sábado, 17 de janeiro de 2009

Herança política - Enrique Krauze


Discípulo de Octavio Paz
analisa herança política
(6/3/2000)
Nome: Enrique Krauze
Idade: 53 Cargo: diretor da revista "Letras Libres" e da editorial Clío
Especialidade: historiador da política mexicana, autor de livros que refazem a trajetória pessoal de personagens históricos para retratar determinados períodos
Livros: "Siglo de Caudillos" (Tusquets, 1994), "Biografía del Poder" (Fondo de Cultura Económica, 1987), entre outros

SYLVIA COLOMBO
Editora interina de Especiais

A política latino-americana encerra-se num paradigma medieval, herdado do mundo ibérico, que explica alguns itens da nossa cultura política, como o corporativismo e o patrimonialismo. Assim pensa o historiador mexicano Enrique Krauze, 53, para quem a comemoração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil é data propícia para a revisão crítica de seu passado comum com o estante da América Latina.

O historiador dirige a revista ‘Letras Libres‘, novo nome da publicação ‘Vuelta‘, criada por Octavio Paz em 76 e por ele dirigida até sua morte, em abril de 98.

Criticado pelos acadêmicos marxistas, Krauze afirma que sua bandeira é a democracia liberal. Otimista, acredita que a América Latina, neste fim de século, segue um caminho político correto.

Krauze tem uma postura crítica em relação ao PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governa o México desde 1929 e que tentará, nas eleições do dia 2 de julho, continuar à frente da nação.

O historiador deu entrevista à Folha, de seu escritório, na Cidade do México. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Suas obras tratam do poder político da oligarquia no México, tema comum também a outros países da América Latina. Qual é o legado das fórmulas políticas do período pós-independência para as sociedades atuais do Brasil e do México?
Enrique Krauze - Os dois países tiveram no século 20 grandes períodos de prostração política. O militarismo esteve mais presente no Brasil, mas a violência revolucionária cobrou milhares de vidas do México. Sempre achei notável que no Brasil tenha havido menos movimentos guerrilheiros do que no restante da América Latina.
Acredito que a fundação traumática dos Estados hispano-americanos contrasta com a do Brasil, feita por meio de um pacto com a metrópole portuguesa. Isso facilitou a sua marcha histórica. Certa vez, Octavio Paz me disse algo impressionante: ‘O México não se consolou nunca de não ter sido uma monarquia‘. O Brasil não teve do que se consolar: nasceu como filho legítimo de uma monarquia e sua passagem para a vida republicana foi menos conflitiva. O México, por sua vez, viveu mais de um século numa grande simulação: a de ser uma monarquia fantasiada de república.

Folha - Pudemos assistir, na América Latina, desde o fim da colonização, diversos ciclos políticos comuns, como o do liberalismo, o das ditaduras militares, o da redemocratização e, atualmente, a busca pela adoção da social-democracia. Como o sr. avalia esse processo?
Krauze - Sempre me surpreenderam os paralelismos da história ibérica e latino-americana. A mesma tensão entre monarquismo e liberalismo no século 19, a mesma alternância entre anarquia e ditadura no século 20.
As ditaduras de Salazar (Portugal) e Franco (Espanha) romperam a semelhança, ainda que a mesma concentração de poder em apenas um homem, tirano ou caudilho, tenha ocorrido também na maioria dos países latino-americanos. Desde a metade do século 20, os países da América Latina se parecem mais entre si e não com suas antigas metrópoles. Prosperaram os clássicos paradigmas latino-americanos: o estatismo, a economia fechada e protegida, a ideologia terceiro-mundista, o marxismo acadêmico e os movimentos guerrilheiros. Na última década, deu-se entre nós um milagre tão importante quanto a queda do Muro de Berlim: a adoção, com a exceção vergonhosa de Cuba, da democracia. Esse voto continental pela liberdade não havia ocorrido nunca em nossa história. É esperançoso, ainda que a Venezuela e o Peru sejam nuvens de populismo e caudilhismo.

Folha - O sr. acha que a cultura política herdada de espanhóis e portugueses subsiste na América Latina?
Krauze - Existe em nosso inconsciente político coletivo um paradigma medieval do poder, proveniente dos neo-escolásticos dos séculos 16 e 17. Isso explica muitos aspectos de nossa vida política: o corporativismo, o patrimonialismo, a corrupção e o que o pensador mexicano Gabriel Zaid chamou de ‘a propriedade privada dos postos públicos‘.
Tocqueville dizia que os costumes políticos são mais importantes que as leis e instituições. Tinha razão: esses costumes são sólidos como montanhas. Representam uma bagagem cultural que nos preparou mal para a democracia.
Porém os velhos paradigmas da nossa cultura política vêm se desgastando, devido à força da globalização. Mas nossa inexperiência histórica na vida democrática nos faz vulneráveis. Temos de criar e consolidar instituições e práticas culturais democráticas para vencer determinações culturais.

Folha - Como diretor de uma revista literária e política, como o sr. analisa o papel político exercido pelos escritores latino-americanos ontem e hoje?
Krauze - Em relação à primeira metade do século, vejo uma semelhança com o que se passou na Rússia czarista. A literatura teve um papel político primordial na construção das sociedades latino-americanas de hoje. Há entre nós uma espécie de sacerdócio da cultura. Os escritores são a voz da nossa consciência. Os pensadores de nossos problemas históricos (Octavio Paz e Gilberto Freyre, entre tantos outros) são os inventores da nossa realidade, enquanto outros (romancistas e poetas) são os descobridores de uma outra, mais profunda, sobre nossa identidade cultural.
Folha on line

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