domingo, 14 de dezembro de 2008

Entrevista com Wangari Maathai



C. T. Pope e Sarah Haughn
Jornalistas do Circle of Blue

Numa entrevista concedida à Circle of Blue (rede de jornalismo dedicada à análise da crise no meio ambiente), a vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Wangari Maathai, discute o papel das florestas no armazenamento de águas pluviais. Ela enfatiza a importância de dedicar tempo na educação de comunidades e governos para que esses entendam e protejam suas florestas nativas. Maathai é fundadora do Green Belt Movement (Movimento do Cinturão Verde), que atua ao Leste do Continente Africano, e foi também a primeira mulher do Leste da África a receber um Ph.D da Universidade de Nairóbi. A entrevista faz parte de uma cobertura feita pela Circle of Blue sobre a corrupção no setor público de águas no Leste africano.


Tendo em vista a corrupção do setor de distribuição de água, quais são os obstáculos que vêm enfrentando os países do Leste da África?

Bem, antes de mais nada, creio que devo começar falando sobre a fonte de nossa água. Nossa água se origina das florestas. Durante anos buscamos encorajar o comprometimento do governo com uma administração mais responsável e atuante nas áreas de floresta das montanhas do Leste da África.
Procuramos evitar que elas fossem usadas como moeda-de-troca eleitoral, ou que fossem utilizadas para o assentamento de povos desabrigados, isso porque essas florestas são a principal fonte de nossa água e precisam ser administradas com competência.
Infelizmente, como ainda não resolvemos a questão do desmatamento, o resultado direto disso é a escassez de água nos países do Leste africano. Quanto mais avançarmos dentro das nossas florestas, mais vulneráveis nos tornaremos.
Outra questão a ser considerada – não necessariamente relacionada à corrupção, mas sim às consideráveis mudanças climáticas e seus impactos no meio ambiente – é o fato das geleiras nas montanhas do Leste estarem derretendo a largos passos, o que resulta na perda considerável de volume e na seca de diversos rios da região.
Este fato afeta diretamente as florestas que, como mencionei anteriormente, são mal administradas e usadas com freqüência para satisfazer interesses puramente políticos.
A terceira e última questão que devo destacar – na qual venho batalhando há anos – diz respeito a implantação do sistema Shamba, hoje conhecido como Pelis, nos países leste-africanos. Este sistema opera da seguinte forma: substitui florestas nativas por plantações comerciais de eucalipto e pinho. Ultimamente, a produção comercial dessas plantações vem sendo bastante lucrativa à indústria madeireira. E é esta indústria que costuma pressionar o governo a permitir a destruição de florestas nativas para a produção comercial de árvores – e é aí que entra a corrupção. Uma vez que se usa a floresta para a plantação comercial de pinho ou eucalipto, produz-se mudanças drásticas no seu ecossistema e, por conseqüência, na sua capacidade de armazenar águas pluviais que alimentam córregos e rios da região. Portanto, como pode perceber, são esses os focos onde aponto a corrupção como fator predominante e responsável pela extrema vulnerabilidade do sistema de distribuição de água desses países.

Poderia comentar o papel das comunidades dessas áreas quanto às questões relacionadas à corrupção no setor das águas?

Em primeiro lugar, devemos lembrar que as comunidades que vivem em áreas próximas a florestas nativas também são as que têm a capacidade de salvá-las – parcialmente porque habitam o perímetro das florestas, mas basicamente porque vêem com mais clareza o impacto do homem e sobrevivem do uso direto dos recursos oferecidos pela floresta.
No entanto, vê-se freqüentemente que essas comunidades também são as que pressionam seus governos para que estes permitam a plantação comercial em áreas florestadas ou libere acesso à matéria-prima da floresta. Isto indica que é necessário um esforço enorme em prol da conscientização e educação dessas comunidades, para que aprendam que o valor dos serviços oferecidos pela floresta é maior que o valor dos produtos obtidos com sua destruição. E é essa exatamente a área de atuação do Green Belt Movement. Buscamos trabalhar junto às comunidades para educá-las a não pressionarem seus governos na remoção de florestas, mas sim para que nos pressionem para protegê-las.

Quão bem-sucedida foi a iniciativa que você implantou no Quênia?

A iniciativa deu certo, mas não 100% certo. Isso porque, infelizmente, tratava-se de um segmento brando e muito pobre da população – fazendeiros e trabalhadores que cultivavam chá e café nas encostas dos morros florestados. Bom, quando se trata de pessoas muito pobres, é difícil orientá-las a valorizarem a floresta com a promessa de um retorno mais lucrativo em longo prazo. São pessoas que precisam resolver os problemas de hoje, agora. Por isso, não é raro vê-las pressionando o governo para que possam cultivar ou transformar áreas de floresta nativa em plantações, mesmo tendo plena consciência que futuramente estarão prejudicando a si próprios como também as seguintes gerações que estão por vir.
Mas quando se trabalha com um panorama agudo de pobreza, onde o indivíduo é forçado a lidar com problemas diários de sobrevivência, fica difícil fazer com que percebam que os frutos das ações de agora não são tão valiosos quanto os colhidos 20, 30, talvez cem anos depois. A tendência, nesses casos, é dar atenção às questões de hoje.
Tendo dito isso, também destaco que venho recebendo bastante apoio da opinião pública geral do Quênia quanto à questão da preservação das florestas nativas. E se você vem prestando atenção nas recentes discussões sobre o assentamento de famílias nas encostas do Complexo de Florestas Mau, terá percebido que o primeiro ministro já se mostra preocupado com as ocupações, pois elas prejudicam o volume fluvial dos rios, especificamente o rio que deságua no lago Vitória e que está sendo usado pelo japoneses para gerar energia. Não fosse o alarme japonês quanto a constatação do baixo volume de águas desse rio – especialmente durante a estação de seca – creio que o governo não haveria mostrado interesse pela questão.
Felizmente [risos], em certos casos, os investidores têm mais voz que os cidadãos de um país. Governos tendem a dar ouvido às preocupações de um investidor antes do que às de seus cidadãos. Digo isso, pois, anos atrás, quando os japoneses propuseram a construção de uma hidroelétrica nos rios Sondu e Miriu – ambos nascem no Complexo de Floresta Mau e deságuam no Lago Vitória –, opusemos a proposta declarando que, caso o governo não protegesse a floresta Mau, permitindo o cultivo, assentamento e desenvolvimento de plantações comerciais, correríamos um grave risco de erosão nas encostas, o que resultaria na inevitável sedimentação de ambos os rios. Embora compreenda que a obra japonesa não sofra com a sedimentação tanto quanto a usina hidroelétrica do Rio Tana, percebo também que importância dada pelo governo à questão de assentamento e desmatamento das florestas, não está nem um pouco ligada a preocupação ambiental, mas sim ao impacto do baixo volume de água na nova usina japonesa.
Portanto, durante o período que ainda se propunha a construção das hidroelétricas, várias ONGs, incluindo o Green Belt Movement, se opuseram ao projeto e cobraram maior comprometimento do governo para com as florestas em encostas montanhosas de onde nascem nossos rios. Obviamente, não nos escutaram. Mas, por incrível que pareça, o governo japonês vetou o projeto. Mais tarde, porém, ele voltou a operar. Hoje, o projeto se vê ameaçado dada as baixas condições fluviais que escoem das montanhas para os rios. E esse seria um dos motivos principais para o governo estar trabalhando na retirada dos assentamentos do Complexo Mau.
Muitas vezes, um governo permite a entrada de uma comunidade numa área florestada, o que gera uma série de danos irreparáveis ao ecossistema. E depois, no intento de encontrar uma solução para o problema, descobre-se que é tarde demais.

Nas duas últimas décadas, foi possível notar a variação incessante dos níveis de água do Lago Vitória?

Bom, não tenho certeza absoluta sobre o que vem acontecendo no lago. Não possuo nenhum tipo de dado que possa esclarecer precisamente se o volume de água do Rio Nilo diminuiu nos últimos anos. O que sabemos e podemos afirmar é que definitivamente há menos água entrando no Lago Vitória devido aos danos causados às florestas de onde nascem os rios que lá deságuam. A lista inclui o complexo de florestas Mau, o qual mencionei anteriormente, assim como as montanhas Cherengani e o monte Elgon.

Se você pudesse fazer um breve comentário sobre a importância da preservação de nossas fontes de água, o que você diria?

Esse é um dos problemas que enfrento todos os dias. Às vezes, buscamos ser breve e resumir um tema complexo com poucas palavras. Infelizmente, na maior parte das vezes, as pessoas não costumam fazer a ligação lógica entre o que se passa com as florestas e o que se passa com a degradação de nossos rios, com a contaminação de nossos reservatórios de água, ou quando deixamos de coletar e armazenar água pluvial – não faz parte de nossos hábitos relacionar esses fatos com o impacto gerado pelo desaparecimento de um rio; ou uma simples escassez do volume de água; ou irregularidades nas estações de chuva. Por isso, acredito que precisamos educar o povo, sem pressa. A educação dura tempo. E quanto mais as pessoas compreenderem que há uma ligação direta e lógica entre a falta de água no seu dia-a-dia e os impactos que elas causam ao ecossistema que as cerca, maior será a preocupação quanto às fontes de onde nascem nossas águas.
Não foram raras às vezes que ouvi o seguinte comentário: “Precisamos dar água às pessoas; precisamos escavar poços”. Bom, se é para escavarmos poços, é melhor que haja água sob a terra.
E para que haja um nível de água no mínimo razoável sob a terra, é necessário que haja reservatórios que sejam capazes de armazenar águas pluviais. E o melhor e mais eficiente recipiente de água da terra é a floresta. Por isso, proponho-me, através do incentivo à educação, a encorajar as pessoas a entenderem o quão importante é estabelecer a ligação entre os ecossistemas que as cercam e o impacto que este pode gerar nos recursos essenciais – como a água – para a manutenção da vida.

Porque é que se tornou tão difícil capturar a atenção da mídia quanto às questões relacionadas à água em países como o Quênia e outros tantos?

Bom, creio que seja o mesmo problema que apontei anteriormente. A mídia definitivamente não concatena as diversas discussões. Em Nairóbi, enquanto eu e você conversamos, neste exato momento pessoas estão se enfileirando com jarros na mão aguardando a chegada de água.
Enquanto se mantiverem caladas, calmas e ordenadas, essas pessoas não renderão nem uma história, quiçá uma foto. Mas se elas passarem a se rebelar, inconformadas com sua condição, aí sim a mídia irá se interessar, obviamente.
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Tradução: João Philippe Inada
Revista ECO 21 - 143

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