domingo, 26 de outubro de 2008

Magda Soares - O livro didático e a escolarização da leitura


Salto Para o Futuro
Nome: Magda Soares


Formação: Doutora em Educação, Licenciada em Letras
Alguns livros publicados: - O ensino da Língua Portuguesa e Literatura brasileira 2° grau. Questões metodológicas. Brasília, MEC, 1981.- Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo, Ática, 1986. - Um olhar sobre o livro didático. Belo Horizonte, Dimensão, 1996.- Letramento: em tema três gêneros. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 1998.

O livro usado didaticamente em sala de aula – essa é uma expressão a respeito da qual convém pensar um pouco. Estamos falando do livro que é o livro que não é didático, que não foi feito para a escola. É o livro que é usado fora das paredes da escola, que serve a uma prática social de leitura e que é levado para a sala de aula. Sem dúvida isso tem de ocorrer, deve ocorrer, apenas é necessário que estes livros sejam trabalhados de maneira adequada. De qualquer forma, vai ser uma escolarização da leitura, é inevitável que a leitura se torne escolarizada, que esteja em qualquer área de conteúdo. Porque tudo que você traz para a escola é escolarizado, forçosamente. Mas há a boa escolarização e a má escolarização. Então, esse livro não-didático, trazido para a sala de aula, é um livro que é escolarizado, mas o que se deseja é que seja bem escolarizado. Que essa escolarização não mate as características básicas da prática social de leitura.


Salto: É possível a gente pensar que a história da educação no Brasil, de certa forma, se confunde com a história das cartilhas, dos livros didáticos, dos materiais pedagógicos?
Magda Soares – Não, acho que seria um pouco de exagero pensar que essa história se confunde, porque há uma certa interdependência entre o trabalho da educação e do ensino nas escolas, historicamente, e a história do material didático. Na verdade, ele existe desde que existe a escola e, pode-se dizer, de formas variadas. Mas ele vai se tornando mais presente, mais intensamente presente, na medida em que a clientela da escola se amplia e que, correspondentemente a isto, a formação dos professores e as condições de trabalho do professor vão se tornando mais difíceis. Então, surge a necessidade do material pedagógico, e entre ele o livro didático, para apoio ao professor e ao ensino. A intensidade da presença do material didático na escola e na sala de aula, relativamente, sempre existiu, se nós pensarmos em termos históricos.
Salto: Os livros didáticos, um pouco antes da década de 60, passavam de geração a geração. Hoje, os livros têm uma durabilidade menor, eles são modificados a cada geração. Existem mais títulos. Como é essa variação da nova concepção do livro didático?
Magda Soares – Essas são condições sociais, políticas, econômicas. É um fenômeno bastante complexo. Realmente, até os anos 60 os livros didáticos eram muito poucos. Basta lembrar, para citar um exemplo, que a Antologia Nacional, do Fausto Barreto e Carlos de Laerte, foi o livro das aulas de Português desde quando foi editado, que foi nos últimos anos do século XIX, até os anos 60, do século XX. A primeira edição é de 1895, a última é de 1968 ou 1969. Era o livro que dominava as escolas todas, na área do Português. A partir daí ocorre este fenômeno da multiplicação dos livros didáticos e também da vida curta que os livros passaram a ter. Há vários motivos para isso. Hoje em dia, pode-se dizer que a vida útil de um material didático é de 5, 6 anos, no máximo. Isso porque, primeiro, a multiplicação dos livros é, de novo, uma conseqüência do aumento da clientela, criando, portanto, um comércio mais atraente. Ao lado disso, o desenvolvimento da indústria gráfica no país, que data dos anos 60, 70, facilitando a publicação de muitos livros. E há uma terceira razão, mais substantiva, que é a mudança muito rápida do conhecimento. Então, existe a necessidade quase que permanente de atualização do material didático.
Salto: Antigamente existiam alguns livros padrões, que eram utilizados em vários lugares do país. Hoje, com o aumento de possibilidades, de opções, de enfoques do livro didático, surge uma nova questão: cada região, ou mesmo cada escola, acaba tendo a opção de escolher seu próprio livro didático. E em conseqüência, há uma diferença de abordagem, de enfoque, nas diversas regiões. Existe algum ponto negativo e/ou positivo dessa nova realidade?
Magda Soares – Olha, na verdade, não há tanta variedade assim, porque os livros se multiplicam, mas há sempre um tom comum. Porque eles refletem sempre o estágio do conhecimento num determinado momento e, quando eu falo conhecimento, é tanto do conteúdo, quanto dos conhecimentos pedagógicos também. Então, mesmo num país grande como é esse nosso, você vê uma certa homogeneidade dos livros didáticos. Além disso, há ainda esse outro aspecto que é a facilidade da distribuição no mundo atual. Então, um livro que é produzido num estado ele, rapidamente, chega em todos estados do Brasil. Há realmente mais homogeneidade do que heterogeneidade. O que, pensando em termos de ensino fundamental, é de certa forma positivo. Por quê? Se o ensino fundamental é para formar o cidadão brasileiro, nós não queremos um cidadão diferente no Norte, no Sul, no Leste, no Oeste. Há de haver uma homogeneidade mesmo. Que vem tanto dos Parâmetros Curriculares, que são Nacionais, quanto dos livros didáticos que, refletiram um determinado momento do desenvolvimento da ciência e, procurando atender aos Parâmetros Nacionais, também se igualam, ou se aproximam muito, no país todo.
Salto: Falando historicamente, quais são as principais evoluções pelas quais o livro didático passou ao longo do tempo?
Magda Soares - É uma história complexa essa, mas simplificando um pouco: uma mudança grande, que vai ocorrendo ao longo da história, é que, antes, um livro, em geral, apenas fornecia ao professor elementos básicos para o seu trabalho. Atualmente, os livros procuram dar uma orientação muito detalhada ao professor. Para exemplificar isso, na Antologia Nacional, que eu citei agora mesmo, que foi um livro usado durante os anos 60 nas aulas de Português, ele era apenas uma antologia, uma coletânea de textos. Ao lado da Antologia, usava-se uma gramática, que era uma gramática normativa, sem exercícios, sem atividades, nada disso. O aparecimento de exercícios de atividades para os alunos, que caracteriza hoje os livros didáticos, isso surge a partir dos anos 50, 60. Então, essa é a diferença grande.
Outra diferença grande é que hoje em dia não se compreende um livro didático sem o chamado manual do professor. Esse manual do professor surge no fim dos anos 60, início dos anos 70. É uma outra diferença grande. Antes disso, eu imagino que os professores considerariam quase que como uma ofensa que lhes fosse oferecido um manual do professor ao lado do livro do aluno, mas isso se tornou uma necessidade a partir dos anos 60, exatamente pelo rebaixamento das condições de trabalho do professor.
Salto: E a partir de que momento o livro didático passou a conviver com os outros materiais pedagógicos e essa junção foi considerada importante? A partir de que momento o livro didático deixou de ser a fonte principal de informação e de trabalho com os alunos e o professor passou a agregar, na sala de aula, diversos materiais pedagógicos?
Magda Soares – Olha, isso sempre ocorreu. Menos do que atualmente, mas sempre ocorreu. As cartilhas, elas sempre tiveram junto delas, o que, na literatura técnica, chamamos os “satélites”. Então, você tinha a cartilha, você tinha os cartazes, enfim, material que o aluno pudesse manipular. Mas, sem dúvida, à medida que progride a tecnologia, novos materiais vão entrando na sala de aula, ao lado do livro didático. Felizmente. Resultado do avanço tecnológico, fundamentalmente.
Salto: E qual deve ser o papel do professor ao utilizar o livro didático? O professor, hoje, ele está preparado para usar esse livro didático? A senhora estava falando justamente dos manuais dos professores, que antes não se teria imaginado pensar nisso. Então, qual é o papel do professor, hoje, ao lidar com o livro didático?
Magda Soares – Olha, há o papel ideal e o papel real. O papel ideal seria que o livro didático fosse apenas um apoio, mas não o roteiro do trabalho dele. Na verdade isso dificilmente se concretiza, não por culpa do professor, mas de novo vou insistir, por culpa das condições de trabalho que o professor tem hoje. Um professor hoje nesse país, para ele minimamente sobreviver, ele tem que dar aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde e, freqüentemente, até a noite. Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que não tem tempo de se atualizar. A conseqüência é que ele se apóia muito no livro didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um suporte, um apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz básica do professor no seu ensino.
Salto: Qual a diferença principal entre o livro didático e livros que são utilizados didaticamente em sala de aula?
Magda Soares – O livro usado didaticamente em sala de aula – essa é uma expressão a respeito da qual convém pensar um pouco. Estamos falando do livro que é o livro que não é didático, que não foi feito para a escola. É o livro que é usado fora das paredes da escola, que serve a uma prática social de leitura e que é levado para a sala de aula. Sem dúvida isso tem de ocorrer, deve ocorrer, apenas é necessário que estes livros sejam trabalhados de maneira adequada. De qualquer forma, vai ser uma escolarização da leitura, é inevitável que a leitura se torne escolarizada, que esteja em qualquer área de conteúdo. Porque tudo que você traz para a escola é escolarizado, forçosamente. Mas há a boa escolarização e a má escolarização. Então, esse livro não-didático trazido para a sala de aula, é um livro que é escolarizado, mas deseja-se que seja bem escolarizado. Que essa escolarização não mate as características básicas da prática social de leitura.
Salto: E, justamente, por isso requer esse trabalho do professor de acrescentar esse tipo de livro e aí formar novos leitores, pessoas mais críticas, formando os novos cidadãos, não seria isso?
Magda Soares – É, porque no caso do livro didático é uma escolarização radical dos conteúdos, porque é uma didatização, uma pedagogização que é necessária. Mas, que precisa ser complementada com uma ponte que o professor faça trazendo sempre uma aproximação com a prática social real da leitura e da escrita.
Salto: A gente falando agora mais especificamente da Língua Portuguesa. Qual a especificidade do livro didático na Língua Portuguesa em relação aos outros livros didáticos de várias outras áreas do conhecimento, mesmo que todos esses livros acabem trabalhando com textos, tanto os textos literários quanto os textos em geral? Quais são as especificidades do livro didático específico para a Língua Portuguesa?
Madga Soares – Na verdade, todos os livros são livros de leitura. Na história é leitura, na geografia é leitura, nas ciências é leitura. Daí esse princípio importante que não tem sido plenamente cumprido nesse país, de que todos os professores são responsáveis pelo desenvolvimento de habilidades de leitura e de escrita. Cada um na sua área específica, porque é uma peculiaridade da leitura e da escrita em cada área de conhecimento. Quanto ao Português, a especificidade do Português é que, enquanto os outros livros didáticos têm os textos como instrumento para conduzir a determinados objetivos característicos dos conteúdos daquela área de conhecimento, no Português a leitura está lá e a escrita está lá para desenvolver as habilidades de leitura e de escrita. É o próprio conteúdo. A leitura é o próprio conteúdo do livro de Português, como a escrita é o próprio conteúdo do livro didático de Português. Isso é o que diferencia o trabalho do professor de Português com a leitura e a escrita do trabalho dos professores de outras disciplinas.
Salto: Qual a relação entre a leitura e a produção de textos presentes nos livros didáticos de Língua Portuguesa?
Magda Soares – A relação? Costuma-se estabelecer uma relação muito estreita entre a leitura e a produção de texto. Inclusive com uma frase que é dita com freqüência: “a pessoa que lê muito escreve bem”. O que não é verdade, há muita gente que lê muito e não escreve bem. Há muita gente que escreve bem e até nem lê tanto assim. Há alguma proximidade, mas não há uma relação causa e efeito. Essa relação costuma estar presente nos livros didáticos de Português. Como se o aluno tivesse sempre que ler e depois escrever sobre aquilo que ele leu, o que não é uma prática social. Na nossa vida, fora das paredes da escola, a gente não está lendo uma revista e em seguida vai escrever sobre aquilo que a gente leu. São duas práticas sociais diferenciadas, com objetivos diferentes, com interlocutores diferentes. Daí que há alguma, não vou dizer que não há relação, mas há uma interdependência grande das atividades de leitura para as atividades de escrita, porque são duas práticas sociais bastante diferenciadas.
Salto: No caso dos diferentes tipos de textos que são abordados e que estão incluídos dentro do livro didático é importante que esses textos respeitem os diferentes “falares”, as diferentes características regionais do país?
Magda Soares – Essa é uma diferença grande que a gente percebe nos livros didáticos de Português, quando analisados historicamente. Até um certo momento, não muito distante, só se admitia o texto literário, do bom autor, no livro didático de Português. Eu citei a Antologia Nacional, volto a ela, ali só se encontram autores brasileiros e portugueses reconhecidamente de valor na literatura. É recente a entrada, tanto no livro didático, quanto na aula de Português, de outros gêneros e de outros tipos de texto, o que era necessário, é necessário, porque as práticas sociais são variadas. É preciso preparar o aluno para as habilidades de leitura e de diversos tipos, diversos gêneros de textos. Daí a entrada de textos de jornal, textos da revista, a publicidade, a charge, etc. – a entrada de todos esses gêneros no livro de Português. O que tem ocorrido, no meu entender, é que essa invasão está um pouco violenta demais, talvez excessiva demais, em prejuízo do texto literário. Porque o texto literário está se tornando cada vez mais ausente dos livros didáticos de Português. Por causa do critério que devem estar na aula aqueles tipos de texto que circulam mais intensamente na sociedade. Mas é preciso pensar no outro lado da questão, cabe à escola também suprir aquilo que não circula intensamente na sociedade e que é importante que o indivíduo conheça e, preferencialmente, aprenda a gostar dos textos literários. Que é o caso do texto literário, a prosa literária, o poema, etc.
Salto: Dentro, um pouquinho, dessa questão da literatura, da Língua Portuguesa, qual o papel dos dicionários e das gramáticas na sala de aula?
Magda Soares – O dicionário é sempre um apoio, o dicionário é um apoio fundamental. E eu vivo rodeada de dicionários, não sei trabalhar sem dicionários, até no plural. E o aluno deve aprender a fazer esse uso, todo cidadão, toda pessoa precisa de dicionários. É preciso desenvolver, realmente, essa habilidade. E a gramática, sendo considerada também uma obra de consulta, não como, pelo menos no ensino fundamental, não como a gramática sendo um conteúdo sistemático, ensinado de forma sistemática, mas uma consulta, um livro de consulta, tal como o dicionário. Para as dúvidas que a pessoa tenha com relação a alguma regência, uma concordância, se se põe um acento, se não se põe um acento, etc..
Salto: Então, a gramática deve estar sendo utilizada sempre, mesmo fora daquele conteúdo programado da sala de aula?
Magda Soares – Na minha concepção, a gramática deve ser usada exclusivamente como um livro de consulta e não como um livro didático, porque o ensino da gramática não cabe no ensino fundamental. Talvez no ensino médio, mas não no ensino fundamental. Não dessa forma sistemática! É claro que é necessário, que em aulas de Português, se desenvolva nos alunos uma capacidade de reflexão sobre a língua, uma certa chamada metalinguagem, de poder olhar a língua como um objeto. Em certos casos, em relação a certos fenômenos que sejam importantes para o aperfeiçoamento das suas habilidades de leitura e de escrita que estejam relacionados com o uso da Língua Portuguesa.
Salto: Falando um pouquinho da formação de leitores, qual o papel da biblioteca, seja ela escolar ou comunitária, para a formação de leitores e escritores competentes?
Magda Soares – É fundamental. É inadmissível uma escola sem bibliotecas. Embora essa coisa inadmissível ocorra com freqüência nesse país. Tanto todas as escolas deveriam ter ricas bibliotecas, quanto os municípios deveriam ter bibliotecas públicas. Por quê? A sala de aula tem um limite no convívio dos indivíduos com a leitura e a escrita. Então, esse convívio tem que se ampliar e são as bibliotecas que permitem que essa ampliação ocorra.
Salto: Existe agora a discussão, que é bem próxima, que é bem real, das novas tecnologias em sala de aula. Então, como é que, na sua opinião, a TV, o computador eles devem ser utilizados em sala de aula, de forma que eles favoreçam o processo de aprendizagem e a formação de leitores e escritores, sem que essa utilização seja simplesmente técnica e ela possa ser realmente proveitosa para a formação dos alunos?
Magda Soares – Não é apenas mais uma tecnologia na sala de aula. A televisão, e também o computador, são novas linguagens. Então, devem ser tratados como novas linguagens, que a escola deve desenvolver, porque estão aí presentes. A televisão, por exemplo, o aluno deve aprender a ser um leitor crítico da televisão. Da mesma forma que a gente desenvolve habilidades para leitura do texto no papel, é preciso desenvolver habilidades para a leitura do texto na tela. E o texto na tela é aquele texto que combina a palavra com a imagem, com o som. Então, é uma leitura complexa que não pode ser passiva. Da mesma forma no computador, o computador trouxe um outro tipo de texto que é o chamado hipertexto que é uma forma de leitura muito diferente. Não é um texto linear, é um texto simultâneo que também reune a palavra com a imagem, com o som, enfim com vários recursos. E é preciso desenvolver as habilidades de leitura, de compreensão, de interpretação desse tipo de texto. Esse é o papel dessas tecnologias na sala de aula. Não apenas para ficar mais interessante, para facilitar o trabalho do professor, mas porque são novas linguagens que o aluno precisa aprender a ler, a compreender, a interpretar.
Salto: E os impactos dessas novas tecnologias na sala de aula? Hoje é bem comum os jovens usarem o corretor ortográfico que faz parte do programa de computador no lugar do dicionário. Que impacto isso pode ter, de uma maneira positiva e de uma maneira negativa, no processo de formação do aluno?
Magda Soares – Essa é uma questão difícil, porque a gente está vivendo exatamente uma época de transição, porque essas tecnologias acabam de chegar não só na sala de aula, mas até mesmo na sociedade. Então, essa questão do corretor ortográfico ela é paralela ao uso da calculadora. Da mesma forma que o professor de matemática se pergunta se o aluno deve aprender a fazer as contas no papel ou se ele deve usar a calculadora, na área da Língua Portuguesa estamos nos perguntando se é preciso aprender ortografia ou se é preciso aprender a usar o corretor ortográfico no computador. E claro que nessa fase o computador ainda é de poucos, de muito poucos – se nós pensarmos na população de alunos que nós temos é uma percentagem muito pequena – então, ainda temos que estar trabalhando com a ortografia, mas pode ser que chegue um momento que o computador esteja tão socializado que se deva pensar se é necessário ou não que os indivíduos aprendam ortografia ou se basta que eles aprendam a usar um corretor ortográfico.
Salto: E quando a senhora se remete ao seu momento de sala de aula como aluna, como a senhora lembra do livro didático?
Magda Soares: Olha eu não tenho muito viva na minha cabeça a lembrança do uso do livro didático nas aulas em geral. Não tenho mesmo, sabe. Eu tenho para mim, como a minha área de pesquisa é história do ensino da Língua Portuguesa e eu tomo como fonte fundamental o livro didático, porque o livro didático reflete muito claramente o que é o ensino de Português em cada momento, então você pode fazer uma história do ensino de Português, tomando como fonte de informação os livros didáticos ao longo das décadas e até dos séculos. Então, eu sei que num determinado período, em que eu fiz a minha escola primária, que na época se chamava primário e ginásio e mesmo até o científico, hoje chamado Ensino Médio não me lembro de um papel muito forte do livro didático, não. Lembro-me de um papel muito forte do professor, mas não do livro didático. Mas isso já não ocorreu com os meus filhos, por exemplo, os meus filhos eu sempre os vi com o livro didático na mão, resolvendo um exercício do livro didático, durante todo o tempo da escolarização deles. Portanto, isso é paralelo àquilo que eu disse antes. O livro didático vai se tornando cada vez mais presente na sala de aula, à medida que condições sociais e econômicas vão mudando o papel do professor e as condições de trabalho do professor.
Salto: Ler e escrever é um compromisso de todas as áreas do conhecimento?
Magda Soares – Esse é um ponto em que se deve insistir muito hoje, a tendência é julgar que cabe ao professor de Português ensinar a desenvolver habilidades de leitura e de escrita. Freqüentemente, professores das outras disciplinas se queixam com o professor de Português de que os seus alunos não estão sabendo compreender o problema de Matemática, o texto de História, o texto de Ciências. Na verdade, essa competência, essa responsabilidade não é só do professor de Português, nem o professor de Português é inteiramente competente para desenvolver habilidades de leitura de um problema de Matemática, por exemplo. Porque tem uma terminologia específica, tem uma forma específica de se apresentar, como o livro de Ciências, como o livro de Geografia. Não é o professor de Português quem vai ensinar um aluno a ler um mapa, nem quem vai ensinar a ler um gráfico. Isso são atribuições específicas dos professores que trabalham com essas formas de escrita. Então, cabe a eles desenvolver essas habilidades de leitura e de escrita também. Escrever um texto de História, ou de Ciências, não é a mesma coisa que escrever uma crônica, se o professor de Português pede uma crônica. São gêneros diferentes, cada área de conteúdo tem um tipo específico de texto que cabe ao professor dessa área ensinar o aluno a escrever ou a ler. Mas, essa é uma questão que tem sido difícil, porque os professores de outras áreas que não Português não têm recebido formação na área de leitura, isso seria necessário, introduzir na formação desses professores alguma disciplina, enfim, alguma formação na área de leitura e produção de texto para que eles pudessem trabalhar com isso.
(Entrevista concedida em 07 de outubro 2002)

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