Engenheiro agrônomo formado pela USP com mestrado em sensoriamento remoto e doutorado em agronomia pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, José Carlos Neves Epiphanio é um dos mais importantes especialistas em sensoriamento remoto no país. Atualmente coordena, no Inpe, o Programa de Aplicações do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres CBERS. Nesta entrevista à Discutindo Geografia, Epiphanio explica a importância e a essência das atividades do sensoriamento remoto no Brasil, tecnologia que permite desde o mapeamento das safras de agricultura, passando pelo estudo das correntes marinhas, até o planejamento de áreas urbanas. Hoje, a função mais conhecida e urgente é o monitoramento da devastação da floresta Amazônica.
DISCUTINDO GEOGRAFIA – Qual é o trabalho do Inpe na área de sensoriamento remoto?
JOSÉ CARLOS NEVES EPIPHANIO – No Brasil, o Inpe foi o pioneiro a utilizar essa tecnologia espacial. O início dos estudos e das aplicações em sensoriamento remoto pelo Inpe data de 1969. Em 1972, foi realizada a implantação da estação de recepção de dados de satélites de SR [sensoriamento remoto], em Cuiabá, e a criação do curso de mestrado em sensoriamento remoto. O curso de doutorado nesta área iniciou-se em 1998. Em 2007, a pós-graduação do Inpe em sensoriamento obteve conceito 6 pela Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação]. Desde 1998, o Inpe tem oferecido anualmente cursos de uso escolar de sensoriamento remoto no estudo do meio ambiente, que objetiva a formação de professores do ensino básico da rede pública e particular do país.
O Inpe também oferece, desde 2004, cursos a distância de introdução ao sensoriamento remoto, destinados a capacitar diferentes profissionais no uso dessa tecnologia. A missão do Inpe é ser líder científico e tecnológico no uso de sensoriamento e geoprocessamento para conhecer o território e o mar continental brasileiro, bem como para gerar e transmitir conhecimento técnico e científico de alta qualidade em SR e suas aplicações em benefício da sociedade. Além disso, o instituto pretende ser um centro de referência internacional nas técnicas de uso de sensoriamento remoto para a região tropical; apoiar o programa espacial brasileiro; ser um centro de referência internacional no desenvolvimento de software livre em processamento de imagens e geoprocessamento; e manter um centro de geração e difusão de imagens de satélites de observação da terra para a sociedade brasileira. A divisão de sensoriamento remoto do Inpe tem como diretrizes básicas a pesquisa e a educação, para contribuir e aprimorar continuamente o programa de pós-graduação em SR e extensão (serviço e difusão), ou seja, promover ações de qualidade que atendam e estimulem demandas locais.
DG – O Brasil desenvolve ou usa tecnologia própria?
JC – O Brasil desenvolve e usa várias de suas próprias tecnologias tanto na construção de satélites como nas aplicações de sensoriamento remoto. No caso da construção de satélites, há um intenso intercâmbio com a indústria nacional e também com fornecedores internacionais. No caso do sensoriamento remoto, a maioria das técnicas usadas é desenvolvida no Brasil. Por exemplo, toda a pesquisa e o desenvolvimento da metodologia e dos softwares para avaliação do desflorestamento na Amazônia foram feitos pelo Inpe.
“Sem dúvida, omonitoramento daAmazônia é um dosmais importantesprojetos que o Inpedesenvolve no campo dosensoriamento remoto.”
DG – O senhor considera a tecnologia brasileira adequada, sufi ciente?
JC – Em muitos casos, sim. Porém, no caso do desenvolvimento de instrumentos sensores e do próprio satélite, é necessário adquirir produtos no exterior. Mas fazemos muitas coisas aqui mesmo, com tecnologia nacional.
DG – Quais são as relações do país com a Nasa?
JC – As relações com a Nasa sempre se deram no campo da pesquisa. Recebemos pesquisadores deles e eles recebem pesquisadores nossos.
DG – Quais foram as principais conquistas do Brasil usando essa tecnologia? O que já pode ser detectado?
JC – O Brasil está envolvido com sensoriamento desde o final dosanos 1960. Em 1973, apenas um ano após o lançamento do primeiro satélite de observação da Terra – o Landsat, pelos Estados Unidos –, o Brasil instalou sua antena de recepção de imagens desse satélite em Cuiabá. Foi o terceiro país, seguido dos próprios EUA e do Canadá. Recebíamos as imagens do Landsat antes mesmo da Europa. Isso deu uma propulsão muito grande nessa área. Paralelamente, criamos o curso de pós-graduação em sensoriamento remoto, o que permitiu a grande difusão do uso de imagens de satélite pelo país. Hoje, praticamente em todos os cursos ligados aos recursos naturais nas universidades, há matérias ligadas ao sensoriamento remoto. Os campos de aplicação são os mais vastos possíveis: agricultura (identificação das culturas, estimativas de safras, mapeamentos, fiscalização); geologia (mapeamentos, apoio a levantamentos); água (oceanografia, pesca, correntes marítimas, hidrologia, monitoramento de reservatórios); florestas (mapeamentos, planejamentos, monitoramento de desflorestamento), áreas urbanas (planejamento, expansão), e muitas outras áreas, como cartografia, policiamento, etc.
DG – Quais são os problemas mais graves do Brasil monitorados pelo Inpe? O desmatamento da Amazônia?
JC – Sem dúvida, o monitoramento da Amazônia é um dos mais importantes projetos que o Inpe desenvolve no campo do sensoriamento remoto. O Inpe é responsável por esse monitoramento há anos, e os seus resultados são reconhecidos internacionalmente. Mas também há outros projetos importantes como o mapeamento das áreas de cana-de-açúcar e de outras culturas, os trabalhos de gerenciamento costeiro, etc.
“O sensoriamento remotose popularizou. Se antespoucos tinham acesso porcausa do custo das imagens,agora qualquer pessoa podebaixar uma imagem, usarum software adequado eidentificar uma aplicação.”
DG – Em 2005, o Inpe chegou à marca de 100 mil imagens distribuídas pelos satélites CBERS, tornando-se o maior distribuidor do gênero no mundo. O que isso significa, de fato?
JC – O lançamento do satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres CBERS-2, em outubro de 2003, em parceria com a China, foi um marco no programa espacial brasileiro. As imagens passaram a ser distribuídas gratuitamente a todos os usuários (http://www.cbers.inpe.br/), ocorrendo uma explosão de novas aplicações e novos usuários. Em setembro de 2007 foi lançado o CBERS-2B, e continuou-se com a mesma média de distribuição anterior – cerca de 10 mil imagens por mês. Isso significa que o sensoriamento remoto se popularizou. Se antes poucos tinham acesso por causa do custo das imagens, agora qualquer pessoa pode baixar uma imagem, usar um software adequado e identificar uma aplicação que pode ser oferecida a um cliente. Isso tem dinamizado o setor, com a criação de empresas e empregos especializados.
DG – Há demanda de profissionais especializados nesse setor?
JC – Há boa demanda por profissionais especializados em sensoriamento remoto e em geotecnologias. O Inpe tem cursos de especialização, mestrado e doutorado nessa área, além de cursos de curta duração e a distância. Com isso, atendemos a uma ampla gama de interesses. Mas há diversas outras instituições que fornecem bons cursos de sensoriamento remoto. O que temos observado é que todos os ex-alunos acabam sendo chamados para trabalhar especificamente no campo de sua formação.
DG – Três satélites já foram lançados: CBERS-1 (1999), CBERS-2 (2003) e CBERS-2B (2007). Até 2012 estão previstos mais dois lançamentos: CBERS-3 e CBERS-4. Qual sua avaliação sobre os avanços do setor?
JC – O programa CBERS tem criado uma grande massa de usuários de imagens de satélite no Brasil e mesmo na América Latina. As empresas têm sido contratadas para construírem partes dos instrumentos e dos satélites. Empresas ligadas ao segmento de prestação de serviços especializados em sensoriamento remoto e tecnologias associadas têm surgido. Embora isso tenha gerado sobre o Inpe uma responsabilidade muito grande tanto no gerenciamento do programa como no atendimento aos usuários, temos conseguido levá-lo adiante commuita eficiência. Os CBERS-3 e 4 são uma nova geração na família CBERS, com novos sensores e melhor capacidade de monitoramento. Porém, para que o programa continue tendo o êxito que tem tido, é fundamental que os recursos necessários à sua continuidade estejam disponíveis nos volumes e nos prazos necessários. Afinal, dados os benefícios palpáveis e concretos que tem trazido ao país, é inimaginável pensar que o Brasil possa abrir mão de um programa espacial de observação da Terra sólido, previsível e eficiente.
Revista Discutindo Geografia
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