01/01/2007
Kenneth Maxwell
Um Inglês nos Trópicos
O primeiro contato de Kenneth Maxwell com o Brasil foi assistindo ao filme Orfeu Negro, do cineasta Marcel Camus, em 1962, quando ainda cursava a graduação em Historia na universidade de Cambridge, na Inglaterra. A obra despertaria a sua curiosidade sobre um país do qual ainda não sabia quase nada. Em 1965, Maxwell desembarca no Rio de Janeiro com uma bolsa de pós-graduação para estudar a formação do Império brasileiro. Foi a Minas para “ver a geografia e as cidades históricas”. A visita a Ouro Preto lhe causou um forte impacto, e ele volta ao Rio levando mais a sério a idéia de uma Conjuração em Minas.
Publicada no Brasil em 1977, sua obra, “A Devassa da Devassa”, revolucionou a forma como era pensada a Inconfidência Mineira. Maxwell ganhou notoriedade e tornou-se uma das maiores autoridades estrangeiras em estudos sobre o Brasil. Escreveu ainda sobre o Marquês de Pombal e, em seu livro mais recente, sobre a Revolução dos Cravos.
O cuidado com a pesquisa documental levou-o a importantes descobertas e a alguns problemas políticos. Maxwell continua empenhado em trazer à tona a verdade sobre a atuação dos EUA nos governos militares latino-americanos: “Os americanos ainda não querem enfrentar essa parte da história da política externa do país”
Atualmente, é professor do Departamento de Historia e diretor do Programa de Estudos Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS) da Universidade de Harvard. O historiador conversou com a Revista de História no escritório da Harvard em São Paulo.
Revista de História - Onde e como você começa a estudar e a se aproximar da História ?
Kenneth Maxwell - Cresci numa zona rural no sudoeste da Inglaterra. Minha formação secundária foi em um internato, onde tive bons professores. O sistema universitário inglês era extremamente pequeno, e, historiadores, que hoje estariam em universidades, lecionavam em escolas. Beneficiei-me muito com isso. Aos 15 anos, entrei numa pesquisa séria mergulhando em inventários do século XVI: assim podia escapar um pouco da escola interna.. A minha mãe também era professora e tinha grande interesse em História. Meus avós maternos eram muito envolvidos nos movimentos sociais ingleses, e na criação do Partido Trabalhista. Falávamos muito sobre História. Meu pai – de uma família conservadora – era um grande admirador do Winston Churchill, mas a sogra dele – liberal – não gostava. Todas às vezes que eles almoçavam juntos, o papo era sobre política – ela de um lado e ele do outro. Anos depois, soube que este antagonismo de minha avó contra o Churchill era porque na década antes da Primeira Guerra Mundial ele foi – quando era ministro do interior – responsável por uma grande repressão às mulheres que lutavam pelo direito de votar, e isso ela não suportava.
RH- E a sua aproximação com o Brasil e com a história do Brasil ?
KM- Um ano depois de me formar em Cambridge, eu não sabia bem o que faria da vida. Viajei o mundo ficando uns seis meses na Espanha e seis meses em Lisboa. Nessa época li um livro muito bom do professor Stanley Stein, chamado Vassouras: A Brazilian Coffee County, 1850-1900. [verbete]. Ele era professor em Princeton. Sabia que ele só aceitava orientar um ou dois estudante por ano. Mesmo assim, participei de uma seleção para Princeton e fui aceito. Por acaso, cheguei nos Estados Unidos num momento que se estava dando muitas bolsas para estudar fora do país. Depois de uns nove meses consegui uma bolsa para o Brasil. Mas tudo isso sem nenhuma programação. Eu estava pensando em escrever um livro sobre a Independência no Brasil e a formação do Império brasileiro. Esse era o projeto, e eu fui nessa linha durante dois ou três anos, fazendo pesquisa sobre isso.
RH- Foi aí que começou a sua pesquisa sobre Minas, sobre Inconfidência?
KM- A Inconfidência não era a parte principal dos meus estudos. Na verdade, o meu propósito era escrever um livro sobre a Independência no Brasil e a formação do Império brasileiro. E foi impossível eu descobrir o que havia acontecido no começo do século XIX, sem compreender antes o que estava passando por aqui no século XVIII. Então comecei a olhar para os arquivos do século XVIII e as coisas que encontrei lá não eram as mesmas que eu li sobre a história oficial.
RH- Você foi pesquisar em Minas Gerais também?
Achei importante ir para Minas para ver a geografia e as cidades históricas . Isso foi em 67. Quando cheguei lá em Ouro Preto disse: “oh, que coisa curiosa”. Me pareceu um lugar propício para ser o palco de uma rebelião, pois seria muito difícil para Portugal suprimir uma revolta séria dentro daquelas montanhas. Fiquei lá várias semanas hospedado no velho Hotel Toffolo do outro lado da Casa dos Contos, e o diretor do Museu da Inconfidência abriu muitos arquivos para que eu pesquisasse. Quando voltei ao Rio tive um encontro muito curioso. Fui convidado por um amigo que trabalhava na embaixada inglesa para uma festa em um grande apartamento no Flamengo. Encontrei com um jovem lá e ele me perguntou o que eu estava fazendo no Brasil: “Estou aqui há dois anos, interessado no Brasil do século XVIII”. Aí ele diz “Ah, o que você acha das perguntas feitas ao Alvares Joaquim da Silva, no dia 18 de janeiro de 1790, nos Autos da Devassa, volume 4, página 47?”. Ele ficou chocado por eu não ter lido, na época, os Autos da Devassa. Bem, esse rapaz era o Elio Gaspari. Pensei: “na volta para casa eu tenho que ler os Autos da Devassa”. Eu estava pensando que a minha tese havia acabado, mas vi que ainda havia muita coisa para ler. Precisei de três anos de pesquisa mais para fechar.
RH- Como era pesquisar nos arquivos do Rio de Janeiro?
KM- Na época, a Biblioteca Nacional estava muito descuidada, foi um daqueles períodos de falta de meios; eu não sei, não estava muito consciente disso na época. Mas uma coisa boa foi ganhar acesso relativamente livre para pesquisar nos arquivos da Biblioteca Nacional. Com isso, eu podia olhar tudo o que estava dentro das gavetas: entrar, tirar as coisas e ver. Isso foi essencial porque você podia olhar para as documentações fiscais, onde tinham todos os nomes importantes. E acho isso curioso porque todo mundo diz que eles são poetas e coisas assim, mas nessa documentação já aparecem como homens de negócios, fiadores, desembargadores e advogados ricos.
RH- Você dialogava com os pesquisadores brasileiros da época?
Fiquei muito ligado ao Marcos Carneiro de Mendonça. Passei vários meses trabalhando no palacete casa dele no Cosme Velho. O primeiro brasileiro que encontrei em Princeton foi o Sérgio Buarque de Holanda. Isso foi em 65, meu primeiro ano lá. Eu fui chamado pelo Stanley Stein e ele disse “temos um brasileiro aqui, eu acho importante que você entre em contato com ele”. O Sergio era amigo do Stanley. Conversamos por muito tempo. Havia um filho jovem com ele, acho que era o Chico Buarque. Alguns anos depois, saindo do Rio de Janeiro de navio para Europa, encontrei com o Carlos Guilherme Mota e, por meio dele, nos anos 70 entrei em contato fraternal com vários historiadores em São Paulo, incluindo o Fernando Novais, José Jobson de Arruda, e José Sebastião Witter. Outros historiadores com quem tive convivência foram o Francisco Iglesias de Minas e no Rio, Raymundo Faoro e José Honorio Rodrigues, que leu a minha tese a pedido do Stanley Stein. Depois conheci também a Laura Mello de Souza, Caio Boschi e Junia Furtado.
RH- Foi um desafio o estudo que você fez sobre Pombal? Como isso foi recebido em Portugal ?
KM- É curioso como os portugueses acham que uma pessoa que escreve sobre Pombal [verbete] deve gostar de Pombal. Ele era um homem muito feroz, ditador e não escondia em nada isso. E sempre foi muito bem visto no século XIX pelo setor liberal português. Mas há ainda uma parte da população portuguesa, descendente da aristocracia que foi reprimida por Pombal, que nunca o perdoou. Os jesuítas também não esquecem da atuação de Pombal. Cada vez que eu fazia uma palestra sobre ele, havia um jesuíta lá assistindo. Eles são muito bons historiadores, mas há jesuítas que estão lá para compilar qualquer coisa sobre Pombal. Ele esteve muito envolvido na ascensão do poder do Estado sobre a Igreja. Mas foi apoiado por grande parte da Igreja Católica que tinha interesse nesse reformismo contra o poder do Vaticano. E não é só em Portugal e na Espanha não: o iluminismo napolitano também deu um forte apoio. E isso ainda não é muito bem aceito pela Igreja Católica por ser fortemente contra o poder da cúria. Eu entro um pouco em Pombal nessa discussão e também nessa idéia que o iluminismo tem duas partes: uma liberal, constitucional, mas outra parte muito ligada ao Estado, da utilização, racionalização do poder do Estado. O paradoxo de Pombal é que ele era iluminado mas também duro e ditador.
RH- Você acha que seus trabalhos esgotaram os estudos sobre Pombal? Ou ainda há aspectos a serem descobertos?
KM- Não gosto da idéia de esgotar um assunto. Prefiro abrir novas perspectivas. A Devassa da Devassa abriu caminhos, e também o trabalho sobre Pombal. Há milhares de assuntos lá que nenhuma história sozinha pode absorver. Assuntos como a Igreja Católica, a filosofia de reformas burocráticas, a codificação das novas leis, a história jurídica e da família de Pombal – de quem sabemos pouco. Nenhum historiador acha bom estar fechando o assunto.
RH- O seu trabalho de historiador foi beneficiado pela sua distância em relação à realidade do Brasil,?
KM-. Francamente, em algumas coisas isso ajuda e em outras não. É importante ser sempre um historiador sério– no próprio país ou em um outro–, poder usar as mesmas técnicas, a mesma honestidade ou integridade de como utilizar as fontes. É claro que os estrangeiros acabam ignorando certos aspectos, mas ao mesmo tempo podem as vezes escapar um pouco dos preconceitos do próprio país – lá ou aqui.
RH- E como a forma como se faz História aqui é vista lá fora?
KM- Às vezes existe um preconceito entre os historiadores europeus e americanos sobre qualquer história que não seja deles. Acham que não existe uma história séria no Brasil. Acham que o terceiro mundo não é nada... Eles pensam que na América Latina realmente não há História com o mesmo peso, com a mesma documentação. Eu sempre rejeitei fortemente esta idéia.
RH- A sua dedicação à história contemporânea de alguma forma auxilia um olhar privilegiado sobre política latino americana e o Brasil em especial?
KM- Estou voltando também um pouco a isso porque faz 30 anos que foram feitas as transições democráticas na Europa do Sul, Espanha, Grécia... E acabei entrando em uma controvérsia com Kissinger. E acho que agora estou olhando um pouco para as ligações entre o período da Guerra Fria, por exemplo, quando acontece a Revolução Portuguesa, a descolonização angolana e o fim do governo do Allende no Chile. Por exemplo, sobre o Chile: quando os relatórios saem, muitas informações comprometedoras são retiradas, realmente suprimidas. Entretanto, nas mesmas documentações sobre Portugal entram várias vezes comentários sobre o Chile que não foram suprimidos. Isso acontece porque as pessoas que fizeram a censura não estavam pensando no Chile, mas em Portugal. Descobri nesses documentos uns comentários muito interessantes que explicam um pouco mais sobre o que estava acontecendo na América do Sul.
RH- A história do assassinato do Letelier?
KM- Exatamente. Esse documento sai sobre a Operação Condor. Há um telegrama que menciona explicitamente a Operação Condor, absolutamente sem censura. Mas por quê ? Porque o relatório sai na Costa Rica e escapa, e as pessoas tentam retirar qualquer referência sobre a Operação Condor mas sem saber o que significava a referência.
RH- Quer dizer, quem filtrou o documento não percebeu que sobrou ali o registro ...
KM- Exatamente. E eu com isso provei que existia o conhecimento da Operação Condor, explicitamente, quando essa documentação sai, dois dias antes do assassinato do Letelier Com isso descobrimos uma nova história, e eles ficaram surpresos de como sabemos de tudo isso.
RH- Você denunciou, em sua polêmica com o Kissinger , uma certa tolerância dele com a ditadura.
KM- Foi mais que tolerância, algo mais explicito. É um acontecimento chocante, ele diz, no golpe doVidela na Argentina, para o representante da Junta Militar: “olha você faz as coisas depressa porque nós temos um grande problema com o nosso Congresso e, se você não fizer tudo isso em dois meses, vai ser muito complicado”. Kissinger está dizendo isso diretamente para o regime militar, sem informar o embaixador americano lá que estava tentando salvar as vidas das pessoas. Inacreditável.E nós podemos ler na documentação, nos telegramas da embaixada americana em Buenos Aires que chegam em Washington, que o próprio embaixador americano estava chocado. Essa declaração do Kissinger é tomada pelos militares como um sinal verde para matar. Mais ou menos cinco mil pessoas foram mortas. Inclusive, muitos judeus, posto que aquele regime era altamente anti-semita. O embaixador americano em Buenos Aires relatou isso explicitamente para Kissinger. Os americanos ainda não querem lidar com isso. Não querem enfrentar essa parte da política externa americana. Quando o Kisinger diz “o Maxwell é uma pessoa de esquerda fazendo isso”, eu respondo “olha, eu sou totalmente contra a direita e contra a esquerda quando eles fazem este tipo de coisa”. Acho que não é uma questão de ideologia, para mim a pessoa deve estar apoiando os direitos humanos em todos os lugares sem qualquer justificação ideológica.
RH- No seu livro mais recente sobre a Revolução dos Cravos, você a chama de a “revolução domada”. Como é que foi esse processo de contenção de uma Revolução?
KM- É contenção porque eu acho que no momento Portugal estava muito perto de uma guerra civil. Uma parte do centro e do norte era muito tradicional, muito ligada à igreja e o outro lado contava com pessoas muito mobilizadas: comunistas – ou de esquerda, ou de extrema-esquerda. Havia uma situação muito perigosa com uma grande possibilidade de confrontações sangrentas. E foi necessário para os portugueses tentar lidar um pouco com essas diferenças. Então, eles buscam um tipo de entendimento democrático entre as duas partes que se opunham. Houve um acordo, que foi forçado. E isto se dá em apenas um ano e meio, que é muito pouco tempo. As pessoas que estão de fora desta negociação não entenderam nada.. Mas depois americanos, alemães, franceses e ingleses entraram fortemente para apoiar esse acordo. Quando a constituição foi promulgada, em 76, muitas pessoas envolvidas não queriam mais lembrar as suas posições políticas neste momento de confrontações, porque. naquela época, alguns estavam na esquerda outros na direita... Há quase uma coisa implícita para não se falar mais sobre isso.
RH- Que você chama de amnesiologia dos fatos.
KM- Isto. Há muitas pessoas que não querem mais falar sobre isso. Por exemplo, o presidente da Comissão Européia, Durão Barroso, era na época um dos líderes da parte mais radical, mais violenta da extrema-esquerda portuguesa.
RH- Isso é muito interessante. Esses mecanismos de contenção da memória.
KM- Para o historiador isso é fascinante.
RH- Você mostra como o Salazar conseguia juntar os pequenos agricultores com os grandes proprietários numa espécie de ditadura católica. Como é que o Saramago recebeu o seu livro ?
KM- Não sei. Mas devo lembrar que o Saramago ainda é muito ligado aos setores comunistas portugueses e eles claramente não gostaram do meu livro. Mas não é uma obra anticomunista. O Partido Comunista era muito forte na época. Inclusive o Saramago era, no período, editor do Diário de Notícias. Agora o Saramago lançou uma pequena biografia sobre a vida dele quando criança e, em entrevista a um jornal brasileiro, ele falou um pouco sobre a sua juventude na Mocidade Portuguesa. Acho que ele deve lidar um pouco mais com o seu passado durante a revolução como editor do jornal durante a revolução, isso teve mais implicações. Mas vai ser muito controverso.
RH- Hoje você coordena a formação de um programa de estudos brasileiros em Harvard, uma das mais prestigiadas universidades norte-americanas. Qual é o papel desse centro?
KM- Durante muitos anos eu estava tentando criar algo assim. E, então, entra uma universidade como Harvard, com um importante centro de estudos sobre a América Latina, com apoio para criar um projeto com estudantes. Resolvi me dedicar totalmente a essa iniciativa. Também temos um escritório aqui no Brasil. Não estamos tentando criar um “brasilianismo”, ou um grupo de brasilianistas. Queremos levar os melhores professores de Havard em política, em medicina e saúde pública e em ciências para dialogar com os melhores brasileiros, para tentar fazer uma coisa nova. Há muitos estudantes s americanos – ano passado foram mais de vinte– que vem passar seis meses aqui e aprender português, além de vários professores. Há também bolsas em Harvard para estudantes brasileiros. Para mim o programa é ótimo porque é uma razão para voltar para o Brasil com mais regularidade.
Revista de História da biblioteca Nacional
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