Revista Desafios
março de 2008
Por Roberto Müller Filho e Jorge Luiz de Souza, de Brasília
Desafios - O que está faltando ao desenvolvimento brasileiro?
Mangabeira - Fui convocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ajudar a formular e a debater um novo rumo de desenvolvimento para o país. O Brasil hoje está à busca de um modelo de desenvolvimento baseado em ampliação de oportunidades econômicas e educativas, e em participação popular. Nosso país tradicionalmente crescia dentro dos setores favorecidos e internacionalizados em sua economia. Esses setores geravam riqueza e uma parte dessa riqueza era usada para financiar políticas sociais. Agora, a nação quer mais do que isso. Quer transformar a ampliação de oportunidades tanto econômicas quanto educativas e engajamento cívico nos próprios motores do desenvolvimento, e desta maneira consolidar um vínculo íntimo, orgânico, entre o social e o econômico.
Desafios - Na prática, como é o seu trabalho?
Mangabeira - Meu trabalho nasceria morto se fosse apenas um projeto conceitual a respeito do futuro. O longo prazo tem de ser tratado a curto prazo. Não há nenhum projeto de longo prazo que valha a pena ser pensado que não tenha implicações imediatas para o que se faz aqui e agora. Por essa razão, eu orientei o meu trabalho para a definição e a construção de um elenco de iniciativas que antecipem e encarnem essa alternativa nacional que o país procura. E que sejam como que as primeiras prestações do nosso futuro.Com isso, imagino contribuir a uma dinâmica transformadora, ancorada nessas iniciativas concretas. Esse método não nos exime da responsabilidade de formular também uma estratégia abrangente e de longo prazo, econômica, social, cultural e política.Mas essa estratégia só viverá se estiver ancorada em ações concretas. Portanto, eu estou trabalhando simultaneamente nesses dois planos.
Desafios - Poderia resumir o seu projeto?
Mangabeira - As iniciativas estão em quatro grandes áreas: oportunidade econômica, oportunidade educativa, Amazônia e Defesa. Em oportunidade econômica, são três as iniciativas principais, que eu estou desenvolvendo em colaboração com os diversos ministros. A primeira é uma política industrial e agrícola de inclusão. A nossa política industrial brasileira, tradicionalmente, está voltada mais para as empresas e oferece a essas grandes empresas, tipicamente, isenções tributárias e condições melhores de acesso ao crédito, até mesmo crédito subsidiado. Mas uma das características estruturais de nossa economia é a predominância absoluta nela de pequenas empresas,de empreendimentos emergentes e muito restritos no seu acesso ao crédito, à tecnologia, ao conhecimento, ao próprio mercado. Aí reside a maior força potencial de nossa economia. Instrumentalizar essa energia empreendedora emergente pode criar um dínamo de crescimento econômico socialmente includente. Esse projeto tem que comportar três elementos. Primeiro,o aconselhamento gerencial ou a formação prática de quadros. Em geral, no mundo essa é a parte mais difícil de avançar, mas no Brasil é a que mais avança, por causa do notável trabalho do Sebrae. Segundo, a ampliação do crédito ao produtor. Não podemos enriquecer só à base da popularização das oportunidades de consumo, com a expansão do crédito ao consumidor. A história mostra o oposto. O fundamental é a democratização do acesso às oportunidades da produção. Isto precede a massificação do consumo. E o terceiro elemento é a transferência de tecnologias avançadas para pequenas empresas e empreendimentos emergentes.
Desafios - Em que setores da economia isto se aplica?
Mangabeira - É um projeto que fica mais claro na agricultura do que na indústria. Estamos acostumados a imaginar a agricultura como exceção, mas ela é vanguarda. Não basta regular o mercado e compensar as desigualdades do mercado com políticas de transferência. É necessário reorganizar o mercado institucionalmente, para torná-lo mais includente nas suas oportunidades. Eu dou dois exemplos na história dos Estados Unidos, no século XIX, que são a agricultura e as finanças. Organizaram uma agricultura de padrão familiar e de concorrência cooperativa entre os fazendeiros e construíram a agricultura mais eficiente do mundo naquela época. E no setor financeiro destruíram os bancos nacionais e os substituíram pelo sistema de crédito mais descentralizado que havia existido no mundo até aquele momento. Quando fizeram isso, não estavam regulando a economia de mercado, mas reinventando e reorganizando a economia de mercado. E é isso que nós no Brasil queremos fazer, não repetindo o conteúdo deles, mas apreendendo o método.
Desafios - Como seria utilizar esse método no Brasil de hoje?
Mangabeira - O coração do nosso sistema industrial montado no Sudeste do país no curso do século XX é aquele que os especialistas costumam chamar de fordismo. É a produção em grande escala de bens e serviços padronizados, com maquinaria rígida, mão-de-obra semiqualificada e relações de trabalho muito hierárquicas e especializadas. Esse é um fordismo já tardio, que vem sendo desmontado nas economias liderantes do mundo, em favor de formas mais flexíveis de produção,e que se mantém competitivo em economias como a nossa. Se não quisermos virar uma grande fazenda combinada com uma grande indústria maquiladora, temos que acelerar a passagem para além desse fordismo tardio e, com os setores mais atrasados da economia e com as pequenas empresas, passar diretamente do pré-fordismo para o pós-fordismo, sem a etapa intermediária do fordismo.
Desafios - Qual é a sua segunda iniciativa nas oportunidades econômicas?
Mangabeira - A transformação das relações entre o capital e o trabalho no Brasil. Não temos uma grande reconstrução institucional das relações entre o capital e o trabalho no Brasil desde Getúlio Vargas. Há dois pontos de partida: primeiro, a ameaça de nossa economia ficar imprensada entre as economias de produtividade alta e as de trabalho barato. Um dos maiores interesses nacionais é escapar dessa prensa pelo alto, e não por baixo, e pela escalada da produtividade, e não pelo aviltamento salarial. O outro ponto de partida é que o modelo institucional existente resguarda os interesses dos trabalhadores dos setores intensivos em capital, mas não resolve o problema dos outros. Não bastam os dois discursos que prevalecem: o da flexibilização, que os trabalhadores interpretam corretamente como eufemismo para descrever a corrosão dos direitos do trabalhador; e o discurso do direito adquirido, de manter como está, que é melhor do que o outro, mas não resolve o problema dos excluídos dos setores avançados da economia. Iniciei uma discussão intensa com os dirigentes das centrais sindicais sobre três grandes temas: primeiro, a informalidade - como resgatar os 60% dos trabalhadores brasileiros que estão nela hoje; segundo, a participação dos salários na renda nacional - como reverter a longa queda da participação; terceiro, a revisão do próprio regime sindical. Me anima acreditar que nós possamos construir não um consenso, mas uma convergência preponderante.
Desafios - E a terceira grande iniciativa econômica?
Mangabeira -A ampliação dos instrumentos jurídicos ou institucionais disponíveis ao Estado brasileiro para atuar na economia. Por exemplo, para estimular a invenção e a fabricação de tecnologia apropriada ao manejo sustentável de uma floresta tropical, já que a tecnologia disponível no mundo evoluiu toda ela para tratar de florestas temperadas, o Estado só tem dois modelos disponíveis. Um é produzir diretamente dentro do setor público, mas há a camisa-de-força das regras que incidem sobre o setor. Outro modelo é o de tentar induzir o investimento privado por meio de crédito subsidiado e do favor fiscal, com o risco de o Estado dar muito em troca de pouco e de o empresário capitalizar o lucro e socializar o risco. Para evitar isso é preciso ampliar os instrumentos disponíveis ao Estado. Exemplo: o Estado funda e capitaliza um empreendimento num regime de tramercado, com gestão profissional e independente, decompõe em etapas, e em cada uma procura, tão logo que possível, substituir-se por um agente privado. Enfim,atua como atuaria um venture capitalist. Não para suprimir a concorrência ou substituir o mercado, mas para radicalizar a concorrência e aprofundar o mercado.
Desafios - E sobre as oportunidades educativas?
Mangabeira - Também são três as iniciativas principais. A primeira é,com o ministro da Educação, a construção de uma rede de escolas médias federais, como importante componente técnico e profissional, acima do nível de projeto-piloto, mas muito aquém do universo total das matrículas. O objetivo dessa rede, nos seus desdobramentos finais, seria ocupar em torno de 10% das matrículas do universo de estudantes de ensino médio. E o projeto tem três alvos. O primeiro é consertar o elo mais fraco do nosso sistema escolar, que é o ensino médio. O segundo é usar a escola média federal como cunha, com uma mudança do paradigma pedagógico em todo o ensino brasileiro. Substituir o ensino informativo e enciclopédico por um ensino analítico e capacitador, que mobilize a informação só seletiva e subsidiariamente como meio para aquisição de capacitações analíticas. Portanto, o foco no fundamental, que é a análise verbal e a análise numérica, sem cair em modismos pedagógicos. O terceiro alvo é construir um novo modelo de relações entre o ensino analítico geral e o ensino de especializações técnicas ocupacionais. Não queremos aquele modelo tradicional, como existia na Alemanha, de ensino de ofícios rígidos.Não é prático e não é democrático agravar uma divisão entre o ensino generalista para as elites e o ensino especialista para as massas.
Desafios - Do que trata a segunda iniciativa de oportunidade educacional?
Mangabeira - De como reconciliar a gestão local das escolas dos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e de qualidade. São necessários três instrumentos: um sistema nacional de avaliação e monitoramento, e nisso já avançamos muito; um mecanismo para redistribuir recursos e quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres, e nisso começamos a avançar com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb); e no terceiro não avançamos nada ainda - é um procedimento para socorrer um sistema escolar local que,apesar de todos os esforços, tenha ficado abaixo do patamar mínimo tolerável de qualidade e de investimento.
Desafios - E a terceira iniciativa?
Mangabeira - É a inclusão digital, que eu estou trabalhando junto com o Ministério da Cultura e a Casa Civil. O projeto tem quatro componentes: construção de uma infovia nacional que aglomere os fragmentos de infovias que nós temos, com todos os seus elementos, do backbone, do backhole e da chamada "última milha", e trabalhe nisso junto com as empresas privadas; medidas destinadas a fortalecer as capacitações populares de acesso à rede, para que não seja prerrogativa de uma elite; estímulo à produção de conteúdos nacionais e populares; e uma estrutura de governança na internet que dê voz e vez à sociedade civil independente, fora do Estado, e não apenas aos governos ou às empresas. Portanto, é uma iniciativa também libertadora.
Desafios - O terceiro grande setor de ação do seu plano é a Amazônia...
Mangabeira - Que eu encaro como um grande laboratório nacional brasileiro, para ser vanguarda, não para ser retaguarda, um lugar onde o Brasil pode se reinventar. Rejeitamos duas idéias inaceitáveis e opostas: a de que a Amazônia é um santuário; ou a de que deve ser entregue às forças econômicas mais devastadoras, como a pecuária extensiva. Um ambientalismo sem projeto econômico é um ambientalismo inconseqüente, insufla uma atividade econômica desordenada que leva ao desmatamento. A Amazônia não é apenas um conjunto de árvores, é um grupo de pessoas. É preciso ter uma estratégia para a Amazônia já desmatada,onde se possa associar o Estado com os pequenos produtores, e outro projeto para a Amazônia com floresta em pé. A base de tudo é o zoneamento econômico e ecológico que contemple a solução dos problemas fundiários em toda a Amazônia e que assegure que a floresta em pé valha mais do que a floresta derrubada.Não basta, por exemplo, ter na Zona Franca de Manaus indústrias que oferecem empregos às pessoas. É preciso construir elos entre o complexo verde e o complexo industrial e urbano, indústrias que transformem os produtos da floresta e indústrias que produzam tecnologia apropriada ao manejo de uma floresta tropical.
Desafios - E quanto ao projeto da Defesa?
Mangabeira - Não há estratégia nacional de desenvolvimento sem estratégia nacional de Defesa. Nisso eu estou tramercado balhando muito de perto com o ministro Nelson Jobim e com as Forças Armadas. Os dois grandes temas que orientam nosso trabalho são:primeiro, a reorganização das Forças Armadas em torno de uma vanguarda tecnológica e operacional, baseada em capacitações nacionais; e, segundo, o compromisso de restabelecer a causa da Defesa no imaginário nacional como causa inseparável do desenvolvimento. Vou dar um exemplo: a reorganização da indústria de Defesa, em ambos os seus componentes, o privado e o estatal. No privado, uma das idéias é criar um regime jurídico regulatório e tributário especial que assegure continuidade nas compras públicas e resguarde as empresas privadas de Defesa de depender de um curtoprazismo mercantil. Em troca, o Estado brasileiro adquiriria um poder estratégico muito amplo sobre as empresas privadas de Defesa e dentro delas,além dos limites do poder regulador e a ser exercido por meios como o golden share. E, no componente estatal, uma inversão completa. Em vez de produzir o rudimentar e atuar no chão tecnológico, produzir no teto, na vanguarda, aquilo que não seja rentável a curto e a médio prazos para as empresas privadas, justamente por ser de vanguarda. Esta é a vocação do componente estatal.
Desafios - Qual é o alcance desse projeto?
Mangabeira - É necessário que o Brasil tenha um escudo. Neste mundo em que a intimidação ameaça tripudiar sobre a cultura, os meigos precisam andar armados. Nenhum país no mundo moderno, de dimensão comparável à nossa, é menos beligerante do que o Brasil. Mas esse pacifismo instintivo não nos exime da responsabilidade de construir um escudo de defesa. O foco do conflito ideológico no mundo todo está mudando. O velho conflito entre o estatismo e o privatismo, entre o Estado e o mercado, está sendo substituído por um novo conflito, cujas regras ainda não se compreendem, com formas alternativas da democracia, do mercado e da sociedade civil livre. Seria o caso de perguntar se nós temos base social prática para isso no Brasil, e eu diria que sim.
Desafios - Quais segmentos da população serão os pilares do seu projeto?
Mangabeira - Tudo depende do encaminhamento coletivo de soluções coletivas para problemas coletivos. Portanto, de política. Precisamos desesperadamente do casamento da política com a imaginação, sobretudo com a imaginação institucional. Agora, surge no Brasil, ao lado dessa classe média tradicional, uma nova classe média, morena, mestiça, que vem de baixo, que luta para abrir pequenos negócios, que estuda à noite, que inaugura no país uma nova cultura de auto-ajuda e iniciativa. Desconhecida das elites brasileiras, essa nova classe média já está no comando do imaginário popular. Para a maioria do nosso povo, ela é essa vanguarda de batalhadores e emergentes que a maioria quer seguir. Hoje, a grande revolução brasileira seria o Estado inovar nas instituições, primeiro nas econômicas e depois nas políticas, para permitir à maioria seguir o caminho dessa nova vanguarda. O que falta é a organização intelectual e política do caminho e da base, e este é o meu trabalho.
Desafios - Uma reforma política seria uma quinta área do seu projeto?
Mangabeira - Exatamente. Tenho conversado com o presidente Lula sobre a entrada da pasta de Assuntos Estratégicos no campo da reforma política. Há quem imagine a reforma política como antecedente à reorientação econômica e social. Não é assim na história moderna. A experiência comparada mostra que os países mudam as suas instituições políticas quando precisam mudá-las para alcançar um fim econômico e social que desejam. A reforma não poderá ser uma preliminar da reorientação econômica e social.Virá no curso da luta para mudar o rumo social e econômico do país. Essa mudança política necessária tem um horizonte longínquo e um ponto de partida. O horizonte é criar uma democracia de alta energia,mudancista,que não faça a mudança depender da crise. Mas isso é o futuro, é o horizonte, isso não é para já. O ponto de partida é tirar a política da sombra corruptora do dinheiro, criar as condições para governos que não seja no bolso dos endinheirados. Não é um mistério como fazer isso. Passa por quatro conjuntos de medidas: o financiamento público das campanhas eleitorais; a construção de carreiras de Estado que substituam a grande maioria dos cargos comissionados ou discricionados; a revisão do processo orçamentário, para que ele não seja uma negociação perene e flutuante; e medidas que favoreçam a vida partidária e a fidelidade partidária.
Desafios - O que falta para fazer isso?
Mangabeira - O bom do Brasil é a sua vitalidade, e o ruim é o seu conformismo, a falta de fé em si mesmo. De todas as minhas ambições, a maior é ajudar a instaurar no país uma dinâmica de rebeldia. O grande poeta alemão Friedrich Hölderlin disse que quem pensa com mais profundidade são os que têm mais vida. Mas não basta ter vida, é preciso ter inconformidade e iluminar a inconformidade com a imaginação. Justamente porque está cheio de vida, o Brasil é anarquia criadora. Uma das ambições nacionais tem que ser transformar espontaneísmo inculto em flexibilidade preparada. E descobrir as instituições econômicas e políticas apropriadas a uma sociedade inquieta, inovadora.A fórmula que nós procuramos é a fórmula que ajude a quebrar as fórmulas. Este é outro tema central de todas essas propostas econômicas e políticas.
Desafios - O senhor pretende conversar com estados e municípios?
Mangabeira - Vou visitar todo o país. Um projeto de Estado precisa ser construído junto com os estados federados, e ainda mais com os governados pela oposição, para demonstrar ao país a possibilidade de uma agenda positiva feita acima das divisões partidárias. Já fui a Minas Gerais e Rio Grande do Sul e fui recebido calorosamente.Acho que há muita abertura no Brasil para isso. Estamos à busca de um projeto magnânimo e ninguém quer saber de sectarismos mesquinhos. A nação tem consciência da gravidade de todos os nossos problemas e da necessidade de um grande projeto de país, e todo mundo intuitivamente compreende que um projeto de país não pode ser construído em um ambiente de mesquinharia e de sectarismo.
Desafios - Diria o mesmo de suas conversas com os sindicalistas?
Mangabeira - Tratamos de assuntos muito penosos e controvertidos e avançamos muito.Vejo que há linhas de convergência preponderante sobre o grandes temas. Para reverter a queda da participação dos salários na renda nacional não basta influenciar o salário nominal, como a política do salário mínimo. Isso tem certa eficácia, mas insuficiente. Temos no Brasil uma grande desigualdade salarial. Por isso, é provável que as iniciativas destinadas a aumentar a participação dos salários na renda nacional tenham de ser, no início, diferentes para diferentes níveis da hierarquia salarial. Na base da hierarquia salarial, dos trabalhadores mais pobres e menos qualificados, o objetivo é pelo menos não castigar quem empregue e qualifique, diminuindo os encargos que oneram a folha salarial. Importante também é a proteção de trabalhadores temporários ou terceirizados, que no Brasil, como em todo o mundo, formam uma parte crescente da força de trabalho. Como protegêlos e representá-los sem minar a posição dos trabalhadores organizados, que formam o cerne do corpo de trabalho da empresa?
Desafios - Vem algum exemplo de fora?
Mangabeira - O mundo está vergado sob uma ditadura de falta de alternativas. Qualquer alternativa que surgisse e que combinasse uma demonstração prática com uma mensagem universalizante poderia ter uma repercussão sensacional. Nós temos condições especiais para sermos um terreno de experimentação. Um dos nossos maiores problemas é que não pensamos em nós mesmos, assim. Nosso costume é só prosseguir em um caminho que tenha sido antes autorizado pelos países que nos acostumamos a tomar como referência. E isso não presta.
Desafios - Agora, Índia e China são tomadas como referência?
Mangabeira - Sempre o outro. Então, precisamos olhar para o mundo todo. Mas não há nenhum país nem rico nem em desenvolvimento que possamos tomar como modelo. Os exemplos são fragmentários. Nenhum país do mundo atual representa a onda do futuro em que possamos surfar. A nossa principal preocupação deve ser consolidar a nossa estratégia, informada pelas experiências do mundo todo, mas não autorizada por ninguém. Na história, os obedientes são castigados. Os prêmios vão para os rebeldes. A rebeldia é condição necessária, mas não é suficiente. Porque ela só é eficaz quando iluminada pela imaginação.
Desafios - As viagens à Índia, Rússia e França trataram de uma aliança que inclua transferência de tecnologia?
Mangabeira - Eu não chamaria aliança, que tem um sentido técnico. Nós não temos alianças. É uma parceria estratégica com a transferência de tecnologia. Fui primeiro à Índia e depois, com o ministro Nelson Jobim, da Defesa, à França e à Rússia. Com todos esses países, o importante é expressar a vontade política de fortalecer no mundo um pluralismo de poder e de justiça, e a partir desse compromisso básico construir colaborações em Defesa e colaborações em matéria de desenvolvimento. As segundas são pelo menos tão importantes quanto as primeiras. É assim que estamos procedendo. Muita gente caracterizou essas viagens como viagens de compras, mas não foram. Não compramos nem nos credenciamos a comprar coisa alguma. Estamos tentando descobrir quais as colaborações de Defesa e civis que fortaleçam a nossa capacidade de abrir novos caminhos, em Defesa e tudo o mais. E agora eu direi, com franqueza, o problema não é o mundo, o problema é o Brasil. Para quem tem idéia clara e vontade forte, o mundo está cheio de oportunidades.
Desafios - Isto fortalece uma visão Sul-Sul?
Mangabeira - Não é só. Sul-Sul é uma parte, mas não o todo. Nós não devemos fazer - estou dando a minha opinião pessoal -, e não creio que estejamos fazendo, uma política apenas terceiromundista.Nós precisamos nos entender não só com esses outros grandes países emergentes, mas também com a União Européia e com os Estados Unidos. Mas a condição básica para tudo isso é que nós nos levantemos, que nós tenhamos uma idéia a respeito do nosso futuro nacional, que nós saibamos o que queremos. Com isso, tudo será possível. Sem isso, nada será possível.
http://www.centrocelsofurtado.org.br/
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