Subúrbio de Dublin ganha o mundo
O escritor irlandês Roddy Doyle conquista público e crítica com 'Paddy Clarke Ha Ha Ha', lançado no Brasil
FERNANDA SCALZO
O irlandês Roddy Doyle, 37, é um daqueles casos em que crítica e público se encontram. Em 1993, com "Paddy Clarke Ha Ha Ha", que agora está sendo lançado no Brasil, ele ganhou o mais importante prêmio de literatura da Grã-Bretanha, o Booker Prize.
Mas antes desse reconhecimento da crítica, Doyle já vendia como água sua trilogia da família Rabbite: "The Commitments", "The Snapper" e "The Van", ainda não traduzidos no Brasil.
"The Commitments" virou filme de Alan Parker. "The Snapper", filme de Stephen Frears (aqui chamou "A Grande Família"). "The Van" está sendo filmado por Frears também.
"A primeira resenha de meu primeiro livro, 'The Commitments', dizia que ele teria muito pouco interesse fora de Dublin", disse Doyle, nesta entrevista concedida por fax, de Dublin, à Folha. Os livros de Doyle estão traduzidos em 20 línguas.
Paddy Clarke, protagonista e narrador do livro (leia texto ao lado), é um garoto de dez anos que conta suas aventuras em Barrytown, subúrbio de Dublin.
Folha - Em "Paddy Clarke Ha Ha Ha" parece que as coisas acontecem todas ao mesmo tempo para o menino. Você acha que as crianças percebem o tempo desta maneira?
Roddy Doyle - Não acho que as crianças percebam o tempo da mesma maneira que nós. Nós organizamos o tempo para elas; impomos os horários. Se ficassem por conta própria, iriam dormir quando caíssem, comer quando tivessem fome. Tentei colocar uma estrutura não-cronológica no livro. Ele cobre cerca de um ano, mas não de uma maneira organizada ou adulta. Queria que as coisas parecessem mais caóticas.
Folha - Paddy Clarke vai ficando mais velho e um pouco mais amargo. Você acha que isso faz parte da vida adulta?
Doyle - Não acho que a amargura seja inevitável. Nunca vi a transição da infância para a vida adulta como a perda da inocência ou de outra coisa. Não gostaria de ser criança novamente. Sou um adulto satisfeito _mas gostaria que meu cabelo não caísse tão depressa.
Folha - A tradução de seu livro mantém a fala das crianças, que soa bastante natural e infantil. Você tem filhos? De onde você pega essas falas?
Doyle - Tenho dois filhos, mas um nasceu apenas algumas semanas antes de eu começar a escrever o livro e o outro nasceu depois. Eles não me ajudaram nada! Fui professor durante 14 anos; isso me ajudou. Mas, principalmente, me apoiei na memória. Tentei me lembrar como as crianças falavam quando eu era criança.
Folha - Em sua crueldade e no seu jeito de fazer as pequenas coisas parecerem "incríveis", Paddy parece realmente um menino de dez anos. De onde vem essa sua percepção da infância?
Doyle - Da observação e da memória. Gradualmente, enquanto escrevia, comecei a me lembrar incidentes cruéis e absurdos. Lembrei-me de pequenos acontecimentos que se transformaram em grandes fatos da mitologia da minha família. Tive, sobretudo, uma infância feliz, mas pude me lembrar de momentos de crueldade, incerteza, solidão e medo.
Folha - Quanto Paddy Clarke tem de você mesmo?
Doyle - Obviamente, não poderia ter escrito "Paddy Clarke Ha Ha Ha" se eu não tivesse sido um garoto de 10 anos alguma vez, mas não acho que eu seja Paddy Clarke. Minha mãe também não acha e acredito em sua opinião. A história, Paddy vendo seus pais se separarem, não tem nada a ver com minha vida. Nunca vi meus pais discutindo ou brigando; eles ainda são casados.
Folha - Como escritor irlandês, o que acha de ser comparado a James Joyce pelos críticos?
Doyle - Enquanto escrevo, não penso em mim como um escritor irlandês. Não penso nas consequências ou na importância do que estou fazendo. Simplesmente quero contar bem uma história. Quanto às comparações com James Joyce, nós dois somos irlandeses e míopes _elas acabam aí.
Folha - Você ganhou o Booker Prize. Esperava esse tipo de reconhecimento?
Doyle - Não esperava muita coisa quando comecei a escrever. A popularidade de meus livros, os prêmios, foram uma surpresa muito boa. A primeira resenha de meu primeiro livro, "The Commitments", dizia que ele teria muito pouco interesse fora de Dublin. Nove anos depois, meus livros foram traduzidos em 20 línguas.
Folha - Você escreveu o roteiro de "The Van", que Stephen Frears está filmando agora. Também escreveu os roteiros para "The Commitments" e "The Snapper"? O que um livro perde e o que ganha ao se transformar em filme?
Doyle - Escrevi o roteiro de "Snapper" e co-escrevi o de "The Commitments". A qualidade do filme depende da qualidade das pessoas que o produzem. Eu tive muita sorte. Muito do livro original se perde, mas também muito se ganha _imagens, expressões faciais, expressões visuais etc.
Folha - Você imagina um filme de "Paddy Clarke"?
Doyle - Não posso imaginar um filme de "Paddy Clarke" _ainda. Não quero fazer _ainda. Seria muito, muito difícil.
Folha de São Paulo
O escritor irlandês Roddy Doyle conquista público e crítica com 'Paddy Clarke Ha Ha Ha', lançado no Brasil
FERNANDA SCALZO
O irlandês Roddy Doyle, 37, é um daqueles casos em que crítica e público se encontram. Em 1993, com "Paddy Clarke Ha Ha Ha", que agora está sendo lançado no Brasil, ele ganhou o mais importante prêmio de literatura da Grã-Bretanha, o Booker Prize.
Mas antes desse reconhecimento da crítica, Doyle já vendia como água sua trilogia da família Rabbite: "The Commitments", "The Snapper" e "The Van", ainda não traduzidos no Brasil.
"The Commitments" virou filme de Alan Parker. "The Snapper", filme de Stephen Frears (aqui chamou "A Grande Família"). "The Van" está sendo filmado por Frears também.
"A primeira resenha de meu primeiro livro, 'The Commitments', dizia que ele teria muito pouco interesse fora de Dublin", disse Doyle, nesta entrevista concedida por fax, de Dublin, à Folha. Os livros de Doyle estão traduzidos em 20 línguas.
Paddy Clarke, protagonista e narrador do livro (leia texto ao lado), é um garoto de dez anos que conta suas aventuras em Barrytown, subúrbio de Dublin.
Folha - Em "Paddy Clarke Ha Ha Ha" parece que as coisas acontecem todas ao mesmo tempo para o menino. Você acha que as crianças percebem o tempo desta maneira?
Roddy Doyle - Não acho que as crianças percebam o tempo da mesma maneira que nós. Nós organizamos o tempo para elas; impomos os horários. Se ficassem por conta própria, iriam dormir quando caíssem, comer quando tivessem fome. Tentei colocar uma estrutura não-cronológica no livro. Ele cobre cerca de um ano, mas não de uma maneira organizada ou adulta. Queria que as coisas parecessem mais caóticas.
Folha - Paddy Clarke vai ficando mais velho e um pouco mais amargo. Você acha que isso faz parte da vida adulta?
Doyle - Não acho que a amargura seja inevitável. Nunca vi a transição da infância para a vida adulta como a perda da inocência ou de outra coisa. Não gostaria de ser criança novamente. Sou um adulto satisfeito _mas gostaria que meu cabelo não caísse tão depressa.
Folha - A tradução de seu livro mantém a fala das crianças, que soa bastante natural e infantil. Você tem filhos? De onde você pega essas falas?
Doyle - Tenho dois filhos, mas um nasceu apenas algumas semanas antes de eu começar a escrever o livro e o outro nasceu depois. Eles não me ajudaram nada! Fui professor durante 14 anos; isso me ajudou. Mas, principalmente, me apoiei na memória. Tentei me lembrar como as crianças falavam quando eu era criança.
Folha - Em sua crueldade e no seu jeito de fazer as pequenas coisas parecerem "incríveis", Paddy parece realmente um menino de dez anos. De onde vem essa sua percepção da infância?
Doyle - Da observação e da memória. Gradualmente, enquanto escrevia, comecei a me lembrar incidentes cruéis e absurdos. Lembrei-me de pequenos acontecimentos que se transformaram em grandes fatos da mitologia da minha família. Tive, sobretudo, uma infância feliz, mas pude me lembrar de momentos de crueldade, incerteza, solidão e medo.
Folha - Quanto Paddy Clarke tem de você mesmo?
Doyle - Obviamente, não poderia ter escrito "Paddy Clarke Ha Ha Ha" se eu não tivesse sido um garoto de 10 anos alguma vez, mas não acho que eu seja Paddy Clarke. Minha mãe também não acha e acredito em sua opinião. A história, Paddy vendo seus pais se separarem, não tem nada a ver com minha vida. Nunca vi meus pais discutindo ou brigando; eles ainda são casados.
Folha - Como escritor irlandês, o que acha de ser comparado a James Joyce pelos críticos?
Doyle - Enquanto escrevo, não penso em mim como um escritor irlandês. Não penso nas consequências ou na importância do que estou fazendo. Simplesmente quero contar bem uma história. Quanto às comparações com James Joyce, nós dois somos irlandeses e míopes _elas acabam aí.
Folha - Você ganhou o Booker Prize. Esperava esse tipo de reconhecimento?
Doyle - Não esperava muita coisa quando comecei a escrever. A popularidade de meus livros, os prêmios, foram uma surpresa muito boa. A primeira resenha de meu primeiro livro, "The Commitments", dizia que ele teria muito pouco interesse fora de Dublin. Nove anos depois, meus livros foram traduzidos em 20 línguas.
Folha - Você escreveu o roteiro de "The Van", que Stephen Frears está filmando agora. Também escreveu os roteiros para "The Commitments" e "The Snapper"? O que um livro perde e o que ganha ao se transformar em filme?
Doyle - Escrevi o roteiro de "Snapper" e co-escrevi o de "The Commitments". A qualidade do filme depende da qualidade das pessoas que o produzem. Eu tive muita sorte. Muito do livro original se perde, mas também muito se ganha _imagens, expressões faciais, expressões visuais etc.
Folha - Você imagina um filme de "Paddy Clarke"?
Doyle - Não posso imaginar um filme de "Paddy Clarke" _ainda. Não quero fazer _ainda. Seria muito, muito difícil.
Folha de São Paulo
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