Entrevista: Carlos Gutierrez
O ministro do Comércio americano diz que, com a crisemundial, o dinheiro ficou mais escasso e mais caro. Quemquiser atraí-lo terá de trabalhar mais e melhor
André Petry, de Washington
Aos 6 anos, ele e sua família fugiram de Cuba, depois que Fidel Castro tomou as terras em que plantavam abacaxi. Instalado em Miami, começou a aprender inglês com um porteiro de hotel. Depois, sua família mudou-se para o México, onde ele arrumou um emprego na Kellogg, o gigante dos cereais. No início, dirigia um caminhão de entregas. Foi escalando os degraus da empresa, até que acabou transferido para os Estados Unidos, onde subiu até o topo. Daí, saiu para ocupar o cargo de secretário de Comércio, equivalente ao de ministro, no segundo mandato do presidente George W. Bush. A trajetória de Carlos Gutierrez, 54 anos, é um filme: de fugitivo de Cuba, onde nunca mais pôs os pés, a ministro de estado da maior potência do planeta. Na semana passada, em seu amplo gabinete em Washington, Gutierrez deu a seguinte entrevista a VEJA antes de embarcar para o Brasil, onde passaria três dias entre Rio Janeiro e São Paulo.
A crise que começou em Wall Street não vai reduzir o volume de comércio entre o Brasil e os Estados Unidos? Antes da crise, o capital era abundante e barato. Isso está acabando ou já acabou. As empresas globais, americanas e européias, vão se tornar muito mais seletivas em relação às suas escolhas sobre investimento. Então, os países que querem atrair investimentos vão ter de seguir fazendo o que já fazem, só que com mais rapidez, com um sentido de urgência que não havia antes. As empresas vão ser mais cuidadosas a curto e médio prazo antes de tomar decisões sobre seus investimentos, vão estudar melhor todas as alternativas. A competição por capital, portanto, vai ficar muito intensa.
O pior da crise já passou ou ainda está por vir? A resposta à sua pergunta depende da rapidez com que a crise for enfrentada. Nos Estados Unidos, acho que podemos ter orgulho da rapidez da nossa reação. Em apenas duas semanas, o governo conseguiu aprovar o plano de socorro de 700 bilhões de dólares. O desafio, agora, é implementá-lo. Vai ser complicado e complexo, e certamente levará algum tempo. É importante entender isso: vai levar algum tempo.
Quanto tempo? Acredito que ninguém sabe. O plano de socorro vai contemplar várias empresas, que vivem sob circunstâncias diferentes, e, diante delas, existem diversas alternativas. É um processo complexo. Houve uma grande mudança de abordagem da crise. Antes, vínhamos enfrentando os problemas empresa por empresa, como aconteceu no caso da Fannie Mae e da Freddie Mac (as duas maiores empresas hipotecárias do país, que foram encampadas pelo governo no início de setembro). Com a aprovação do plano de socorro, demos um salto à frente, antecipando-nos a eventuais problemas, e passamos a ter em mãos um instrumento para uma solução global, e não apenas uma solução individual para cada empresa.
As bolsas estão desabando em todo lugar. Será que o mundo achou insuficiente a resposta do governo americano à crise? Não acompanho a bolsa todos os dias, mas hoje as pessoas estão preocupadas com a situação mundial. Ficou claro que estamos diante de um problema global, e não apenas dos Estados Unidos. Sabemos como são as bolsas. Uma hora elas caem, outra hora sobem. Pessoalmente, o que tenho ouvido de empresários e investidores é que eles estão muito satisfeitos com as medidas que o governo tomou.
A crise, com o plano de 700 bilhões e o crescente déficit americano, levará os Estados Unidos a ser mais agressivos nas exportações? É a estratégia que devemos seguir. Acredito que é a estratégia que todos os países devem seguir.
Na América Latina, qual o melhor país para fazer negócios? Os dois países com a mais alta renda per capita da região são Chile e México. Esse dado varia bastante, mas é mais ou menos isso. É interessante notar que são dois países com os quais temos acordos de livre-comércio. Com o México, temos o Nafta. Com o Chile, mantemos um acordo muito bem-sucedido desde 2003. O modelo chileno é muito interessante. Ainda que muitos considerem o governo do Chile de centro-esquerda, o país tem sido muito pragmático em relação aos negócios. O Chile tem hoje acordo de livre-comércio com cerca de cinqüenta países. É um dos recordes mundiais. Outras nações têm sido bastante ágeis, como Colômbia, Peru, Uruguai. O Panamá e a República Dominicana estão crescendo rapidamente. Mais recentemente, o Brasil também tem crescido bem.
O que é pior ao fazer negócios com o Brasil: a corrupção ou a burocracia? A primeira coisa que me vem à cabeça quando se fala do Brasil é seu grande potencial, seu grande progresso. Tenho em mente mais coisas positivas do que negativas sobre o Brasil. Mas eu diria que, como tantos outros países, o Brasil ainda tem muito espaço para melhorar e se aperfeiçoar no campo da abertura comercial e da atração de investimento estrangeiro.
Mas o que é pior, afinal? A pior coisa é que não tiramos vantagem do nosso potencial mútuo. O comércio bilateral hoje, entre Estados Unidos e Brasil, é de 52 bilhões de dólares. Podemos aumentar isso muito mais.
Quanto? Temos quase 1 trilhão de dólares de transações comerciais com Canadá e México. Com a China, temos 400 bilhões. Com o Brasil, o céu é o limite. Duplicar nosso comércio não é exagero. Nós não maximizamos nossas potencialidades. Estamos deixando empregos, dinheiro e oportunidades sobre a mesa.
O que é preciso fazer para chegar um pouco mais perto do céu? Há uma série de passos a ser dados. Ampliar o investimento bilateral é uma coisa importante, porque dá mais confiança, mais transparência aos investidores. O Brasil tem um grande projeto de infra-estrutura que está sendo implantado de modo agressivo pelo presidente Lula. As empresas americanas precisam fazer parte desse projeto, por exemplo. Precisamos de um acordo tributário também.
Os empresários brasileiros reclamam das dificuldades de obter até visto de entrada nos Estados Unidos. Precisamos fazer progressos nessa área. Quanto mais contato as pessoas têm, mais negócios elas acabam fazendo. Nossa meta é reduzir para trinta dias o período entre o pedido do visto e sua concessão. Ainda não chegamos lá.
O senhor diria que o etanol brasileiro entrará nos Estados Unidos sem barreiras comerciais em 2010, 2020 ou 2050? Não quero fazer previsão, mas posso dizer que o presidente Bush tem sido sempre contra as tarifas e sempre a favor de abrir nosso mercado mais e mais. Mas isso requer muita negociação e trabalho com o Congresso. Na área de energia, temos duas coisas para aprender com o Brasil. Uma é a disposição de produzir mais petróleo próprio. Nós temos mais petróleo nas costas leste e oeste e na costa do Golfo do México, e podemos ampliar a produção nacional, exatamente como o Brasil vem fazendo. A outra coisa é a diversificação no campo da energia. O Brasil é um grande exemplo com o trabalho que fez com o etanol.
E quanto ao aço brasileiro, o senhor tem previsão? Nossa indústria siderúrgica enfrentava sérios problemas quando o presidente Bush assumiu seu primeiro mandato. Mas ele tomou medidas que conseguiram consolidar essa indústria, que hoje recebe investimentos estrangeiros e está com boa saúde. Mas, falando em geral, não especificamente sobre o aço ou o etanol, ressalto que o presidente Bush tem sido sempre favorável à abertura. Não mantemos políticas que levem ao isolamento econômico. Infelizmente, há membros no Congresso que pensam o contrário, que defendem o isolamento econômico. Temos um acordo de livre-comércio com a Colômbia há muito tempo e até hoje não conseguimos aprová-lo no Congresso. O isolamento e o protecionismo são um debate permanente nos Estados Unidos.
O senhor acha que a crise está tornando os americanos mais xenófobos? Isso é um desafio. Com o mercado financeiro enfrentando problemas, o livre-comércio, a abertura e o investimento estrangeiro ficam mais importantes, e não menos. Por isso, o isolamento é tão perigoso. O desafio político é evitar um recuo. É um desafio para nós e para o mundo.
O eleitorado americano aplaude quando um candidato culpa o livre-comércio pelo aumento do desemprego. As pessoas aplaudem esse tipo de crítica, aplaudem esse tipo de discurso, mas a verdade é que não conhecem os números. Quando o presidente Bush assumiu, tínhamos acordos de livre-comércio com apenas três países. Hoje, temos com catorze. Fizemos onze novos tratados e há ainda outros pendentes. Com esses onze países, tínhamos um superávit de 3 bilhões de dólares. No ano passado, foi de 22 bilhões de dólares. É evidente que o livre-comércio tem impacto positivo para ambos os lados. Como eu disse, o Chile tem cerca de cinqüenta acordos de livre-comércio. A União Européia em breve terá bem mais de vinte. A China está negociando muito rapidamente. O mundo todo está assim. Os Estados Unidos precisam se mexer também.
Entre os chamados Brics, quem tem futuro mais promissor: Brasil, Rússia, Índia ou China? São quatro países muito diferentes entre si. Acho que o Brasil se destaca em duas coisas: tem empresas globais e uma boa política energética. Ter empresas globais é relevante hoje. O Brasil tem, por exemplo, a Embraer. Com freqüência, em minhas viagens pelos Estados Unidos, vôo em aviões da Embraer. Já a política energética do Brasil é inteligente porque se desenvolveu de tal modo que o país não se transformou numa economia energética, numa economia voltada apenas para a energia. Ao contrário, o país se diversificou. A Rússia, cuja economia é curiosamente do mesmo tamanho da brasileira, tende a ser um país mais focado em energia. A Índia pode incrementar seu comércio, pode abrir-se mais, porque tem um potencial enorme. A China é o que mais cresce dos quatro. Mas nada está garantido para ninguém. Tudo vai depender das políticas que esses países adotarem.
Qual é sua aposta para daqui a dez anos? Daqui a dez anos vamos olhar para trás e veremos que a economia mais bem-sucedida terá sido aquela que tiver feito o dever de casa. Ou seja: a economia que tiver se empenhado em atrair investimento estrangeiro, abrir as portas para o comércio, incentivar as pequenas empresas, manter os impostos baixos, ficar mais transparente, respeitar o direito de propriedade e a propriedade intelectual. Os quatro países estão, com variações de grau, trilhando mais ou menos o mesmo caminho.
Qual é o negócio do futuro? Energia. Não há dúvida de que a energia, a tecnologia energética, a tecnologia de energia limpa, tudo isso vai ser um enorme, um imenso negócio no futuro. Mas há muitos negócios no mundo. Infra-estrutura, por exemplo. Há muitos países construindo portos, aeroportos, estradas, que são instrumentos fundamentais para ampliar o comércio. As commodities também são um grande negócio porque as classes médias no mundo estão crescendo, consumindo mais. O turismo é um setor importante. As melhores oportunidades se abrirão para aqueles que reconhecerem que a livre-iniciativa e o setor privado vão dirigir as economias. Estará no caminho errado quem achar que o governo central cria empregos e promove o crescimento.
O senhor come cereais da Kellog no café-da-manhã? Tenho o hábito de comer cereais de manhã, mas agora posso comer cereais de qualquer marca... Estou liberado!
http://veja.abril.com.br/151008/entrevista.shtml
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