sábado, 17 de janeiro de 2009

Globalização transforma cidade em centro lúdico - Nicolau Sevcenko

(27/3/2000)

Nome: Nicolau Sevcenko
Idade: 47 Cargo: é professor de história da cultura da USP e membro do Center for Latin American Cultural Studies do King's College (Universidade de Londres)
Livros: é autor de "Orféu Extático na Metrópole - São Paulo nos Frementes Anos 20" (Companhia das Letras), "Literatura como Missão" (Brasiliense) e organizador do terceiro volume de "História da Vida Privada no Brasil - República: Da Belle Époque à Era do Rádio"

SYLVIA COLOMBO
Editora interina de Especiais

Historiador que dedicou-se ao florescimento cultural e social dascidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, Nicolau Sevcenko acha que a globalização trará mudanças rápidas e dramáticas para centros urbanos da América Latina.

‘Nos países subdesenvolvidos, as elites tendem a se deslocar para lugares mais distantes, por causa da violência e por poderem continuar conectadas pela rede. Assim, esvaziarão a parte central das cidades, deixadas a seu próprio destino, para que o atrito da violência a consuma por si só‘.

A situação, que descreve como ‘pavorosa‘, tem uma contrapartida positiva. A expansão da indústria do entretenimento e do setor cultural transformarão as grandes cidades ‘em centros de criatividade e envolvimento lúdico entre as pessoas‘. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que o professor de história da cultura da USP concedeu à Folha, em sua casa, em São Paulo.


Folha - Em entrevista à Folha, a historiadora Katia Mattoso disse que o Brasil precisa deixar de se ver como uma ex-colônia e assumir o fato de ter tido um papel importante num grande Império (o português). O que você acha dessa idéia?
Nicolau Sevcenko - Essa é a questão central da reflexão dos 500 anos. É inequívoco o fato de que o país herda uma estrutura que procede da condição colonial. As mazelas sociais são consequência direta dessa herança. Não há o que negar, o Brasil não pode ser pensado fora desse contexto.
Porém, o modo como a colonização aconteceu não passa por uma situação dual, em que temos de um lado a potência estrangeira colonizadora e, do outro, a sociedade nacional colonizada.
O colonizador atuou com a intermediação da elite local. Há duas etapas: uma é a colonização propriamente dita como estrutura econômica internacional e outra é a endocolonização -colonização das camadas dominantes sobre a população colonizada.
O fato mais candente do desenvolvimento da pesquisa histórica nos últimos tempos tem sido o de tentar explorar esse diferencial da endocolonização. Entendê-la é o elemento decisivo para compreender a sociedade atual.

Folha - Como acadêmico que transita em universidades européias, você considera que exista uma análise diferente daqueles países sobre o passado colonial?
Sevcenko - Tem havido, na Europa, um desenvolvimento agudo da consciência histórica nas gerações atuais. O significado do colonialismo e seus efeitos perversos são bem conhecidos. Acho que o momento é propício para que seja cobrada desses países uma colaboração para o alívio da situação deixada pela colonização.

Folha - Essa cobrança é possível?
Sevcenko - Acho que um diferencial foi assinalado na crise em torno do general Pinochet. Ele representava a elite endocolonizadora, que sempre quer se reconhecer como igual junto ao universo europeu. Só que a Europa já deixou bem claro o profundo desprezo que tem por esse tipo de gente e de comportamento. A humilhação de Pinochet foi emblemática por quebrar a relação idílica entre ex-colonizadores e os endocolonizadores. Isso é benéfico para que as novas gerações repensem o relacionamento com a Europa e procurem usar em seu favor, num contexto mais internacionalizado, a disposição que vem se reforçando no sentido de compensar as mazelas da colonização.

Folha - Depois da Independência, os países latino-americanos, cada um com sua particularidade, viveram ciclos políticos comuns (reforma liberal, ditaduras militares, populismo). Qual será sua posição com a globalização?
Sevcenko - Essa condição histórica tende a mudar, guiada pela revolução tecnológica. Os conceitos de nação e de território nacional estão se diluindo. Antes podíamos dizer que o rico engolia o pobre. A tendência agora é o rápido engolir o lento e o que define isso é a capacidade de incorporação de novas tecnologias. Urge, pois, investir em educação, ciência e tecnologia. A política neoliberal na América Latina e no Brasil tende a estrangular esses investimentos básicos. Portanto, mais do que nunca é preciso mudar o projeto político.

Folha on line

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