Domenico de Masi
3/12/1998
Sociológico italiano, Domenico de Masi defende uma nova sociologia do trabalho, baseada na criatividade e no que ele classificou como ócio criativo
Paulo Markun: O Roda Viva, na série das edições especiais, reapresenta hoje uma das entrevistas de maior repercussão da história do programa. É a do sociológico italiano Domenico de Masi, defensor de uma nova sociologia do trabalho, baseada na criatividade e no que ele classificou como ócio criativo, para que as pessoas possam ocupar o tempo livre tendo mais lazer, ampliando seus estudos e tornando-se melhores profissionais. Domenico de Masi foi diretor de empresa e é professor titular de sociologia na Universidade de Roma La Sapienza. Fez um amplo estudo sobre a emoção e a regra, onde conta como a criatividade impulsionou algumas empresas na Europa no último século. Questionador das relações convencionais de trabalho, de Masi abriu uma nova discussão em torno de questões centrais da Educação, da formação profissional, e das relações de trabalho. Ele argumenta que a criatividade é o maior capital dos países ricos, e que esses países vivem, literalmente, de terem boas idéias. A entrevista que fizemos com o professor Domenico de Masi foi gravada em dezembro de 1998, na primeira visita que ele fez ao Brasil. Para entrevistar Domenico de Masi, estão aqui o jornalista Albino Castro, editor executivo da Gazeta Mercantil; o ex-faxineiro e ex-office boy Max Gehringer, presidente da Pullmam Plus Vita, palestrante e autor do livro Relações desumanas no trabalho; o sociólogo Danilo Miranda, diretor do Sesc no Estado de São Paulo; o engenheiro Milton Seligman, presidente do INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; o empresário Rodrigo da Rocha Loures, presidente da Nutrimental Comércio e Indústria de Alimentos; a jornalista e empresária Mônica Falconne; e o jornalista Marco Antônio de Rezende, diretor de redação da revista Vip-Exame.
Paulo Markun: Lendo as entrevista do senhor, lendo o seu livro, e todas as declarações que eu vi, me passa a sensação de que o senhor é um enorme otimista, que o senhor tem uma visão muito positiva sobre o futuro da humanidade e sobre o futuro do trabalho e das relações do trabalho. Embora, aqui e ali, nos seus artigos, haja o reconhecimento de problemas que a gente terá que enfrentar, como por exemplo, o do desemprego, a visão geral me parece otimista. O que é que sustenta esse otimismo?
Domenico de Masi: Tenho muitos amigos intelectuais que, às vezes, dizem que queriam ter vivido no século XVIII [sociedade em que as camadas superiores, nobreza e clero, eram ociosas e sustentadas por uma camada trabalhadora], ou na época dos gregos, dos romanos [sociedades compostas por homens livres e escravos], ou no Renascimento. Creio que esses amigos se iludem, achando que, se tivessem vivido naquelas épocas, seriam príncipes ou aristocratas; pois, se tivessem sido pessoas comuns, certamente teriam vivido mal em comparação com os dias de hoje. Além disso, se iludem achando que seriam príncipes, com boa saúde, pois bastava ter uma dor dente, vinte ou trinta anos atrás, para que isso fosse uma grande tragédia. Então, acho impossível não sermos otimistas em uma situação como a atual. Pensemos um pouco nos dados. Em 800 gerações, desde o homem de Neandertal [hominídeo que teria vivido há cerca de 125.000 a 30.000 anos atrás] até nossos avós, a média de vida humana girou sempre em torno de 29 a 30 anos, cerca de 300.000 horas. Quanto aos nossos bisavós na Itália, os homens viviam 32 anos; as mulheres, 33 anos. Hoje, em apenas duas gerações, temos uma média de vida de 79 anos no caso dos homens e 82 anos para as mulheres. Portanto, a média de vida dobrou em apenas duas gerações. Simplesmente para tomar um banho, nossos bisavós tinham um trabalho enorme: pegar a água do poço, aquecê-la no fogo, acender o fogo - o que era difícil, pois não havia gás - e, finalmente, tomar banho. E, na mesma banheira, na mesma água, três ou quatro pessoas tomavam banho em seguida. Portanto, desde sempre os seres humanos esperaram trabalhar o menos possível, ser o mais rico possível, cansar-se o menos possível, sofrer o menos possível. Tudo isso ainda não foi plenamente atingido. Mas estamos no caminho certo.
Paulo Markun: Isso! Mas, por exemplo, na época de Atenas, de Aristóteles [filósofo grego, 384-322 a. C.], que o senhor menciona nos seus livros, existia isso, mas havia uma legião enorme de escravos para sustentar essas condições confortáveis e a possibilidade de um trabalho intelectual de uma elite.
Domenico de Masi: Certo!
Paulo Markun: Hoje em dia nós não temos escravos, mas temos algumas coisas parecidas, e a desigualdade é extrema. E, finalmente, as pessoas que estão na base da sociedade, muitas delas estão condenadas a não ter trabalho justamente porque são incapazes de enfrentar esses novos tempos.
Domenico de Masi: Ser otimista não significa esquecer os povos oprimidos e os marginalizados. Ser otimista significa apenas o seguinte: estar ciente dos problemas do mundo, de todos os sofrimentos existentes, da miséria, mas ver também a possibilidade de salvação. Creio que, graças a uma série de elementos, como o progresso tecnológico, o progresso científico, a globalização, etc., vê-se finalmente uma luz no fim do túnel. É claro, os gregos tinham escravos, mas o progresso humano nunca evoluiu uniformemente. Houve pouco progresso humano em 80 milhões de anos. Depois, na Mesopotâmia, há sete mil anos, o progresso foi extraordinário. A descoberta da escrita, da economia, da moeda, da astronomia. A astronomia permitiu viagens mais longas e trocas melhores. Depois, difundiu-se a idéia de que tudo que havia para ser descoberto já o havia sido. Aristóteles diz na Metafísica [nome dado às obras de filosofia primeira colocadas depois da física]: “Tudo o que os homens podiam descobrir para seu bem-estar material e sua qualidade de vida já foi descoberto. É hora de nos dedicarmos ao progresso do espírito”. Portanto, havia a convicção de que o progresso fôra esgotado e da disponibilidade das mais perfeitas máquinas já inventadas, ou seja, os escravos. Em Atenas, na Era de Péricles [século V a. C., apogeu da democracia ateniense], havia 40 mil homens livres, 20 mil metecos - estrangeiros naturalizados - e 350 mil escravos. Cada homem livre, em Atenas, tinha entre escravos, esposas e donas de casa, oito ou nove escravos à sua disposição. Hoje temos as lava-louças, as máquinas de lavar, elevadores, telefones... Calcula-se que tenhamos em média 33 escravos por pessoa.
Marco Antônio: Eu queria trazer a discussão para o Brasil, logo. O senhor tem sido um teórico muito elegante do pós-industrial, do tempo livre, do lazer, do ócio criativo, como o senhor disse. Mas como é possível aplicar esses conceitos, que o senhor desenvolve tão bem, num país como o Brasil que, em certos aspectos, vive ainda numa era pré-industrial e que tem problemas gravíssimos - de uma Índia, não é? - convivendo com alguns aspectos muito modernos. Faz sentido falar de ócio criativo, ou de gestão do tempo livre, num país como o Brasil?
Domenico de Masi: Faz mais sentido ainda do que nos outros países por um simples fato: porque - como direi depois, se houver a oportunidade - o século XX foi guiado pelos países que organizaram, que souberam organizar o trabalho. O século XXI será dominado pelos países que souberem gerenciar o tempo livre. Mas isto requer um pouco de tempo. Começo pelo que o sr. disse sobre a sociedade pós-industrial. Nos últimos séculos, passamos por três épocas importantes. Uma dominada pela produção rural, na qual o poder estava nas mãos dos donos de terras. Essa época durou cerca de sete mil anos. Depois, no fim do séc. XVIII, e durante todo o séc. XIX, houve uma grande revolução, que hoje chamamos de Revolução Industrial. Essa revolução causou um transtorno geral. A sociedade não estava mais centralizada na produção de bens rurais, mas na produção em grande escala de bens materiais. A sociedade industrial não abriu mão dos produtos rurais. Abriu mão dos camponeses, substituindo-os por adubos, tratores, etc. Graças à sociedade industrial, e graças também aos sacrifícios terríveis que a sociedade industrial impôs ao mundo, incluindo duas grandes guerras mundiais, hoje essa própria sociedade industrial gerou uma sociedade totalmente nova, a pós-industrial. Não mais centralizada na produção em grande escala de bens materiais, mas na produção em grande escala de bens não materiais. Ou seja, informações, serviços, estética, valores, símbolos. Hoje, o poder está nas mãos de quem produz essas coisas. Agora, o Brasil... É claro que o país ainda tem um percentual enorme de pessoas em situação rural, pré-industrial, ou até mesmo em um ruralismo muito, muito antiquado. Mas uma sociedade se caracteriza não pelos extremos inferiores; mas, pelos superiores. O Brasil também é hoje uma sociedade pós-industrial. Porque os métodos de domínio e poder são pós-industriais, e não rurais. Podemos falar de sociedade pós-industrial mundial, até nos países mais atrasados, já que participam de uma divisão internacional de tipo pós-industrial. Ou seja, em primeiro lugar no mundo, a hegemonia é açambarcada pelos países que têm o monopólio das idéias, da pesquisa científica, das patentes, da mídia de massa. Depois vêm os países cuja produção é industrial. E, enfim, os países condenados a consumir sem produzir. O Brasil está nesta situação: não é mais um país condenado tão somente ao consumo, mas ainda não é um país ideal. É um país onde há deslocamento de fábricas. Cem anos atrás, um país onde havia muitas fábricas era um país líder, um país de poder. Hoje um país que tem fábricas é um país atrasado. Uma fábrica, na sociedade pós-industrial , não digo que seja como uma favela, mas falta pouco. Um país não é evoluído se tem muitos supermercados e muitas fábricas. Os supermercados e fábricas, que na era industrial indicavam o progresso, indicam hoje uma situação intermediária entre Primeiro e Terceiro Mundo. Isso é visível nos salários. Em média, a hora de trabalho em Nova Iorque custa US$ 24. Em Cingapura, custa US$ 7; na China, US$ 1; na Malásia, US$ 0,65; e no Brasil custa US$ 12. Portanto, é uma situação intermediária entre os países líderes e os subalternos. É um grande perigo, mas também uma grande oportunidade. O Brasil poderia tornar-se o país líder entre todos os países, todas as nações que não são mais do Terceiro Mundo, mas que devem dar o salto para o Primeiro Mundo.
Marco Antônio: Professor, já que estamos neste ponto, uma segunda pergunta! Na sua opinião, conhecendo bem o Brasil - o senhor viajou vários estados do Brasil, esteve aqui algumas vezes – em que direção o Brasil deveria caminhar? Estou falando aqui realmente de como imaginar o formato desse país. Investir pesadamente na indústria, tentar reformar a nossa estrutura agrária... Transformar o Brasil numa Suíça, fabricando coisas de alta tecnologia, na primeira potência mundial do turismo. O senhor sabe que o Uruguai, pequenininho, lá no sul, recebe mais turistas - em números absolutos - que o Brasil, com 8.000 km de praias fantásticas? Então, que idéias o senhor daria em termos práticos para levar o Brasil, desse segundo mundo em que ele se encontra, para o primeiro, e evitar que ele caia no terceiro?
Domenico de Masi: Seria pretensão poder dar conselhos a um país tão grande e diversificado como o Brasil, e com tanta gente de talento. Sou sociólogo, mas conheço as obras de muitos sociólogos brasileiros. O seu próprio presidente da República [Fernando Henrique Cardoso] escreveu, muitos anos atrás, um livro sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, e que usei, na época, com meus alunos na Itália, porque é um clássico mundial. Portanto, não posso, absolutamente, ter a pretensão de dar idéias. Porém, a minha opinião é esta: uma economia sadia é diversificada e abrangente. Ela não pode centrar-se só na agricultura, na indústria, nos serviços, ou só no tempo livre. A questão é saber dosar os vários ingredientes da economia. É claro que, até o século XI, a dose proeminente era a da agricultura. Mas, Adam Smith, no fim do século XVIII, já previa o desenvolvimento do comércio. Claro que, nos séculos XVIII e XIX, para os países líderes, prevaleceu neste mix a dose industrial. O fato é que o futuro será determinado, sobretudo, pela pesquisa científica, pela pesquisa estética e pelo tempo livre. Agora eu me pergunto: o que o Brasil tem para satisfazer essas três coisas? E o que deveria ter? Em geral, os países líderes impõem aos subalternos que percorram de novo todas as etapas do progresso. Até mesmo meu colega americano Daniel Bell, com quem discuti várias vezes o assunto. Segundo ele, um país rural não se torna pós-industrial sem antes passar pela fase industrial. Portanto, um país rural deve esgotar a fase rural para se tornar industrial e, só depois, se os Estados Unidos o consentirem, terá o prazer e a honra de ser pós-industrial. Eu, no entanto, acho que um país rural pode passar diretamente para o pós-industrial, sem perder tempo na fase industrial, desde que tenha condições: grandes universidades, uma grande literatura, e uma grande arte. Agora eu lhe pergunto: seu país tem uma grande literatura, uma grande arte, uma grande pesquisa científica? Imagino que sim, quanto aos dois primeiros itens. E quanto ao terceiro, não. O Brasil tem tudo para se tornar líder na arte, na literatura, e no tempo livre, mas ainda não desenvolveu muito a pesquisa científica. Acho que poderia se tornar o líder dos países intermediários, justamente neste setor. Pois esses países - e neles incluo a Itália, que é o país de onde venho - são países que, muitas vezes, são atrasados devido à pesquisa científica. Saibam que, de cada 80 em 100 produtos que o Japão pôs à venda no mercado, nos últimos dez anos, sessenta tinham patentes americanas. Isso significa que, sobre 60 produtos, o Japão paga royalties aos Estados Unidos. Não é uma crítica aos Estados Unidos. Eles foram muito inteligentes, a ponto de acolher todos os talentos, quando nós, na Europa, com o nazismo e o fascismo, os mandávamos embora. Digo que temos de imitar os Estados Unidos sob esse aspecto. Temos de gastar com Educação, formação, com universidades. E acho que, no Brasil, o primeiro passo a seguir seria, certamente, eliminar o excesso de analfabetismo. Há dois anos fiz uma série de conferências em Fortaleza, onde o índice de analfabetismo é alto. Em uma delas, estava na universidade com estudantes e professores. E ao professor que pediu minha sugestão sobre o analfabetismo eu disse isto: “Todo universitário sabe ler e escrever. Portanto, pode ensinar isso a uma criança. Se cada universitário de Fortaleza, no exame, qualquer um, química, física, matemática ou sociologia, além de levar os livros de estudos, levasse também uma criança alfabetizada, cada estudante alfabetizaria ao menos vinte crianças. Em três ou quatro anos, não haveria mais analfabetismo lá”.
Marco Antônio: Uma ótima idéia.
Domenico de Masi: Isso pode ser feito também em São Paulo, no Rio, como também no sul da Itália, onde o índice de analfabetismo ainda é alto.
Albino Castro: Professor, eu vou colocar uma questão dessas semanas, desses dias. O senhor, no final dos anos 80, falava que a questão do trabalho se voltava entre o proletariado e a burguesia, que nos anos 80 a batalha se dava entre inovadores e tecnocratas conservadores. E essa década, que é a década de 90, que está acabando, seria uma década de criativos versus burocratas. Com o embrulho financeiro dos nossos dias, no final dos anos 90, o senhor acha que há excesso de criatividade ou é excesso de burocracia?
Domenico de Masi: Desconheço o mercado financeiro brasileiro.
Albino Castro: Não, não! Não o nosso! Refiro-me ao mundo.
Domenico de Masi: Ah, no mundo. No mundo, não...
Albino Castro: Isso! A desregulação que existe hoje no mercado financeiro.
Domenico de Masi: Neste caso sou otimista e é fácil sê-lo, por um simples fato: temos tecnologia e ciência, que apresentam um progresso extraordinário. E as tecnologias que hoje temos à disposição substituem o trabalho humano. Enquanto as tecnologias simples, tal como o martelo, a serra, substituíam o trabalho humano apenas de caráter físico, as novas tecnologias, como o computador, substituem sobretudo o trabalho intelectual do tipo executivo. Portanto, agora, o trabalho físico, como o intelectual executivo, pode ser confiado às máquinas. Isto significa que resta ao ser humano o monopólio do trabalho criativo. Mas esse é o oposto da burocracia. Pois a criatividade é a fantasia aliada à realização. Realização sem fantasia gera burocratas. Portanto, burocracia e criatividade são opostos. O mundo atual precisa dos criativos, e já os premia. De fato, os atores, os criadores de moda, os cientistas, os artistas, são muito mais cortejados e gratificados que os executivos. Estamos num mundo em que se reduz progressivamente a tarefa executiva, que é delegada às máquinas, e reduz-se o espaço dos burocratas. Por sua própria vocação, os burocratas são sádicos. Um burocrata é feliz quando pode matar as idéias dos criativos. O burocrata é feliz ao poder dizer a frase: “Lamento, mas venceu o prazo”. É a frase que maior orgasmo proporciona aos burocratas. [risos] O burocrata vê os limites, ao passo que o criativo vê as oportunidades, e transforma até vínculos em oportunidades. Vamos em direção a um mundo em que não há mais o burocrata -e devemos dizer que muitas vezes são corruptos e, com o álibi do vencimento dos prazos, tentam corromper os clientes. Na sociedade pós-industrial, haverá cada vez menos lugar para os burocratas. Felizmente, pois são o oposto da estética, além do oposto da criatividade. A criatividade e a estética são as dimensões que, mais do que qualquer outra coisa, determinam nossa felicidade. E os burocratas determinam a nossa infelicidade.
Max Gehringer: O senhor defende sempre que as empresas devem criar mais tempo livre para seus funcionários. Ccom mais tempo livre, eles vão ser mais criativos; sendo mais criativos, eles vão ser mais felizes. O mundo parece estar caminhando na direção oposta, porque uma das doenças executivas que nós temos neste final de século é o estress: a enorme pressão cada vez maior que a empresa exerce sobre o funcionário, a pressão que o funcionário exerce sobre ele mesmo. E hoje parece que é moda dizer: “Eu estou estressado”. Desperta uma certa simpatia. Quando lhe dizia isso, minutos atrás, o senhor me disse: “O estressado é um masoquista!” [de Masi sorri e balança a cabeça em sinal de concordância] Então, eu gostaria que o senhor me explicasse isso, por favor.Domenico de Masi: Os progressos tecnológico e organizacional permitem a produção de maior número de bens e serviços com menos trabalho humano. De um lado, isto determina que, fora da empresa, o desemprego aumente. De outro, dentro da empresa, determina um fenômeno que chamo de "horas extras”. De fato, dentro da empresa, os empregados podem produzir muito mais em menos tempo. Isto quer dizer que hoje qualquer executivo, após quatro ou cinco horas, poderia ir embora. Mas os executivos se acostumaram a ficar somente no escritório. Acrescente a isto o ódio pra com a família; o ódio para com as atividades domésticas, sempre consideradas por eles como de qualidade inferior, adequadas às suas esposas. Geralmente, o executivo despreza a própria esposa. E, muitas vezes, a esposa o troca por outro. Pois, como o executivo está sempre longe de casa, as esposas são obrigadas a procurar nos encanadores - risos entre os entrevistadores; de Masi sorri brevemente e logo retoma a expressão séria que tinha antes] - uma maior companhia. E isso implica que todo executivo finge para si mesmo que tem muito trabalho. [risos esparsos; de Masi mantém a expressão séria] De fato, após quatro ou cinco horas, poderia ir embora. Concluí há pouco uma pesquisa sobre onze empresas italianas. O resultado foi que o trabalho dos executivos -não falo do alto executivo, mas do médio - é um trabalho que leva no máximo 5 ou 6 horas. Todos poderiam ir embora depois disso. Mas, na Itália, - não sei se aqui é assim - o executivo não só fica as 4 ou 5 horas necessárias, como fica até o fim do expediente. E, para demonstrar fidelidade ao chefe e à empresa, fica ainda mais algumas horas, que chamo de horas extras. Por isso, todo executivo aprendeu a estender para dez ou doze horas a atividade que podia realizar em 4 ou 5 horas. O que ele faz nesse tempo em que fica a mais na empresa? Ele faz duas coisas: ou faz reuniões, - [close em Gehringer, que ri do comentário do sociólogo] - geralmente inúteis, ou então cria normas para os outros. Por isso, aos poucos, a empresa se torna um grande emaranhado de normas. Estou dando consultoria a uma grande empresa italiana do ramo metalomecânico. Tenho reuniões mensais com o presidente e com seus dez maiores colaboradores. E, todo mês, dou uma lição de casa. Cada um deve trazer às reuniões duas normas a serem eliminadas. Portanto, como são onze, a cada vez são eliminadas 22 normas. Passaram mais de dois anos, e ainda faltam muitas. Apesar de termos eliminado mais de 200 normas, ainda existem muitas que arruínam a vida da empresa. As normas, as horas extras, quase sempre são para "fazer companhia" aos chefes. Ficam até tarde para fazer companhia ao chefe, que faz companhia ao dele, e assim por diante. As horas extras geram muita tristeza nas empresas. Os executivos felizes são raros. E, muitas vezes, se convencem de que o dever da empresa não é a felicidade dos funcionários. Mas observei que as empresas que têm mais êxito são as que seus funcionários são mais felizes, pois onde são mais felizes são mais criativos e, portanto, mais eficientes. Naturalmente, cria-se um círculo virtuoso que é o oposto das empresas onde impera a burocracia, nas quais todos estão tristes, diminui a criatividade e, portanto, a eficiência. John Galbraith, um badalado consultor americano... porque todos vocês adulam os consultores americanos e os pagam muito bem para que tragam os resíduos de suas teorias, como nós mandamos aqui velhos modelos de televisores e de geladeiras... Assim, as diversas empresas de consultoria vêm trazer a vocês idéias já obsoletas. De qualquer forma, Galbraith diz que as empresas americanas são sempre menos criativas. Não foram fabricantes de máquinas de escrever mecânicas que inventaram as elétricas. Os fabricantes de máquinas de escrever elétricas não inventaram as eletrônicas. Não foram os fabricantes de válvulas que inventaram o transistor. Aliás, a ITT [companhia global de engenharia e manufaturados, que comercializa, dentre outros produtos, conectores eletrônicos de aplicação computacional, industrial, aeroespacial e em telecomunicações], que detinha o monopólio do transistor, vendeu a patente a Akio Morita, presidente da Sony, pensando que o futuro seriam as válvulas.
Roda Viva
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/5/entrevistados/domenico_de_masi_1998.htm
terça-feira, 21 de outubro de 2008
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