domingo, 30 de novembro de 2008

Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles


O novo gigante brasileiro

A história e a lógica do negócio que aproximou as duas
famílias mais tradicionais do sistema bancário nacional
– e criou a maior instituição financeira da América Latina

Marcio Aith e Giuliano Guandalini


"A associação ocorreria da mesma maneira, com ou
sem crise"
Roberto Setubal Lailson Santos
Sempre me perguntei por que não tínhamos uma AmBev dos bancos
Pedro Moreira Salles

Na semana passada, Itaú e Unibanco juntaram-se para criar a maior instituição financeira do país e da América Latina. A fusão foi divulgada na manhã da segunda-feira e deu alento ao sistema financeiro brasileiro, em meio à mais séria crise mundial em oito décadas. Unidos, os dois bancos possuem ativos de 575 bilhões de reais, 14,5 milhões de clientes e 100 000 funcionários. Tornam-se o maior banco do país, superando o Banco do Brasil e o Bradesco. Na tarde de quarta-feira, os protagonistas do negócio deram uma entrevista conjunta a VEJA na sede do Itaú. Roberto Setubal, 54 anos, presidente do Itaú, e Pedro Moreira Salles, 49 anos, presidente do Unibanco, disseram que vão seguir o exemplo das empresas brasileiras que já se internacionalizaram e minimizaram a influência da turbulência financeira na decisão de fechar o negócio. "A associação ocorreria da mesma maneira, com ou sem crise", disse Setubal. "Nossos objetivos não foram pautados por questões momentâneas", completou Moreira Salles. O controle do novo gigante financeiro, o Itaú Unibanco, será compartilhado. A presidência do conselho de administração ficará a cargo de Moreira Salles. Setubal será o presidente executivo.

O que motivou a associação entre o Itaú e o Unibanco?
Moreira Salles – O que norteou as conversas desde o início foi a percepção de que, em um mundo cada vez mais globalizado, o poder da escala das empresas é fundamental. Assim como sua capacidade de internacionalização. Muitas indústrias já conseguiram dar o salto para o exterior. Mas não existe uma única multinacional financeira brasileira, embora os bancos nacionais sejam tão bem administrados. Sempre me perguntei por que não tínhamos uma AmBev dos bancos. O Itaú e o Unibanco têm uma identidade na forma de ver o mundo. A operação faz todo o sentido.
Setubal – Somos dois bancos que nunca tiveram um tropeço financeiro ou um tropeço ético. Temos, em comum, valores e tradição familiar sólidos. Tanto o pai do Pedro (o embaixador Walther Moreira Salles, que morreu em 2001) quanto o meu pai (Olavo Setubal, morto em agosto passado) foram ministros de estado, ambos com comprometimento de longa data com o sucesso deste país. O Brasil certamente merece um banco de dimensão internacional. Achamos que o Itaú Unibanco Holding pode vir a ser esse banco. Esse é o nosso grande sonho e motivação.

A crise apressou o fechamento do negócio?
Setubal – A associação ocorreria da mesma maneira, com ou sem crise. Mas a crise acelerou o negócio? Talvez em apenas um mês. Pensando bem, a crise pode até ter retardado o negócio em um mês.
Moreira Salles – A lógica desta fusão independe da situação atual do mercado. Não sabíamos que a crise viria. Tivemos uma dezena de conversas antes da tormenta financeira. Com essa transação, pretendemos olhar para a frente. Nossos objetivos não foram pautados por questões momentâneas. Houve rumores de que os bancos privados tinham perdido muito dinheiro com derivativos. Não é verdade, como ficou demonstrado.
Setubal – Devido a esses rumores, divulgamos antecipadamente nossos balanços do terceiro trimestre. Isso dissipou qualquer dúvida sobre a situação dos bancos.

Quando a fusão foi cogitada pela primeira vez?
Moreira Salles – Em 1998, quando o Banco Real foi vendido ao holandês ABN Amro. Isso nos colocava um novo desafio. Lembro que meu pai foi um grande entusiasta de uma união com o Itaú naquela ocasião. Ele até ficou bravo comigo porque o negócio não foi levado adiante. Achou, com muita razão, que tínhamos de olhar para o futuro.
Setubal – Claramente não estávamos preparados para isso naquela ocasião. Nenhum dos dois se convenceu muito. Foi preciso amadurecer. As condições de mercado mudaram com o rápido processo de consolidação no setor bancário. O fato que deflagrou nossa mais recente rodada de negociações, em agosto do ano passado, foi a notícia da venda do Real ao Santander. Aquela operação criou um grande competidor global muito forte no mercado local.
Moreira Salles – Ficou claro para nós, no ano passado, que o Santander poderia tornar-se maior que o Unibanco.

"As grandes transações não são mais feitas
em dinheiro, mas com troca de ações.
O valor de mercado de uma companhia tornou-se vital. É ele que dá a dimensão de sua capacidade de fazer aquisições"
Roberto Setubal


Por que é tão vital ser grande no setor financeiro?
Setubal – Por uma razão prática. Muito prática. Atualmente, as grandes transações entre bancos, sejam elas aquisições ou fusões, não são mais feitas em dinheiro. São feitas com trocas de ações, pelos seus valores de mercado. Portanto, o valor de mercado de uma companhia tornou-se o fator preponderante. É ele, em última análise, que dá a dimensão de sua capacidade de fazer aquisições. Um grande banco, com uma grande capitalização de mercado, é capaz de comprar outros bancos. Esse é um aspecto extremamente importante para entender a lógica dessa transação. Nós nos juntamos exatamente para ampliar nossa capitalização de mercado. E, é claro, para nos proteger de outros bancos com valores de mercado equivalentes. Passamos a ser compradores.
Moreira Salles – Ser número 1 não é lá muito relevante. O importante é termos escala. Ela abre o acesso ao mercado internacional, acesso a recursos lá fora.
Setubal – Mas é um ponto a ser levado em consideração. Ser reconhecidamente o líder e o banco mais forte faz com que você tenha, naturalmente, a preferência dos clientes e de quem faz negócios.

Durante períodos de turbulência, as linhas de crédito para o Brasil são cortadas. Não seria mais lógico associar-se a um banco estrangeiro?
Moreira Salles – Essa crise mostrou que, quando a situação aperta, as linhas secam para todo mundo, não apenas para os bancos brasileiros. Ter a participação de capital estrangeiro não altera o acesso a linhas internacionais de crédito. O importante é que, ao nos associarmos ao Itaú, teremos mais poupança e mais volume de negócios. O Brasil tem uma dimensão que permite o fortalecimento de um banco nacional em relação a seus concorrentes externos.

De que forma a união Itaú-Unibanco traz solidez ao sistema financeiro?
Moreira Salles – Em valor de mercado, estamos criando o 12º ou o 16º maior banco do mundo, dependendo da cotação diária das ações. Isso já é marcante. Há mais. Nosso índice de Basiléia (volume de capital próprio em relação ao total emprestado) é o dobro do mínimo exigido pela legislação internacional. Enquanto alguns dos principais bancos no mundo estão tentando se capitalizar, elevando esse patamar mínimo para 8%, o Itaú Unibanco nasce com pouco mais de 15%.
Setubal – Temos agora o maior índice de capitalização entre os trinta maiores bancos do mundo.

"Estamos em um mundo cada vez mais integrado. Se os bancos globais podem e devem entrar no Brasil, nós precisamos criar uma plataforma para fazer o mesmo lá fora. O país terá um banco com escala, com um olhar para o mundo"
Pedro Moreira Salles


Qual o significado de um banco privado se tornar a maior instituição financeira do país?
Setubal – Isso mostra uma tremenda evolução do Brasil. Revela um setor privado dinâmico e atuante, capaz de alcançar grandes realizações. Mas há espaço no país para bancos privados, públicos e estrangeiros. Os três se complementam na contribuição que podem dar ao desenvolvimento do Brasil. Inverteria então a pergunta: por que não ter um banco privado como o maior do país?
Moreira Salles – Significa que conseguiremos criar uma plataforma que atenda aos melhores interesses de nossos clientes. Ambos somos absolutamente a favor da livre concorrência. Estamos em um mundo cada vez mais integrado. Se os bancos globais podem e devem entrar no Brasil, nós precisamos criar uma plataforma para fazer o mesmo lá fora. O país terá um banco com escala que nos permitirá olhar para o mundo e identificar para onde faz sentido um banco brasileiro se expandir. Isso não deve se limitar a atender às operações internacionais das empresas brasileiras, como já ocorre hoje, e sim de fato ter operações bancárias relevantes em alguns mercados externos. Resultará disso uma instituição maior, com mais acesso a fundos.

Se o Itaú tem o dobro do tamanho do Unibanco, por que o comando será dividido?
Setubal – Antes de tudo, porque queremos construir algo maior. Essa é a razão essencial. Quando se quer construir algo maior, todos precisam fazer renúncias. Neste caso, todos nós fizemos renúncias relevantes. Acreditamos que os acionistas do Unibanco e do Itaú podem contribuir neste projeto.
Moreira Salles –De fato, o Itaú é um banco maior que o Unibanco. A partilha do comando foi o gesto que deu início às conversas. Caso contrário, não haveria esse projeto conjunto. A divisão do poder decisório era a condição para que o negócio fosse feito. Senão, seria uma venda pura e simples, e os acionistas do Unibanco sairiam do negócio. Os controladores do Itaú tiveram de abrir mão do poder que possuem hoje e partilhá-lo.

Ambas as empresas possuem controle familiar. Foi difícil convencer seus parentes?
Setubal – A primeira pessoa com quem conversei foi meu pai. A aprovação foi imediata. Ele tinha essa visão de construir novos negócios, de crescer e ajudar o país. Em seguida vieram as conversas com meus irmãos e primos, para obter o consenso. Era uma transação complexa, difícil de ser explicada. Houve alguns questionamentos, mas nenhum empecilho. As barreiras acabaram sendo transpostas com surpreendente facilidade.
Moreira Salles – Essas negociações familiares costumam emperrar em três pontos: o papel de cada um na administração da nova instituição; o nome que será usado; e o preço – neste caso específico, a participação acionária, porque não haverá troca de dinheiro. Esses assuntos foram resolvidos sem grandes discussões. O papel de cada um ficou definido desde o início. Aliás, no começo eu teria a vice-presidência do conselho. A presidência permaneceria com o pai do Roberto, que tinha uma posição legítima que jamais ousaria reivindicar. Ele acabou abrindo mão por generosidade e por entender que isso seria decisivo. Quanto ao segundo ponto, o nome Unibanco, ele será preservado na nova holding: Itaú Unibanco. As marcas que serão usadas comercialmente no futuro serão aquelas que o público preferir. Tivemos de lidar com isso de maneira desapaixonada para criar essa nova empresa.

Dos irmãos Moreira Salles, Pedro é o único envolvido diretamente na administração do banco (os outros três são o cineasta Walter, o documentarista João e o editor Fernando). De que forma a dinâmica familiar determinou a conclusão do negócio?
Moreira Salles – Existe um enorme orgulho de meus irmãos pelo que o Unibanco representa. A questão da referência aos pais, nos dois casos, é mais do que simbólica. O fato de um filho ter se envolvido com o banco não significa que os demais não o considerem relevante. Há o desejo de perpetuar, e para isso tínhamos de fazer um negócio dessa natureza. Essa é a perpetuação de um negócio criado pelo meu pai. Nós nunca fechamos outros negócios porque as propostas implicavam sempre que a família saísse do negócio.
Setubal – Ainda existem muitas empresas familiares no Brasil. Muitas vezes elas não possuem capital para ampliar suas atividades. Aí, juntar forças é o caminho. Mas é preciso ter maturidade para passar por todo
esse processo de renúncia. As pessoas às vezes tendem a se apegar demais a questões que deveriam ser consideradas secundárias e, agindo assim, perdem a chance de fortalecer suas empresas.

http://veja.abril.uol.com.br/121108/entrevista.shtml

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