quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Eric Hanushek - Educação é dinheiro

17 de setembro de 2008


Especialista em combater com números os mitos sobrea sala de aula, o economista americano mostra como o bom ensino pode ser decisivo para o crescimento econômico

Poucos estudiosos se dedicam a compreender a educação com uma visão tão científica quanto a do americano Eric Hanushek. Professor da Universidade Stanford e doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ambos nos Estados Unidos, é dele a mais extensa pesquisa já feita sobre os efeitos de um bom ensino no crescimento econômico. Nos últimos trinta anos, Hanushek vem travando embates com ideólogos da educação e os sindicatos de professores. É figura controversa, entre outras coisas, por ter sido o primeiro a afirmar que aumento de salário não influencia a qualidade do ensino – a não ser quando obedece a uma política de premiação aos melhores em sala de aula.


Seus estudos recentes comprovam uma forte relação entre educação e crescimento econômico. Com o Brasil nas últimas colocações em rankings internacionais de ensino, o que se pode dizer sobre a economia? Com esse desempenho, as chances de o Brasil crescer em ritmo chinês e se tornar mais competitivo no cenário internacional são mínimas. Digo isso baseado nos números que reuni ao longo das últimas décadas. Eles mostram que avanços na sala de aula têm peso decisivo para a evolução dos indicadores econômicos de um país. Olhe o caso brasileiro. Se as notas dos estudantes subissem apenas 15% nas avaliações, o Brasil somaria, a cada ano, meio ponto porcentual às suas taxas de crescimento. Isso significaria, hoje, avançar em um ritmo 10% maior. Vale observar que o que impulsiona a economia é a qualidade da educação, e não a quantidade de alunos na escola.


O Brasil colocou 97% das crianças na sala de aula. Isso não tem impacto na economia? A massificação do ensino, por si só, tem pouco efeito – e a matemática não deixa dúvida quanto a isso. Os dados mostram que a influência da educação passa a ser decisiva apenas quando ela é de bom nível. Aí, sim, consegue empurrar os indivíduos e a economia. A relação é simples. Países capazes de proporcionar bom ensino a muita gente ao mesmo tempo elevam rapidamente o padrão de sua força de trabalho. Quando uma população atinge alta capacidade de raciocínio e síntese, torna-se naturalmente mais produtiva e capaz de criar riquezas para o país. Nesse sentido, a posição do Brasil é desvantajosa. Faltam aos alunos habilidades cognitivas básicas, e isso funciona como um freio de mão para o crescimento. Esse cenário, que já era preocupante décadas atrás, agora é ainda mais nocivo.


O que mudou nas últimas décadas? A relação entre boa educação e desenvolvimento econômico é antiga – mas a qualidade do ensino nunca foi tão relevante para o crescimento dos países. Isso porque, em sociedades altamente tecnológicas, a produtividade passou a depender ainda mais das habilidades desenvolvidas na escola. Os números lançam luz sobre o tipo de conhecimento que faz mais diferença: de todas as disciplinas apresentadas aos alunos, são as ciências exatas que, hoje, têm o maior peso para o crescimento econômico. Afinal, exige-se o tempo todo dos profissionais que sejam capazes de lidar com novas tecnologias e de solucionar problemas de alta complexidade. Ocorre não apenas na rotina de quem ocupa um cargo de alto escalão, mas também nas linhas de produção mais simples. Quanto mais gente preparada para enfrentar tais questões, mais chances um país terá de avançar.


Os Estados Unidos são a maior economia do planeta, mas não figuram entre os países de melhor ensino. Isso não é contraditório? Não. Além de uma educação de bom nível, dois outros fatores têm impacto decisivo sobre o ritmo de crescimento de um país: o grau de abertura de sua economia e a segurança institucional que ele oferece, medida pela capacidade de garantir o direito à propriedade privada. Historicamente, os Estados Unidos sempre estiveram muito à frente dos demais países nesses dois quesitos. Outro antigo diferencial americano são as universidades, que ocupam o topo do ranking da excelência. Há décadas elas funcionam como um poderoso motor para o progresso científico e tecnológico, de valor inestimável para a economia do país. Até agora, esse conjunto de fatores ajudou a compensar o desempenho medíocre dos estudantes americanos no ensino básico. Essa vantagem, no entanto, está ameaçada.


Por que o senhor diz isso? Mais países começam a atingir graus de abertura da economia e patamares de desenvolvimento institucional semelhantes aos dos americanos. Também já aparecem, fora dos Estados Unidos, dezenas de universidades onde podem originar-se descobertas científicas relevantes ou mesmo um Prêmio Nobel. Significa que os americanos deixaram de ser os únicos a se destacar em áreas nas quais, bem pouco tempo atrás, não tinham rivais. Caso a qualidade da educação básica ofertada nos Estados Unidos não melhore, a liderança econômica do país ficará seriamente ameaçada. Repare que me refiro aqui apenas aos estragos da má educação. Não estou sequer levando em conta as outras variáveis que podem contribuir para isso.

O impacto da educação na economia varia de um país para outro? Os países que mais se beneficiaram do investimento no ensino, como Coréia do Sul e Finlândia, têm um ponto em comum: são economias abertas. Temos aqui um ciclo virtuoso. Para competirem globalmente, esses países precisam de um exército de pessoas com altíssima capacidade cognitiva – e, contando com elas, lucram como nenhum outro com a concorrência. Quando boa educação vem aliada a uma economia aberta, seu efeito no PIB é três vezes maior do que em países mais fechados.


As salas de aula estão repletas de experiências pedagógicas. O senhor chegou a alguma conclusão sobre qual o melhor caminho para alcançar a qualidade acadêmica? De todos os fatores numa escola, certamente o que mais explica a excelência na sala de aula diz respeito à capacidade dos professores de despertar a curiosidade intelectual dos alunos e lhes transmitir conhecimento. É algo básico, mas freqüentemente ignorado. Veja o que revelam os números. Tendo um ótimo professor durante cinco anos seguidos, uma criança egressa de um ambiente de pobreza e analfabetismo poderá alcançar o mesmo nível de conhecimento de outra vinda de uma casa em que os pais têm diploma de ensino superior e boa situação financeira. A questão é que os diretores das escolas raramente aplicam os critérios certos para rastrear os bons profissionais.


Por que eles erram tanto? Valorizam tempo de experiência e cursos de especialização, quando esses são fatores sem nenhuma relação relevante com a qualidade das aulas. Os educadores resistem a aceitar essa idéia, mas as pesquisas não deixam dúvidas: os Ph.Ds. não apenas não são necessariamente os melhores professores, como muitas vezes figuram entre os piores. Já se conhecem, portanto, algumas das características que não definem um bom professor. O que não se sabe até hoje é o que, de fato, faz um profissional sobressair na sala de aula.


O senhor está dizendo que não há uma explicação estatisticamente confiável sobre as características que determinam um bom professor? Existem muitas suposições, mas nenhuma delas tem valor científico. Por isso fica tão difícil estabelecer critérios prévios para a seleção dos melhores professores – e erra-se tanto. É possível, no entanto, tomar medidas para segurar os mais brilhantes na escola e eliminar os mal preparados.


Qual é a melhor maneira de fazer isso? O método mais eficaz, sem dúvida, é aderir à meritocracia. Entenda-se por isso oferecer incentivos financeiros e carreira atraente a quem merece. É fácil identificar os mais eficientes. São aqueles que, ao término de um período escolar, conseguiram melhorar o desempenho de seus alunos em relação ao patamar do qual partiram no início do ano. Para premiá-los, não quero dizer apenas pagar-lhes 200 ou 300 dólares a mais no fim do ano. O que defendo é mais radical – algo que nem nos Estados Unidos, país à frente nesse quesito, foi implantado.


O que, exatamente, o senhor propõe? Faria muito bem às escolas manter salários mensais diferenciados para os bons professores, poder demitir os incapazes e proporcionar, enfim, um ambiente tão competitivo quanto o de uma grande empresa. Depois de tudo o que pesquisei, afirmo com segurança: reconhecer concretamente os talentos individuais é a medida mais eficaz quando se trata de preservar apenas os professores mais talentosos – e melhorar o ensino. Infelizmente, não é tão fácil pôr essa idéia em prática.


Quais são as dificuldades? Primeiro, é preciso desenvolver mecanismos confiáveis para medir o desempenho de alunos e professores. O problema é que a maioria dos países em desenvolvimento não conta ainda com um sistema de avaliações que permita comparar resultados ao longo dos anos, algo em que o Brasil é uma boa exceção. Um segundo obstáculo é o corporativismo dos sindicatos de professores. Eles são os primeiros a se opor a qualquer medida em favor da premiação ao mérito. Como essas organizações têm, em geral, grande peso na definição das políticas públicas de educação, a meritocracia emperra. Tal é o corporativismo sindical que sua principal bandeira sempre foi o aumento generalizado dos salários. Dizem que só assim o ensino vai para a frente.


Até que ponto isso é verdade? Aumentar os salários de todos os professores de uma mesma rede de ensino não contribui em nada para melhorar a qualidade das aulas. Afirmo isso ancorado nos fatos, e não na intuição, como preferem muitos educadores. Ao defender a isonomia salarial e repudiar aumentos atrelados a resultados, os professores não se baseiam em nenhuma espécie de evidência científica de que a medida funcione em favor do ensino. Lutam por isso apenas porque é bom para eles.

Na educação, por que é tão raro que especialistas, educadores e autoridades se rendam às evidências científicas? Além dos interesses políticos, que passam ao largo da ciência, como ocorre em tantas outras áreas, um segundo fator específico da educação pesa contra a objetividade: não sendo uma ciência exata, as pessoas se sentem um pouco especialistas no assunto. Agrava o problema o fato de a sala de aula ser um lugar que, um dia na vida, todo mundo freqüentou. O resultado dessas crenças é perverso: no mundo todo, ainda são raras as políticas na educação guiadas por evidências empíricas, colhidas ao longo de estudos longitudinais e realizadas com rigor científico, como ocorre em outros setores. Políticas respaldadas em achismos são desastrosas. Elas fazem os países perder dinheiro duas vezes.


Como a falta de rigor científico nas medidas para a educação causam prejuízo a um país? Ao se perderem em opiniões vazias de pretensos especialistas, os governos desperdiçam a chance de se beneficiar de práticas já testadas com sucesso. Ao contrário disso, investem tempo e dinheiro em medidas inócuas, que não resistiriam a uma consulta rápida às experiências internacionais e a um mergulho nos números. Eles logo revelariam sua inutilidade. Mesmo grandes instituições cheias de boas intenções cometem erros básicos por subestimar os fatos.


O senhor citaria uma? Sim, o Banco Mundial. Ele erra ao investir em programas mais focados na quantidade de alunos do que propriamente naqueles com o objetivo de elevar o padrão do ensino. Chegar à escola é um primeiro passo – mas só isso. O que determina mesmo o crescimento de um país é quanto de conhecimento poderá ser extraído da sala de aula.

http://veja.abril.com.br/170908/entrevista.shtml

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