segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Edgard B. Damiani - Second Life


Autor de Second Life: Um Guia de Viagem discorre sobre as vantagens de se experimentar o metaverso e as precauções necessárias

A discussão, a cultura e o comércio relativo ao Second Life se expandem cada vez mais aqui, do lado de fora, no mundo real. O SL é tema recorrente de debates, teses, programas de TV, artigos e livros. É nesse contexto que surge Second Life: Um Guia de Viagem (Novatec, 2007), de Edgard B. Damiani, primeira publicação brasileira a respeito. Com fluência e bom texto, Damiani explica o passo-a-passo do SL, com dicas tanto para o novato como para o freqüentador mais experiente. Em referência ao título, há a descrição de alguns lugares interessantes, mas a obra discorre mais sobre as ferramentas do metaverso do que sobre suas paisagens.
Damiani tem 27 anos e há pelo menos 20 é interessado por computadores. A mania de criança se transformou em profissão: dedicou-se às áreas de 3D, jogos, design gráfico e animação. Publicou outros guias de referência sobre programações de internet como Java e Flash, e é colaborador da revista Digital Designer. Professor de Computação Gráfica e programador de jogos, o autor se interessou há alguns anos sobre o mundo do SL e decidiu estudá-lo a fundo, o que resultou no seu “guia de viagem”. Sobre essa experiência, Damiani concedeu a seguinte entrevista à Discutindo Geografia:

DISCUTINDO GEOGRAFIA – Ambientes virtuais como o Second Life e o Orkut tendem a substituir o contato humano?

EDGARD B. DAMIANI – Desde o sinal de fumaça e o pombo- correio, o ser humano vem elaborando meios de comunicação a distância. A necessidade de encurtar o tempo e o espaço que separam as pessoas sempre foi primordial. Código morse, telefone, e-mail, videoconferência. Os meios de comunicação foram se sofisticando, ficando cada vez mais eficientes. Além disso, com a massificação da tecnologia, os meios de comunicação atuais também se tornaram populares. Não é uma satisfação imensa poder conversar com um velho amigo que está morando em outra cidade, ou com um filho que está estudando fora do país? Que tal conhecer pessoas que vivem do outro lado do mundo e que compartilham as mesmas idéias que você? Talvez sem os meios de comunicação atuais, você nunca tivesse a chance.

DG – Só para isso esses canais foram criados? Para estabelecer novos meios de comunicação?
ED – Foi nesse sentido que sites como o Orkut surgiram. Você poderia procurar seus amigos do colegial, associar-se a comunidades de pessoas com pensamentos em comum, conhecer possíveis parceiros profissionais. No entanto, o que era para ser usado começou a ser abusado: de repente, surgem pessoas com mais de mil “amigos” em suas listas; ter 3 mil scraps entulhados na caixa de recados torna-se sinal de status; laboratórios de informática com acesso à internet viraram o pesadelo dos professores...
Mas será que as coisas estão tão diferentes de 20 anos atrás? Antes da internet, não havia pessoas que ficavam horas a fio penduradas no telefone? O sentimento dos “viciados em telefone” de 20 anos atrás é o mesmo sentimento que move os “viciados em internet” de hoje – com a diferença de que esta permite estabelecer comunicações múltiplas, simultâneas e multimídia.
“Não havia pessoasque ficavam horasa fio penduradas notelefone? O sentimentodos ‘viciados emtelefone’ de 20 anosatrás é o mesmosentimento que move os‘viciados em internet’de hoje.”

DG – Mas isso não quer dizer que seja necessariamente benéfico...
ED – Este aumento incrível na quantidade de ferramentas de comunicação e a qualidade estão sendo questionados. O dilema “quantidade vs. qualidade” é palco de discussões de pais, pedagogos, psicólogos e professores. Ao que tudo indica, estamos diante de uma força irresistível: o ato e a necessidade de se comunicar. Isso faz parte da natureza humana, então não há como barrar a evolução dos meios de comunicação. O problema é que as pessoas estão se deparando com uma explosão comunicativa sem estar preparadas para isso.
Os tímidos crônicos usam a internet para fugir da realidade. Os irresponsáveis se aproveitam do anonimato para cometer atos estúpidos e, às vezes, atrozes. Os carentes tentam suprir suas necessidades emocionais estabelecendo o maior número possível de contatos superficiais, como se fosse apenas somar o ganho quase nulo de cada um desses contatos para preencher o vazio do coração.

DG – A combinação do aumento do uso desses novos meios com o despreparo das pessoas é a ameaça?
ED – A ameaça não está nos meios de comunicação, e sim nos desvarios psicológicos de quem os utiliza. Formamos uma sociedade carente, confusa, tecnologicamente avançada, mas emocionalmente primitiva. Evoluímos de um lado, mas travamos do outro. Não adianta querer achar um bode expiatório. A física quântica já fez o favor de desmontar o que nós chamamos de “realidade”. Vai ficar cada vez mais difícil definir o que é um “relacionamento real” ou um “contato humano”. Precisamos urgentemente de novos paradigmas, novas formas de entender o mundo. Sem isso, não conseguiremos educar as próximas gerações de uma maneira coerente com a realidade que está surgindo diante de nós (e que continuará surgindo com ou sem o nosso consentimento, diga-se de passagem).

DG – Você acha que os usuários do SL assumem uma postura que não têm na vida real, mas que gostariam de ter?
ED – Para responder à pergunta, gostaria de fazer uma analogia com um estilo de jogo muito famoso: o RPG. A sigla significa role playing game, ou“jogo de interpretação de papel”. É uma espécie de teatro sem roteiro, em que cada jogador encarna um personagem e decide qual será sua próxima ação baseada nos eventos do jogo. O lado lúdico do SL, de forma semelhante ao RPG, permite participar de situações que dificilmente ocorreriam na vida real. Não há nada de errado em sonhar, pois os sonhos são a mola propulsora dos grandes atos da humanidade. No entanto, estamos olhando apenas um aspecto do ambiente, pois nada impede que uma pessoa crie um avatar que o represente tal qual na vida real para poder, por exemplo, tratar de negócios com parceiros de trabalho, ou simplesmente porque se sente à vontade dessa maneira. O perigo disso tudo está no fato de alguém usar o metaverso para distorcer a realidade, que é muito diferente da atividade lúdica de viver um sonho.
“Formamosuma sociedadecarente, confusa,tecnologicamenteavançada, masemocionalmenteprimitiva. Evoluímosde um lado, mastravamos do outro.”

DG – É possível que alguém encare o SL como vida real e só viva em função do jogo?
ED – Sim, como existe a possibilidade de alguém encarar os personagens de uma novela como reais, ou viver em função da televisão. O mais importanteé orientar as pessoas a respeito dos limites de cada coisa, e não culpar o meio que elas estão usando para escapar da realidade – julgamento que tem acontecido com muita freqüência. Devemos combater os problemas certos, pelos motivos certos.
DG – E assuntos como pedofilia, extremismo religioso ou político, terrorismo, conteúdo inadequado para menores, etc.? Como combater essas ações dentro do SL?
ED – No SL internacional existem dois mundos paralelos: um para menores e outro para maiores de 18 anos. Os usuários de um mundo não têm acesso ao outro, limitando drasticamente a questão sobre conteúdos impróprios para menores. Aqui no Brasil, por enquanto, o SL é restrito a maiores de idade.
Formas de expressão do que há de pior na natureza humana – pedofilia, por exemplo – devem ser combatidas, sem dúvida, mas esses fatos também devem ser atacados na raiz, que é o próprio ser humano. O SL abriu novas polêmicas sobre esse assunto devido a um fato desconcertante: em muitos casos, a pedofilia no metaverso envolve apenas adultos, ou seja, um deles utiliza a aparência de uma criança. Como julgar isso, se não há de fato crianças envolvidas? Esse tipo de situação está ficando cada vez mais sutil e bizarra. As questões sobre terrorismo virtual, no geral, são mais chateações do que ameaças reais, frutos de uma regulamentação frágil, mas que deve mudar com o tempo. Vale lembrar que o anonimato absoluto está deixando de ser uma possibilidade nos ambientes virtuais. Os meios atuais de rastreamento de informações e de identidade dificilmente deixam escapar alguma coisa.
“Os meios virtuais possuem uma longa tradição democrática, e o SLdeverá continuar essa tradição, caso queira ter vida longa.”

DG – E quanto à política e à religião?
ED – O SL é um meio de expressão livre e deve dar voz a todos, sem distinção, desde que se mantenha o respeito e a devida diplomacia com as demais formas de pensamento. Qualquer tipo de abuso nesse sentido também deve ser combatido. Os meios virtuais possuem uma longa tradição democrática, e o SL deverá continuar essa tradição, caso queira ter vida longa.
DG – Existem empregos informais no SL, como prostituição e tráfico de drogas?
ED – Sim, existem, assim como existem no Orkut (e na internet em geral), e existirão nos meios virtuais ainda por serem criados. Essas questões são inerentes ao ser humano, portanto, onde quer que ele vá levará toda a sua bagagem – boa e ruim– junto.
DG – Você tem um avatar?
ED – Sim, eu tenho um avatar que foi criado com o propósito de entender e explorar esse universo. Eu não costumo gastar muito tempo lá dentro, algo entre uma e quatro horas semanais. A minha visão do SL é a mesma que tenho da internet: uma ferramenta, um meio de expressão e comunicação que complementa e auxilia minha vida pessoal e profissional.

Revista Discutindo Geografia

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