Como vencer a corrida verde
Na entrevista com Björn Stigson, presidente do World Business Council for Sustainable Development, ouvimos uma proposta de como melhor integrar as grandes empresas e as nações no que ele chama de "corrida verde".
Por Afonso Capelas Jr. e Matthew Shirts
Foto de Luciana de Francesco
Foto de Luciana de Francesco
Björn Stigson
Analista financeiro com experiência em negócios internacionais, Björn Stigson começou sua caminhada na área de sustentabilidade como presidente da Fläkt, uma das principais empresas mundiais em tecnologia de controle ambiental. Desde 1995 é presidente do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), entidade que reúne 200 empresas de 20 países, incluindo o Brasil, em torno dos desafios ambientais do século 21. Não por acaso Stigson é hoje conselheiro dos ministérios de Desenvolvimento Sustentável dos governos chinês e indiano, do Índice Dow Jones da bolsa de Nova York e da Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade Harvard, entre outras instituições. Tamanha idoneidade lhe permite assegurar que é preciso rever o modelo de negociações sobre o clima iniciado há quase 20 anos no Rio de Janeiro, durante a Eco-92. Segundo ele, a COP15, em Copenhague, encerrou um ciclo histórico. Stigson quer incluir efetivamente o empresariado no debate para que a humanidade consiga vencer o que ele chama de "corrida verde".
Esse mecanismo seria criado pela iniciativa privada?
Ele deveria ser desenvolvido pelos países do G-20 e depois ficar escorado em algum órgão da ONU. A iniciativa privada precisa ser o ancoradouro do diálogo com os países-chave. Até Copenhague, não era assim. Desde outubro de 2009, temos um acordo formal com a comissão da União Europeia para discutir como a iniciativa privada deve ser integrada formalmente às negociações sobre o clima. Precisamos dar nossa sugestão ainda em 2010. Algo como "isso é o que recomendamos fazer, porque vocês, governos, não são capazes de resolver essa questão sem a participação ativa das empresas". Copenhague ilustra bem isso.
O que o senhor acha que vai acontecer na COP16, em Cancún, no México?
A questão fundamental a ser discutida lá é se haverá ou não legislação doméstica nos Estados Unidos. Seria a chamada "lei do clima", que está no Congresso americano. Se eles não conseguirem aprovar, o presidente Barack Obama ficará sem plataforma para um possível acordo no México, e o encontro não irá a lugar nenhum.
Então estamos diante de uma perspectiva pessimista, ao menos a curto prazo, para essa conferência?
Sim, mas agora é preciso distinguir as negociações internacionais sobre o clima das ações para reverter as alterações climáticas, que são uma questão nacional. O que o Brasil está fazendo para tratar da mudança no clima está baseado em ações internas na sua legislação, em medidas do governo federal, dos estados ou de metrópoles como São Paulo. Não há ainda um papel definido do país nas negociações internacionais sobre o clima. As grandes economias estão avançando com rapidez no aumento da eficiência energética, desenvolvendo novas tecnologias que vão melhorar o setor e reduzirão as emissões de gases de efeito estufa. Isso acontece independentemente das negociações sobre o clima, porque faz parte da preocupação competitiva em vencer a chamada “corrida verde”, na qual se busca ser o maior exportador de tecnologia de baixo carbono e eficiente no uso dos recursos.
O senhor considera essa a grande questão econômica atual?
É o fato positivo mais importante que ocorreu ao se enfrentar as mudanças climáticas. Encontrar soluções eficientes no consumo de recursos e que não poluam passou a ser uma questão de desenvolvimento econômico. É uma prioridade do governo chinês, é uma prioridade do governo Obama. A União Europeia avança, a Índia está começando. Mas e o Brasil? Entrou nessa corrida verde? Não vi isso acontecer até agora. E qual seria a melhor forma de o Brasil fazer isso? Acredito que o Brasil deve procurar ver onde está sua vantagem competitiva nessa corrida verde. Talvez vocês não consigam acompanhar as principais empresas americanas de tecnologia da informação e da comunicação. Mas existem outras áreas em que o Brasil tem clara vantagem competitiva. O país tem mais energia de baixo custo e de baixo carbono disponível, além de biocombustíveis. E tem várias vantagens na questão da agricultura e das florestas. Não adianta tentar algo com base em setores nos quais outras nações já estão em posição bem mais forte.
Vale a pena desmatar a Floresta Amazônica em nome do desenvolvimento?
Diria que a Amazônia vale mais em pé, como uma floresta em produção. É preciso entender que 30% de todas as emissões de carbono provêm do desmatamento para criação de gado e produção de carne. No Brasil, essa é uma questão importante. Mais tarde, esse será um problema muito grande. Estamos olhando para o mundo no futuro, quando vamos deparar com desafios relativos à oferta de alimentos para a população mundial. Se a dieta em lugares como China, Índia e outros países em desenvolvimento for modificada para o consumo de muita carne, teremos problemas. A longo prazo, prevejo uma reação global ao aumento desse consumo, porque se trata de uma ameaça ao clima e à oferta de alimentos, além de se consumir muita água.
O senhor acredita que outros países devem pagar por uma proteção efetiva da Amazônia?
Sim. As negociações envolverão um número limitado de países que representam as florestas, como Brasil, Congo, Indonésia e mais alguns. Já há dinheiro na mesa e haverá mais. Minha opinião é que será mais vantajoso do que derrubar as florestas para criar gado. É preciso examinar o cenário e perguntar como será o mundo em 2050. Vamos precisar duplicar a produção de comida nos próximos 40 anos para alimentar pessoas que desejam ter boa qualidade de vida. E isso não comporta uma dieta muito rica em carne.
O que os brasileiros devem cultivar se não criarem gado?
Como eu disse, o mundo precisará duplicar a oferta de alimentos. Vocês têm uma oportunidade enorme de participação nisso. Não é preciso eliminar a pecuária, mas não dá para continuar desmatando a Amazônia com essa finalidade. Não estou abordando o assunto de uma perspectiva moral, só digo que, a longo prazo, não será um bom negócio. Vocês podem ser parte importante da solução da necessidade de alimentos do mundo. Vocês têm um território enorme, muita água e um clima adequado.
E quanto ao etanol brasileiro? É uma solução sustentável?
Sim, o etanol é um dos poucos biocombustíveis sustentáveis. Não acredito na eficiência do etanol do milho, por exemplo. Há muito dinheiro investido em pesquisas das próximas gerações de biocombustíveis. É provável que já contenham enzimas de forma a se dissolver automaticamente para se tornar biocombustíveis, sem precisar ser processados em uma usina.
Como fazer os políticos participarem desse cenário no futuro?
Os governos e os políticos, com seus programas de curto prazo, não resolverão o problema sozinhos. A média de idade de uma empresa internacional ultrapassa em muito os mandatos de quatro anos dos governos. A sociedade civil e os principais setores da comunidade empresarial precisam entrar na discussão. Por isso desenvolvemos o Vision 2050 na WBCSD: para iniciar um diálogo sobre o que é necessário para criarmos um mundo sustentável. Temos de ser os primeiros a construir esse cenário; do contrário, não teremos onde fazer nossos negócios.
Qual é o papel da imprensa nesse processo?
A imprensa tem o papel de refletir o debate mais amplo. E, aí, a questão é - e eu não sou especialista no assunto - o quanto se consegue ser um mero canal de transmissão do que está acontecendo. Em um mundo que enfrenta vários desafios para se tornar sustentável, não consigo imaginar de que forma a imprensa poderia se manter neutra diante dessa situação.
National Geographic Brasil
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