na Senhora Carlota Joaquina. Então, já temos esperança”. A primeira vez foi um evento marcado: na “primeira oitava da Páscoa da Ressurreição” efetuou-se o “dito ajuntamento, sendo a Princesa acompanhada ao quarto de seu marido pela Rainha e pela Princesa viúva do príncipe D. José”. O primeiro herdeiro, porém, só nasceu três anos depois – uma menina, chamada Maria Teresa. Os festejos foram extraordinários, pois estava garantida a sucessão, uma vez que não só em Portugal, como em outros reinos da Europa e depois no Brasil, não havia impedimento de uma mulher assumir o trono.

RH D. João e D. Carlota moravam em lugares diferentes?

LB Somente a partir de 1802, quando D. João autorizou a compra da Quinta do Ramalhão, em Sintra, que se transformou no Paço de Carlota. Mais tarde, ao retornar para Portugal por não querer jurar a Constituição de 1822, ela ficaria exilada no Ramalhão. Alguns dizem que Carlota ganhou o Paço não por desavenças entre o casal, mas porque tinha problemas de pulmão. Encontrei uma correspondência na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, em que um médico afirma que Carlota tinha acessos de tosse freqüentes e problemas pulmonares. Sintra é uma serra, local propício à sua recuperação. Mas é claro que havia intrigas e fofocas.


RH Que tipo de fofoca?

LB Naquele mesmo ano nasceu D. Miguel, que, segundo muitos, não seria filho de D. João. Afirma-se que, a partir de então, os filhos de Carlota Joaquina não seriam mais de D. João. Há, contudo, uma outra história, não comprovada, de que D. João teria uma filha bastarda. No último livro da Laura de Mello e Souza, O Sol e a Sombra (2006), há uma notinha sobre isso. A amante seria uma mulher nobre, Eugênia José de Menezes, filha do conde de Cavaleiros. Era dama de honor da câmara da rainha e das infantas. Dizem que em 1803 ela teria fugido com João Francisco de Oliveira, médico da Corte e casado. Por esse crime, D. João fez um decreto retirando todos os direitos de D. Eugênia, e outro condenando o médico à morte por ter abusado de uma nobre. E a trama desenrola-se: Eugênia foge para a Espanha e o médico, para os Estados Unidos. Parece haver uma carta dele à sua mulher afirmando que um dia ela entenderia o que realmente acontecera. Eugênia deu à luz uma filha na Espanha, também chamada Eugênia. Logo depois, D. João permite que ela volte com a filha para ficar em um convento e ainda lhe garante uma pensão de mil contos de réis anuais, e outra para a filha, de 500 contos de réis. Esse dinheiro sai de onde? Do real bolsinho. Há cartas em que ela agradece a D. João e reconhece seu pecado – o de ter uma filha natural, mas sem se referir ao pai da criança. Por isso, alguns autores afirmam que houve um caso entre os dois e que a filha era de D. João. Ele teria pedido ao médico que assumisse a criança. Ao voltar dos Estados Unidos em 1816, o médico teria passado pelo Brasil e obtido, em 1820, o indulto de D. João. Retornou a Portugal e elegeu-se deputado pela Ilha da Madeira. Mais tarde, o médico legitima D. Eugênia, a filha, que passou a morar com ele. Até D. Eugênia morrer e a filha ser reconhecida, elas sobreviveram graças à pensão real. No final dos anos 1840, a suposta bastarda conseguiu uma graça da rainha D. Maria II, que reabilitou a mãe, e com isso restituiu as honras da nobreza a seus herdeiros. Naquele momento, a história veio à tona partindo da família, que queria ver a bastarda reconhecida como filha de D. João. A questão é: por que D. João não assumiu a filha bastarda? Outros reis da dinastia de Bragança tomaram tal atitude. Afirma-se que foi uma exigência de D. Carlota, que não aceitava esse reconhecimento. Alguns duvidam da história, por ser D. João um homem feio, sem nenhum vigor ou atrativo.

RH Era gordo?

LB Desde criança: gordo, de pernas roliças, comendo demais. William Beckford, um rico aristocrata inglês que esteve em Portugal em 1787, afirmava que “os portugueses comiam demais”. Sua alimentação era muito condimentada e pesada. O serviço de um jantar lembrava-lhe uma corte feudal: inúmeros nobres servindo. Talvez por isso D. João não tivesse uma boa saúde. A sua doença, em 1789, poderia ter sido um sangramento intestinal. A história das coxinhas foi difundida em Portugal, sobretudo pela historiografia republicana, através de Oliveira
Martins, atingindo também o Brasil. Talvez porque nas contas da Real Ucharia [despensa] houvesse uma grande despesa com aves.

RH Mas gostava de cavalgar.

LB Muito, inclusive ia com sua mãe à caça em Salvaterra dos Magos, onde havia um Paço. Era costume trazer algum animal para oferecer de presente aos ministros estrangeiros ou ao núncio apostólico. Aqui no Brasil, possuía a Fazenda de Santa Cruz e a Coutada da Ilha do Governador. No entanto, afirmam que ele caçava menos por sofrer de hemorróidas, o que o impedia de cavalgar. Além disso, havia o problema de uma ferida na perna que não sarava. Em suas audiências no Palácio de São Cristóvão ou no Paço Real, e também no “beija-mão”, mantinha a perna em um banquinho. Há alguns indícios de que fosse diabético.

RH Quando se tornou regente, em 1799, que medidas tomou?

LB Reabilitou as audiências públicas, cujos dias eram assinalados no Almanaque de Lisboa. Qualquer pessoa podia entrar no palácio e fazer suas queixas e pedidos. Não eram uma novidade, mas tinham deixado de acontecer. De início, ele não ousou alterar os ministros de sua mãe, mas aos poucos modificou a composição do ministério. A grande mudança foi trazer D. Rodrigo de Souza Coutinho, um ilustrado, partidário dos ingleses. Depois, por causa de intrigas, ele seria afastado. Assumiria Araújo de Azevedo, mais tarde conde da Barca, também um ilustrado, porém favorável aos franceses. D. João evitou, contudo, ter um superministro, em função do que fora vivenciado pelo avô, D. José I, que viu seu governo ser controlado pelo marquês de Pombal.

RH Ele era generoso?

LB Era, por isso foi alcunhado de “O Clemente”. Ele atendia a todos que solicitavam alguma mercê, como a redução de uma pena ou a comutação da pena de morte. Um dos poucos que não foram beneficiados com tal graça foi Tiradentes, em 1792, mais tarde transformado em nosso herói nacional. No Brasil, ele sempre foi considerado um rei magnânimo, simpático e bonachão.

RH De onde vem a fama de indeciso?

LB Ela pode ser, em parte, atribuída à política externa de neutralidade adotada por Portugal. Era uma postura antiga, pois desde o século XVIII havia a idéia de manter a neutralidade com a Espanha, em virtude de uma preocupação com o jogo de alianças na Europa. Em 1793, Portugal entrou na Campanha do Rossilhão, contra a França. Mas depois tentou, com certa habilidade, manter-se neutro entre Inglaterra e França. A indecisão maior foi quanto a deslocar ou não a Corte para a América portuguesa. Naquela época, não era mesmo uma decisão fácil, sobretudo sendo preciso atravessar um oceano. Outros soberanos europeus — o rei do Piemonte e o rei das Duas Sicílias —, para preservar a coroa e a soberania ao longo das guerras napoleônicas, já se tinham ausentado temporariamente de suas capitais e estados. Mas nenhum cruzou um oceano.

RH A única opção era o Brasil?

LB A solução havia sido pensada por longos séculos e voltou a ser discutida no início do século XIX. Seria possível tentar um desembarque na Ilha da Madeira, porém era muito próxima. Vir para este lado do Atlântico representava a possibilidade, sobretudo, de manter o Brasil. Se Portugal fechasse seus portos à Inglaterra, como queria Napoleão, ela poderia invadir o Brasil. Além disso, começaram a surgir problemas nas colônias espanholas na América. Na Europa, o rei espanhol foi preso e obrigado a renunciar em favor de seu filho. Até o papa foi mantido prisioneiro. D. João, vindo para sua colônia na América, manteve a soberania. Não a soberania territorial, mas a soberania dos Bragança. A execução dessa estratégia foi muito interessante, e ainda tinha como objetivo fundar um novo império – o império luso-brasileiro.

RH A sensibilidade artística influiu nas medidas para o Rio?

LB Ainda em Portugal, em 1793, D. João inaugurou o Teatro São Carlos. A partir de então, o circuito de ópera, antes restrito à Corte, passou a acontecer nos teatros públicos. Em vez de o teatro vir à Corte, a Corte ia ao teatro. No Rio de Janeiro, a criação da Biblioteca, o Jardim Botânico, as escolas de cirurgia, as aulas de comércio foram tentativas de fornecer à cidade o caráter de uma sociedade de corte. A vinda para o Brasil de muitos franceses, mesmo seguidores de Napoleão, indicava também um certo clima de tolerância. Na época, a Intendência da Polícia mandava prender pessoas só por serem francesas. A presença destes, como os membros da “Missão francesa”, em 1816, reforçou ainda mais a imagem de magnânimo de D. João, “O Clemente”.

RH Que crítica se pode fazer a D. João como governante?

LB Ele continuava a pensar como um soberano do Antigo Regime. Havia a possibilidade de realizar reformas contra os abusos dos governadores das capitanias, mas ele não as executou. O absolutismo não era do rei, mas sim dos governadores. As desavenças das outras províncias com o Rio de Janeiro foram fruto dessa falta de percepção. O Rio de Janeiro acabou se transformando no grande opressor, na nova Metrópole, sobretudo quando das guerras no Sul, o problema da Cisplatina. Pernambuco, quando eclodiu a Revolução de 1817, recusou-se a pagar impostos criados para sustentar essas guerras. D. João ficou aquém do que poderia. Achou que bastava implantar as coisas essenciais para fazer daqui uma Corte, sem mudar o espírito de sua política.

RH A volta foi uma decisão difícil?

LB Ele não pretendia voltar. Sentia-se bem no Rio, tinha grande afeição pelo Brasil. Além disso, era melhor ser um rei importante no Novo Mundo do que soberano de uma potência de terceira categoria na política de equilíbrio europeu daquele momento. Aqui as pressões eram menores. Além do mais, éramos uma Corte nos trópicos, algo diferente e exótico. Nos momentos finais, ele lamentava abandonar o Brasil. E até algumas semanas antes de viajar, estava decidido a mandar o filho D. Pedro para Portugal.

RH E em vez de voltar em seu lugar, o filho proclamou a Independência do Brasil um ano depois.

LB Até meados de 1822, ninguém pensava em independência. Os escritos continuavam a falar em luso-brasileiro e brasileiro-português. Em 2000, em Portugal, na Exposição sobre os 500 anos do achamento do Brasil, havia uma chamada que afirmava que Portugal “havia concedido a Independência ao Brasil”. Isso trouxe muitas discussões acadêmicas entre lusos e brasileiros. Na verdade, o tratado de 1825, que reconheceu a Independência do Império do Brasil, cedia ao desejo de D. João VI de assumir o título honorário de Imperador do Brasil. No entanto, é interessante que em toda a documentação posterior a 1825 D. João continuou assinando “Rei de Portugal e Imperador do Brasil”. Quando ele morreu, em 1826, D. Carlota, ao fazer uma procuração para o inventário de seu marido, também assinava “Rainha e Imperatriz”. Permanecia a tradição e a possibilidade de se manterem unidos os dois reinos. Nem mesmo José Bonifácio, o “patriarca da Independência”, pensava, de início, em uma separação definitiva. Sua proposta era a de dois reinos sob uma única coroa e um único império. A grande questão era decidir quem iria ser a cabeça desse império. Havia uma disputa de poder e de hegemonia entre Brasil e Portugal.

RH Há controvérsias sobre a morte de D. João?

LB Como sempre, há uma série de “murmurações” – ele teria morrido envenenado com laranjas colhidas no palácio de Belém. Para os historiadores conservadores, foram os liberais que mataram D. João porque ele revogou a Constituição portuguesa de 1822. Para os liberais, foram D. Carlota e o filho D. Miguel, com o objetivo de dar um golpe e reestabelecer o absolutismo. Alguns anos atrás, ocorreu o exame das vísceras de D. João, enterradas em um pote de cerâmica no Mosteiro de São Vicente de Fora. Descobriu-se uma grande quantidade de arsênico, o que poderia comprovar o envenenamento. Mas isso também pode ser contestado, em função dos produtos químicos usados na época para preservar os órgãos. É um mistério. Há vários mistérios que não foram decifrados. E que, provavelmente, não vão ser...

Verbetes entrevista

Luzes: o Iluminismo
Também conhecido como “Ilustração”, é o conjunto de ações e idéias ligadas à renovação intelectual do século XVIII, que primava pela razão e pelo conhecimento científico em contraposição à tradição e à visão religiosa do mundo.

Constituição portuguesa de 1822
Primeira Constituição portuguesa, elaborada pelas Cortes Constituintes de 1821-22 e aprovada em 23 de setembro de 1822. A ela o rei D. João VI (mas não a rainha, D. Carlota) presta juramento de fidelidade no mês de outubro do mesmo ano.

Campanha do Rossilhão (1792-1795)
Campanha militar da qual Portugal participou, com 5.400 homens, ao lado de Inglaterra, Espanha e outras nações, contra a França, onde a revolução tinha instaurado o regime republicano. Encerrada pelo tratado da Basiléia, após a reação vitoriosa dos franceses.

Cisplatina
Região situada ao sul do atual Brasil, a Cisplatina fazia parte do Vice-reinado do Prata. Após uma campanha militar iniciada em 1817, foi incorporada ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve em 1820. Tornou-se independente em 1828, como República do Uruguai.

Revolução de 1817
A chamada Revolução Pernambucana eclodiu em 1817 na cidade do Recife, espalhando-se em seguida pela província de Pernambuco e por outras do Nordeste brasileiro. A tentativa de proclamar uma república independente durou apenas três meses, sendo derrotada pelas forças leais à Coroa.

Tratado de 1825
O Tratado do Rio de Janeiro foi assinado em 29 de agosto de 1825 entre Brasil e Portugal, com a mediação do Reino Unido. Por ele, Portugal reconheceu a independência do Brasil, que, em contrapartida, assumiu dívidas de Portugal no valor de mais de 2,5 milhões de libras esterlinas.
Revista de História da Biblioteca Nacional

Nenhum comentário: