sábado, 17 de janeiro de 2009

História da África na escola - Manolo Florentino

Manolo Florentino
(17/4/2000)

Florentino quer história
da África na escola
Nome: Manolo Florentino
Cargo:professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense
Especialidade: escravidão
Livros publicados: "Em Costas Negras - Uma História do Tráfico Atlântico de Escravos entre a África e o Rio de Janeiro - Séculos 18 e 19" (Companhia das Letras), "A Paz das Senzalas" (Civilização Brasileira), com José Roberto Góes e "O Arcadismo como Projeto", com João Fragoso (Diadorim)

SYLVIA COLOMBO
Editora interina de Especiais

Os livros ficarão. Para o historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma maior divulgação da produção acadêmica está sendo viabilizada pelas comemorações dos 500 anos do Descobrimento.

Florentino, que trabalha com o período colonial e a escravidão, autor de "Em Costas Negras" (Companhia das Letras), acredita que "as efemérides têm cumprido o excepcional papel de permitir ao grande público colher alguns frutos primorosos da ainda recente disseminação dos cursos de pós-graduação em história".

Ele espera "que o governo respeite a Constituição e não impeça manifestações como a dos indígenas da Bahia" e concedeu entrevista à Folha, por e-mail.

Folha - O sr. acha que ainda faz sentido crer numa comunidade lusófona, com Brasil, Portugal e as ex-colônias africanas?
Manolo Florentino - Faz sentido, sobretudo quando lembramos que somos pobres. Embora hoje já não haja nada de comum entre um bóia-fria de Caicó e, digamos, um famélico remanescente da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola), falamos português, estruturamos o mundo por meio desse belo conjunto de sons. Logo, respeitadas as especificidades de cada local, é possível imaginar que alguns tópicos possam ser encarados conjuntamente, sobretudo na área da educação e da cultura.
Folha - Em entrevista à Folha, o historiador português Romero Magalhães disse que o Brasil já teve tempo suficiente de se recuperar dos danos da colonização e que não pode culpar o domínio português pelas atuais mazelas da sociedade.
Florentino - O Brasil contemporâneo mostra claramente que 180 anos de independência política não foram suficientes para ultrapassar os traumas da época colonial -estão aí presentes o nosso racismo, a degradação do trabalho e a patológica mistura de mandonismo e subserviência que nos tece, cujas origens estão diretamente ligadas à época colonial. Creio porém que se deve ter cuidado para não transformar a reflexão em uma discussão bizarra. O distanciamento requerido pelo debate deve traduzir-se na busca de explicações para as continuidades, e não de "culpados". Do contrário, seríamos levados, no limite, a indagar pelo culpado do fato de existirmos. Caso em que Deus se transformaria em um belo saco de pancadas, não é?
Folha - Em uma outra entrevista à Folha, a historiadora Katia Mattoso disse que o Brasil precisa parar de se pensar como uma ex-Colônia e assumir ter feito parte de um grande Império, o português, no qual teria tido um papel importante. Qual é sua opinião a respeito disso?
Florentino - Concordo com minha colega greco-baiana e vou além: nenhuma história admite boa ou má consciência. Os povos são responsáveis pelos seus destinos -sabendo-se, é claro, que alguém sempre paga a conta. Padre Vieira já alertava para o ativíssimo papel desempenhado pela Colônia no âmbito do Império português. De minha parte, estou convencido de que, ao menos desde o século 18, o chamado pacto colonial transformou-se cada vez mais em meio de afirmação da hegemonia do capital mercantil aqui residente.
Folha - O que acha do movimento negro no Brasil hoje?
Florentino - O Brasil é certamente um país melhor pelo simples fato de o movimento negro existir. Mas me causa espanto que em muitos casos se adote mecanicamente a pauta política dos negros norte-americanos, cujas demandas são distintas das nossas. Não somos um país multicultural. Por estas bandas não existem ítalo-brasileiros ou franco-brasileiros, mas sim brasileiros somente. E do quanto isso é uma conquista nos falam os acontecimentos recentes na Iugoslávia e na Rússia. O país é racista, sim, mas, como disse um dos nossos baianos, jamais poríamos no Congresso malucos de cuja plataforma constasse matar um negro por dia, o que é plausível nos EUA. Mais valeria usar a efeméride para, por exemplo, extrair dos Conselhos de Educação a obrigatoriedade do ensino de história da África. Afinal, memória sem suporte é campo fértil para o aparecimento de toda a sorte de mitos, alguns não muito edificantes.
Folha - Qual é o legado dessa efeméride para a historiografia? Florentino - O que ficará são os livros, porque dos centenários da Abolição e da República, e mesmo dos 500 anos da América, o que restou foram livros.
Entre nós as efemérides têm cumprido o excepcional papel de permitir ao grande público colher alguns frutos primorosos da ainda recente disseminação dos cursos de pós-graduação em história.
O fim do socialismo real e a própria revolução tecnológica pela qual passamos têm levantado questões novas. Algumas teorias se esgotaram, mas, simultaneamente, novos modos de aproximação à nossa história se afirmam velozmente. Intuo que o conjunto de livros que restará terá a diversidade (de perspectivas, de objetos e de métodos de trabalho) por traço característico.
Folha - Quais as principais lacunas no estudo da história da escravidão no Brasil?
Florentino - A principal lacuna da história da escravidão brasileira é, paradoxalmente, a África. Nas últimas décadas, muitos historiadores mostraram o quão estéril é encarar o africano escravizado só como "Pai João" ou como "Zumbi dos Palmares".
É tempo de deixar de pensá-lo como um marciano negro que de repente desembarcava nos portos coloniais. Enquanto, implicitamente, continuarmos a considerar que ser escravo era uma espécie de destino manifesto dos africanos, seguiremos abrindo mão de compreender parcela substantiva de nós mesmos.
Folha on line

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