domingo, 14 de dezembro de 2008

Entrevista com o Eng. Lucas Gonçalves Pereira



Entrevista com o Eng. Lucas Gonçalves Pereira
Greyce Vargas
Jornalista do Instituto Unisinos

Para dimensionar como o meio ambiente está se degradando é preciso analisar a forma como estamos consumindo os recursos naturais. Deixamos, portanto, “pegadas” nos espaços que nos apropriamos e quanto mais explorarmos a Terra, mais marcas deixamos na natureza. Desta forma, funciona a “Pegada Ecológica”, uma avaliação que revela até que ponto a nossa forma de viver está de acordo com a capacidade do Planeta em renovar os recursos naturais assim como de absorver os resíduos que geramos. A partir de sua tese, que trata da questão da “Pegada Ecológica Brasileira”, o engenheiro Lucas Gonçalves Pereira responde algumas perguntas acerca do tema; fala sobre a sustentabilidade do Brasil e sobre como é medida a Pegada Ecológica no país. Lucas Gonçalves Pereira é Mestre e Doutor em Engenharia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Qual é o diagnóstico da sustentabilidade do Brasil, segundo a sua pesquisa?

Minha pesquisa busca inserir conceitos e métodos presentes na Análise Emergética (criada por Howard T. Odum, pesquisador da Universidade da Flórida, EUA) no cálculo da Pegada Ecológica convencional. A maior parte dos trabalhos publicados que obtiveram o diagnóstico de países através da Pegada Ecológica sempre mostraram que o Brasil apresenta um bom saldo ecológico. Através de minha pesquisa, verifiquei que realmente esse saldo ainda é positivo. Porém, as atividades agropecuárias e o uso de petróleo têm contribuído para que esse saldo se torne cada vez menor. Ou seja, a oferta da natureza ainda é maior do que aquilo que consumimos, porém um aumento na demanda de combustíveis fósseis e das áreas de cultivo, principalmente de cana-de-açúcar pode levar a uma mudança drástica dessa situação.

Qual a Pegada Ecológica e social do nosso país? Como ela é medida?

Quando se fala em Pegada Ecológica, estamos nos referindo ao consumo da população do País. De forma simplificada, mede-se qual a área necessária por pessoa para suportar o modo de vida da população daquele país em questão. Pela metodologia convencional, a Pegada do Brasil é de cerca de 2,1 hectares por pessoa, ou seja, cada brasileiro precisa de uma área de cerca de dois campos de futebol para produzir tudo aquilo que ele consome. Esse valor é pequeno se comparada à pegada dos EUA. Cada estadunidense precisa de quase dez campos de futebol para manter seu padrão de consumo. Em meu estudo, por ter utilizado uma metodologia que busca avaliar as contribuições da natureza na produção dos recursos que consumimos, o valor da Pegada Ecológica Brasileira foi de mais de 40 hectares por pessoa.
Para se medir a Pegada de uma população, se divide o consumo humano em várias categorias como: produtos agrícolas, produtos animais, energia consumida etc.
Esses dados, normalmente de produção são transformados para unidades de energia e, por fim, em termos de área (hectares). Para se estabelecer o diagnóstico de sustentabilidade, também se deve estimar a capacidade biológica (biocapacidade) do País, que mede a disponibilidade ou oferta de recursos da natureza. Ao compararmos “capacidade biológica” e “Pegada”, se obtém o diagnóstico: se a biocapacidade é maior do que a Pegada, existe uma situação de saldo ecológico positivo; se a biocapacidade é menor do que a Pegada, tem-se um déficit ecológico. Em minha pesquisa concluí que a biocapacidade do Brasil é cerca de 50% maior do que o consumo, ou seja, segundo esse resultado, nossa população poderia dobrar e continuar sustentável se mantivesse o mesmo padrão de consumo.

Em termos práticos, o que se deve mudar em nosso consumo e em nossas atitudes para não utilizar mais recursos dos que o país dispõe?

Num país como o Brasil, os grandes responsáveis pelo grande impacto no consumo são as atividades agropecuárias e o uso de combustíveis fósseis (petróleo). Em termos práticos, reduzir nosso consumo significa consumir menos combustíveis fósseis como gasolina, reduzir nosso consumo de energia elétrica através de aparelhos mais eficientes e reduzir o consumo de alimentos que gerem grande impacto no ambiente (a pecuária extensiva praticada no país ocupa cerca de 50% das áreas produtivas). No entanto, o mais importante é cobrar dos tomadores de decisões como prefeitos, governadores, ministros e presidente, uma postura voltada para a conservação e não para o lucro econômico.
Provavelmente, perceberemos num futuro não muito distante, que preservar o meio ambiente é ação mais lucrativa a se tomar. Quando se fala em etanol como biocombustível, deve-se levar em conta o grande impacto que pode ser gerado na natureza. Até agora, o grande benefício citado tem sido o seqüestro de dióxido de carbono pelas plantas, mas pouco se fala sobre a perda de solo, sobre a ameaça à biodiversidade, sobre as grandes extensões de terra necessárias para as plantações voltadas para a produção de agrocombustíveis. Todos esses fatores contribuem para um grande aumento na Pegada Ecológica do país. Substituir o petróleo pelo etanol, provavelmente não solucionará nossos problemas. Estaremos apenas realocando o problema, porém não o resolvendo.

Quais são os sistemas ou as atitudes que contribuem para a redução da Pegada Ecológica no Brasil?

No Brasil, há o exemplo de algumas cooperativas de produção de etanol. Microdestilarias integradas seriam o sistema ideal para reduzir os impactos do sistema de cultivo de cana-de-açúcar sobre o meio ambiente, além de possibilitar a produção de alimentos e serviços ecossistêmicos dentro da mesma propriedade.

Há uma previsão de limite para o uso dos recursos do meio ambiente?

Por definição, não há taxa de uso renovável quando se utilizam recursos não-renováveis. Como o desenvolvimento atual se baseia nesse tipo de fonte, provavelmente haverá um momento em que esses recursos se esgotarão. Segundo alguns pesquisadores, a previsão é de que o petróleo se esgote em 50 anos. Porém, as pesquisas avançam no sentido de buscar substitutos, ao invés de mirar uma diminuição nos padrões de consumo. Com certeza, em algum momento não muito distante, o Planeta não será mais capaz de produzir tais recursos e de assimilar os resíduos gerados pela população humana.

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A expressão Pegada Ecológica é a tradução de “Ecological Footprint” e se refere à quantidade de terra e água necessárias para sustentar a geração atual, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população. O termo foi usado primeiro em 1992 por William Rees, um ecologista canadense e professor da Universidade da Colúmbia Britânica.
Em co-autoria com o advogado ambientalista suíço Mathis Wackernagel, William Rees publicou em 1995 o livro “Our Ecological Footprint: Reducing Human Impact on the Earth”. Wackernagel é hoje o Diretor-Executivo da ONG Global Footprint Network, instituição especializada na Pegada Ecológica.
A Pegada Ecológica é usada como um indicador ambiental para medir e gerenciar o uso de recursos através da economia. É uma referência que define a sustentabilidade do estilo de vida de indivíduos, produtos e serviços, organizações, setores industriais, vizinhanças, cidades, regiões e nações. A Pegada Ecológica de uma população tecnologicamente avançada é, em geral, maior do que a de uma população subdesenvolvida.

Revista ECO 21 - 144

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