domingo, 9 de novembro de 2008

Luiz Carlos Bresser Pereira

Luiz Carlos Bresser Pereira
Revista Desafios
Abril de 2008
Por Jorge Luiz de Souza, de São Paulo



Desafios - Qual é a sua visão atual do desenvolvimento econômico?
Bresser - Os economistas do desenvolvimento estão em um processo de revisão de idéias. O fracasso da ortodoxia convencional abre espaço para uma nova teoria, diferente daquela que surgiu em meados do século XX e baseava o desenvolvimento em uma forte intervenção do Estado, poupança forçada e investimento em empresas estatais, vigoroso planejamento, orientando o investimento privado, e proteção da indústria nacional por meio de tarifas. Um modelo de substituição de importações que foi muito bem-sucedido. No final dos anos 1960, Delfim Netto assume e diz que era preciso exportar manufaturados. Adota uma estratégia curiosa, porque é protecionista, de substituição de importações de bens de capital e insumos básicos, e é voltada para a exportação da indústria de transformação. A estratégia e toda a teoria entraram em crise nos anos 1980. O motivo foi a dívida externa, e não o próprio modelo. O Brasil buscou capital estrangeiro em quantidade, e isso levou a uma imensa crise.

Desafios - O que mudou dos anos 1960 aos anos 1980?
Bresser - O Brasil não tinha mais indústria infante, precisava de muito menos proteção e tinha que ser mais competitivo internacionalmente. Entre 1945 e 1975, o keynesianismo dominava e os Estados Unidos eram relativamente generosos - a guerra fria os estimulava e eles não nos viam como competidores. Mas, com a crise, fizeram uma virada e partiram para uma ideologia neoliberal e imperialista. Nós e outros países viramos competidores deles porque passamos a exportar manufaturados. Somos pressionados a diminuir o tamanho do Estado e flexibilizar as relações trabalhistas, enfim, de certo modo, voltar ao século XIX. O fracasso do Plano Cruzado nos enfraqueceu ainda mais, abrindo espaço para que, no início dos anos 1990 - governo Collor -, o Brasil se submetesse ao Consenso de Washington, que prefiro chamar de ortodoxia convencional, porque esse consenso já fracassou e desapareceu. Havia um enorme fortalecimento dos Estados Unidos com o colapso da União Soviética.

Desafios - Ceder tanto era inevitável?
Bresser - Não havia nada capaz de fazer frente aquilo. Alguns tigres asiaticos . Coreia, Indonesia, Tailandia e Malasia . aderiram a onda neoliberal, exatamente os que foram a crise em 1997. O Mexico foi o primeiro a aderir, em 1986, e o primeiro a entrar em crise, em 1994. Brasil, Turquia e Russia entraram em crise em 1998. A Argentina, que foi mais fundo nessa onda e que mais demorou a entrar em crise, enfrentou a pior delas, entre todos, em 2001. A estrategia neoliberal nunca teve exito nenhum, nao promove desenvolvimento economico. O Chile foi o unico pais que nos anos 1990 enfrentou os Estados Unidos e defendeu sua taxa de cambio com controle de entrada de capitais. A taxa de cambio muda todo o quadro.

Desafios - Muda como?
Bresser - A ortodoxia convencional nos recomenda crescer com poupança externa. Eu, jovem economista nos anos 1960, torcia para recebermos empréstimos internacionais. Achava fundamental para o nosso desenvolvimento. Nos últimos cinco ou seis anos, desenvolvi uma crítica cerrada a essa idéia. Ninguém cresce com poupança externa, que quer dizer déficit em conta corrente. Se não leva à crise do balanço de pagamentos, provoca apreciação da taxa de câmbio e a substituição da poupança interna pela externa. No governo Fernando Henrique Cardoso, essa política foi adotada integralmente. A poupança externa (déficit em conta corrente) era zero em 1994 e foi a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1999. A taxa de investimento era de 17% em 1994, logo, com toda essa poupança externa, deveria ter subido para 21,5%, ou quase isso. Mas ficou em 17%. Foi tudo para o consumo, porque, apreciando a taxa de câmbio para a entrada maciça de dólares, os salários aumentaram e cresceu o consumo interno.

Desafios - Quanto à proteção à indústria...?
Bresser - Estamos em outro estágio de desenvolvimento econômico. Brasil, México e Indonésia, por exemplo, não têm mais indústria infante, não há mais justificativa para fazermos proteção. Nossa indústria já é madura e, com mão-de-obra mais barata, temos vantagens na competição internacional, e não desvantagens. Por outro lado, a acumulação primitiva já foi feita e mecanismos de poupança forçada não são mais importantes. Terceiro, temos um mercado extremamente bem desenvolvido, muito mais que em 1950, de forma que podemos contar com a coordenação do mercado. Nunca integralmente, por certo, mas muito mais do que naquela época. Comparado ao velho desenvolvimentismo, o novo desenvolvimentismo significa menos planejamento, menos intervenção direta, via empresas estatais, e menos proteção à indústria nacional por meio de tarifas.

Desafios - Isto não fica parecido com a ortodoxia?
Bresser - Não. É muito diferente porque continua dando um papel decisivo ao Estado. O mercado é apenas mais uma das instituições, muito importante, mas é uma instituição regulada pelo Estado. A oposição entre mercado e Estado não faz o menor sentido. E todo mundo sabe que o mercado, embora seja uma maravilhosa instituição para a alocação de recursos, é muito imperfeito e precisa da intervenção do Estado. E todos os países do mundo fazem essa intervenção, em maior ou menor grau.

Desafios - Voltando à poupança externa...
Bresser - A diferença fundamental, no longo prazo, é que o desenvolvimento deve ser feito com equilíbrio ou superávit em conta corrente, e não com déficit. Essa idéia de que "é natural que os países ricos em capital transfiram seus capitais para os países pobres em capitais" é tão absurda quanto afirmar que a Terra é plana. Parece óbvio, mas é falso. O resultado são crises e pouco crescimento. A China é o país que mais recebe investimento estrangeiro direto, mas tem superávit em conta corrente. O capital estrangeiro que ela recebe é apenas por causa de tecnologia e da abertura de novos mercados, e compensa isso com seus investimentos no exterior, para a África e Oriente Médio, e começando a vir para a América Latina. Não existe poupança externa lá, há despoupança externa e superávit em conta corrente.

Desafios - Como é a política econômica no novo desenvolvimento?
Bresser - É radicalmente oposta à que a ortodoxia convencional propõe, a do tripé taxa de juros elevada, taxa de câmbio apreciada e ajuste fiscal frouxo. Durante anos se equivocaram os nossos economistas. Um dos fatores do fracasso, nos anos 1980, da tentativa de retomar o desenvolvimento com base no velho desenvolvimentismo foi atribuir a John Maynard Keynes a idéia de que o desenvolvimento deveria ser feito com déficits públicos crônicos para sustentar a demanda agregada. Keynes nunca disse isso. Ele só afirmou que, em certos momentos muito especiais, quando houvesse uma recessão, um país que estava com as suas contas equilibradas financeiramente, naquele momento, deveria aceitar um déficit provisório, para depois voltar ao equilíbrio fiscal. E aí tinha toda razão.

Desafios - Nada de déficit público prolongado?
Bresser - Ao contrário da ortodoxia convencional, o novo desenvolvimentismo é a favor de um ajuste fiscal duro, taxa de câmbio competitiva e taxa de juros moderada. Essa diferença é absolutamente fundamental. Para entendê-la é preciso ter claro que os Estados Unidos fazem taxa de juros moderada e não têm política de câmbio porque têm a moeda reserva. A única coisa que eles fazem igual ao que a ortodoxia convencional nos recomenda é ajuste fiscal frouxo, e estão em crise por causa disso.

Desafios - É frouxa a política fiscal dos ortodoxos?
Bresser - Eu leio todo dia algum economista ortodoxo falando na importância de fazer mais ajuste fiscal, mas isso é retórica, para inglês ver. O que importa são os fatos. O Brasil, a partir de 1999, aceitou a meta fiscal definida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de 3% de superávit primário, essa escandalosa medida de superávit primário, e depois passou para 4,25%. O Brasil alcançou essas metas e as superou com folga, todos os anos, sem exceção. Logo, se eles fossem a favor de um ajuste fiscal duro e firme, depois de nove anos de êxito, nós devíamos estar em uma situação fiscal muito melhor. Não estamos. Logo, as metas que eles fizeram foram frouxas.

Desafios - Não pode ser porque aumentou a receita?
Bresser - Aumentou a receita? Ótimo. Mas eles tinham que cortar mais a despesa se são realmente a favor de um ajuste fiscal duro. O novo desenvolvimentismo é a favor, e não estou tirando isso da minha cabeça. Os países asiáticos vêm desenvolvendo, nos últimos anos, ajuste fiscal duro, sempre, sem nada de déficit público, com Estado forte e não endividado, taxa de juros moderada, flutuante, de no máximo 2% reais, e taxa de câmbio competitiva. Uma coisa que os economistas do desenvolvimento nunca examinaram decentemente é que a taxa de câmbio é, dos preços macroeconômicos, o mais importante para o desenvolvimento, o mais perigoso, o mais estratégico. Ela determina não só exportação e importação, mas determina salário, poupança, investimento e consumo.
Desafios - O que justifica a importância do câmbio?
Bresser - Todos os países que se desenvolveram - para começar, após a Segunda Guerra, a Alemanha, a Itália e o Japão, e depois outros países asiáticos - tinham sempre taxa de câmbio depreciada, que, na verdade, era uma taxa competitiva. Isto só ficou claro para mim nos últimos anos, depois que comecei a fazer essa crítica sistemática ao crescimento com poupança externa e uma análise que me parece razoavelmente inovadora da doença holandesa. Causam essa tendência de sobreapreciação do câmbio o crescimento com poupança externa e seu irmão gêmeo, o populismo cambial. Eu inventei esse nome, mas quem percebeu o processo do populismo cambial primeiro foi o economista argentino Adolfo Canitrot. Em 1975, ele demonstrou o ciclo populista e como a taxa de câmbio apreciada era fundamental para baixar inflação, aumentar salários reais e ajudar a reeleição do político que estava no poder, desde que a crise não chegasse antes.

Desafios - Voltando ao Brasil de hoje...
Bresser - A taxa de câmbio no Brasil desvalorizou brutalmente na última crise do balanço de pagamentos, em 2002, e começou a se apreciar novamente. No entanto, apreciava, apreciava, e as exportações continuavam magníficas, com o superávit comercial. Isso só podia ser doença holandesa. Entretanto, se é verdade que temos doença holandesa, então nós sempre tivemos. Como, então, o Brasil cresceu tanto entre 1930 e 1980? Gabriel Palma, economista chileno, diz que a América Latina sempre neutralizou a doença holandesa, ainda que não soubéssemos que estávamos fazendo isso.

Desafios - O que é doença holandesa?
Bresser - É quando um país passa a ter uma "taxa de câmbio de equilíbrio corrente" em nível muito mais apreciado do que a "taxa de câmbio de equilíbrio industrial". A de "equilíbrio corrente" é a taxa que equilibra intertemporalmente a conta corrente de um país. É a taxa de câmbio de mercado, de longo prazo. E a de "equilíbrio industrial" é a taxa que viabiliza no mercado internacional, sem nenhuma proteção, indústrias que utilizem tecnologia no estado da arte. Na Europa e nos Estados Unidos, as duas taxas são iguais ou suficientemente semelhantes para não haver preocupação com o problema.

Desafios - E nos exportadores de matérias-primas?
Bresser - Em um país produtor de petróleo como a Arábia Saudita, a diferença entre as duas taxas é brutal, porque, dado que o custo de explorar petróleo é muito mais baixo do que o preço internacional, há uma renda ricardiana enorme que faz com que a taxa de câmbio se defina por esse custo mais baixo. Então, se os exportadores estão dispostos a oferecer seu petróleo pelo preço internacional, mas a uma taxa de câmbio interna, ela vai ser muito mais apreciada do que a taxa de câmbio que seria necessária para o equilíbrio industrial. Se uma empresa automobilística ou qualquer outra empresa industrial for lá com sua tecnologia mais moderna e não tiver proteções outras, vai falir. Isso é a doença holandesa.

Desafios - Como se neutraliza?
Bresser - Essencialmente, colocandose um imposto sobre a exportação, que desloca para cima a curva de oferta, seja de petróleo, diamante, ferro, soja, café, açúcar ou álcool. A doença holandesa tem diferentes níveis de gravidade. Na Venezuela certamente é menor do que na Arábia Saudita, mas é alta também. E se neutraliza isso colocando um imposto que desloca a curva de oferta de forma que o produtor já não oferece mais a sua mercadoria a uma taxa de câmbio mais baixa. É por isso que a Argentina, por exemplo, estabeleceu imposto de exportação sobre soja, carne e trigo e mais alguns produtos. São diferentes para cada produto porque cada um causa doença holandesa diferentemente.

Desafios - O que acontece quando o preço oscila?
Bresser - Se cai o preço, a doença holandesa diminui. Se cai muito, a doença acaba. Se cair mais ainda, será preciso subsidiar para evitar uma crise de superoferta, uma anti-doença holandesa. Então, é preciso ter um fundo de estabilização. Só faz sentido pensar em teoria do desenvolvimento econômico com uma política que neutralize a tendência de sobreapreciação da taxa de câmbio, garanta o equilíbrio da conta corrente e taxas de juros modestas. É só dar ao empresário oportunidade de lucro que vai haver desenvolvimento. Geralmente, só se estuda o desenvolvimento econômico do lado da oferta, mas é fundamental olhar a demanda, e não apenas a demanda interna. O problema da taxa de câmbio e esses relativos à poupança externa, doença holandesa e populismo cambial têm a ver com a demanda para o mercado interno, sem dúvida, mas também para outro mercado muito maior, que é o mercado externo.
Desafios - Precisa ter uma taxa de câmbio que garanta a demanda?
Bresser - Tem que ter uma taxa de câmbio competitiva. As taxas de lucro e de juros tendem a ser um pouco mais altas nos países em desenvolvimento do que nos países desenvolvidos. Se não se neutralizar a doença holandesa, deixar que aconteça o desenvolvimento com poupança externa e deixar o populismo cambial, essas três coisas põem a taxa de câmbio lá embaixo, e não se consegue ter demanda para investimentos voltados para a exportação.

Desafios - Como o Brasil neutralizou a doença holandesa?
Bresser - Meu amigo e ilustre colega Antonio Delfim Netto montou, no final dos anos 1960, um sistema, que prevaleceu até 1985, de neutralização de uma doença que ele não conhecia - a palavra nem existia. De um lado, o imposto de exportação, chamado de confisco cambial (nome que deixava os agricultores alucinados). E um imposto sobre importação, por causa da indústria infante, de 45%. E um subsídio - isto já foi invenção do Delfim - de 50% para a exportação de todos os manufaturados. Supondo que a taxa de câmbio nominal fosse 2, com o subsídio à exportação ela passava a ser 3 para os exportadores de manufaturados. E os exportadores de café recebiam só 2 e pagavam 50%. Era isso, na prática.

Desafios - Só os produtores perdiam?
Bresser - Esse imposto na verdade não é pago pelos agricultores e mineradores, porque só incide sobre a diferença entre a taxa de câmbio de equilíbrio corrente e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Por exemplo, se a taxa de equilíbrio industrial é hoje no Brasil de R$ 2,70 por dólar, com um imposto de R$ 1,00 sobre R$ 2,70 o agricultor não paga nada, pois fica exatamente igual ao câmbio a R$ 1,70. Se um produto fica gravoso, precisa de uma taxa menor - não é um cálculo simples. Mas não é confisco. Esse nome é um equívoco. Na verdade, quem paga é toda a sociedade. Quando se consegue a desvalorização do câmbio, os salários caem e perdem poder aquisitivo. Todo mundo paga um pouco. Se o Estado tiver uma política bem orientada de distribuição do dinheiro que recebe, vai compensar parte dessa perda e permitir à indústria e demais setores da economia se desenvolverem, e os salários então vão subir mais do que aumentariam se o país continuasse vítima da doença holandesa.

Desafios - Qual é sua opinião sobre a nova proposta de política industrial?
Bresser - É boa, como, aliás, era a de 2003, mas querem mudá-la porque não deu certo. Desconfio que essa de 2008 também não vai dar certo. Mas, se é boa, não dá certo por quê? Os japoneses inventaram ter ministro da indústria desenvolvimentista e comando das finanças ortodoxo, mas essa política no Brasil não funciona. Ter um presidente do Banco Central ortodoxo e o resto do governo não-ortodoxo não resolve o problema. A diferença entre Brasil e Japão é a taxa de câmbio. Para um país rico, política ortodoxa não implica neutralizar a tendência de sobreapreciação da taxa de câmbio, porque essa tendência não existe lá. Então, a política normal dá um câmbio competitivo. O Japão nunca brinca com isso e faz juro baixo e ajuste fiscal duro, exatamente o que nós precisamos. Só que, para fazer isso, não podemos ser ortodoxos e deixar o mercado determinar a taxa de câmbio. Temos que intervir. Se a política industrial pretende compensar câmbio apreciado, juro alto e ajuste frouxo, não vai funcionar.

Desafios - Não há saída?
Bresser - É uma tristeza todo esse enorme esforço ser neutralizado por uma taxa de câmbio escandalosamente sobreapreciada. Quando estava em torno de R$ 2,20, era só doença holandesa, e portanto não levava a uma crise de balanço de pagamentos. Mas dificultava muito a indústria. E, como continua a entrar um monte de dólares no país, atraídos por essa taxa de juros alta, o resultado é que agora estamos em R$ 1,70 e indo para uma crise de balanço de pagamentos dentro de dois anos.

Desafios - Como evitar?
Bresser - Já estamos com déficit em conta corrente. É lastimável, mas é por causa da política macroeconômica ortodoxa convencional: juro alto, câmbio baixo e ajuste fiscal frouxo. Sou a favor de um ajuste fiscal mais duro, mas começaria pelo binômio câmbio-juros, porque precisamos baixar os juros e depreciar o câmbio. Isto vai custar um pouco de inflação, não por causa dos juros, mas do câmbio. Na hora em que se depreciar, vai causar uma inflação provisória. Teremos que agüentar e não deixar nada indexado. O que eu também faria na economia brasileira é um esforço decisivo para desindexar todos os contratos, corrigir como se corrige no resto do mundo, não com cláusula formal de indexação no contrato. Isto é um escândalo, mas continua nos contratos públicos, de energia elétrica, de telefonia...

Desafios - Como se controlam os efeitos colaterais de elevação do câmbio?
Bresser - Isto só tem um jeito: é provisoriamente montar um sistema duro de controle de entrada de capitais. Não tem outra forma. E, ao mesmo tempo, cobrar um imposto variável sobre as exportações dos produtos que dão origem à doença holandesa. E ao mesmo tempo baixar a taxa de juros. É preciso ter muita coragem para fazer isso, e a coragem geralmente acontece quando o país se sente em crise. E o Brasil não se sente em crise hoje, pelo contrário. O final do ano passado foi um momento de grande euforia, com uma taxa de crescimento de 5,4%. Essa baixa do câmbio por enquanto só aumentou salário e criou demanda interna. Isso, mais a política correta do governo de elevar o salário mínimo e de aumentar as transferências de renda, criou uma demanda interna muito forte, todo mundo prosperou, ficou feliz, no melhor dos mundos. Infelizmente, não creio que se agüente manter a economia tão aquecida assim. E a taxa de câmbio vai produzir déficit em conta corrente neste ano e um déficit enorme no próximo ano.

Desafios - O mercado não vai corrigir isso?
Bresser - O que nós sabemos é que, em matéria de taxa de câmbio, o mercado é um desastre. Eu imagino que essa taxa de câmbio vai continuar muito baixa por bastante tempo, o nosso déficit em conta corrente vai aumentar muito, a situação das empresas industriais vai piorar e, afinal, chegaremos à crise daqui a dois ou três anos. Os argentinos só fizeram a política que estão fazendo agora, que é basicamente correta, porque tiveram uma crise muito maior do que a nossa. A pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI) em cima deles para valorizar o câmbio é enorme, e eles resistem firmemente.

Desafios - Qual é a dificuldade para fazer a política certa no Brasil?
Bresser - Quando a taxa de câmbio caiu para R$ 3,00, se tivéssemos feito um esforço para mantê-la, não teríamos inflação nem aumento de salário, bastava manter a taxa. Agora, temos que recuperar a diferença, e isto envolve dificuldades na imposição de controles. Vão sempre dizer que esses controles não funcionam. Conversa. Funcionou durante muito tempo. É claro que vamos ter que fechar um pouco a economia, financeiramente. Dentro dessa nova teoria do desenvolvimento, é fundamental fazer a separação entre a globalização comercial e a globalização financeira. A comercial é ótima. Não era o que nós dizíamos há 50 anos, porque tínhamos indústria infante. Mas agora temos indústria desenvolvida e mão-de-obra barata, e a globalização comercial é ótima. Péssima é a globalização financeira, porque ela nos faz perder a capacidade de controlar a taxa de câmbio.

Desafios - O Chile controlou capitais...
Bresser - O Chile fez controles nos anos 1990 e depois parou de fazer, porque não precisou mais. Agora, eu não aposto mais na economia chilena. Cometeram o gravíssimo erro de assinar um acordo comercial bilateral com os Estados Unidos que proíbe o controle de capitais. Isto é matéria financeira, e não comercial. Mas é o que interessa aos Estados Unidos, para que o câmbio se aprecie. Conversei com alguns economistas chilenos e eles dizem que o Chile ainda tem mecanismos para contornar esse acordo, mas eu acho que esse erro vai lhe custar caro, como está custando ao México, que não cresce. Agora, com a crise americana, vai ser pior. O câmbio se apreciou totalmente no México, a doença holandesa tomou conta, não só por causa do petróleo, mas também pelas remessas dos emigrantes.

Desafios - Não seria o caso de tomar uma atitude já?
Bresser - O Brasil vai ter que fazer, mais cedo ou mais tarde, uma opção. Nesta década, as condições para a mudança melhoraram muito porque a hegemonia americana foise embora, o fracasso da ideologia neoliberal é evidente. Os países que mais aceitaram o neoliberalismo e a ortodoxia convencional, a Rússia de Yeltsin e a Argentina de Menem, foram as crises maiores, mas ambos viraram mais fortemente e estão crescendo bem. No Brasil, isso acabará acontecendo. Hoje, os empresários industriais são muito diferentes. Nos anos 1990, eles estavam sem argumentos. Eu mesmo não tinha toda esta argumentação que tenho agora. A política cambial estava errada. Os anos 2000 facilitam a mudança, mas estou desconfiado de que precisaremos de mais uma crise para mudar de política. Com uma crise, o câmbio se deprecia imediatamente, vai a R$ 3,50 outra vez. Não significa que eu esteja defendendo a administração por meio de crises. De jeito nenhum. Queria que houvesse a mudança sem crise. Mas acho difícil no momento.

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