sábado, 17 de janeiro de 2009

Escravidão manteve unidade nacional - Jacob Gorender


Para Gorender, escravidão manteve unidade nacional

Nome: Jacob Gorender
Idade: 76 Carreira: Foi membro do Comitê Central do PCB e fundador do PCBR. Foi professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo
Livros: "O Escravismo Colonial" (Ática), "Combate nas Trevas" (Ática), "Marxismo sem Utopia" (Ática), "Marcino e Liberatore" (Ática), "A Escravidão Reabilitada" (Ática), "Bukharin" (Ática), "A Burguesia Brasileira" (Brasiliense), "Gênese e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro" (Mercado Aberto), "O Fim da URSS" (Atual)

MAURICIO PULS
da Redação

Autor de dois clássicos dahistoriografia brasileira, ‘O Escravismo Colonial‘ e ‘Combate nas Trevas‘, Jacob Gorender, 76, sustenta que a escravidão foi o fator que assegurou a unidade do Brasil, em contraste com a fragmentação territorial que caracterizou a América espanhola. Gorender, que acabou de lançar ‘Marxismo sem Utopia‘, analisa também o regime militar e o governo FHC. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - ‘O Escravismo Colonial‘ é um clássico na historiografia brasileira. Que mudanças o sr. faria hoje no livro?
Jacob Gorender - Eu não faria modificações nas teses do livro. Obviamente, as pesquisas istoriográficas avançaram, e há detalhes que eu gostaria de incluir. Mas isso não modifica o conteúdo das teses que apresento no livro.

‘O Escravismo Colonial‘ contém a chave explicativa do passado brasileiro, que é a escravidão. A escravidão foi a força motriz da unidade da América portuguesa, unidade que se manteve no Brasil independente. Note-se que, na América espanhola, a escravidão só teve intensidade semelhante no Caribe. Na América do Sul, o que há são bolsões escravistas na Venezuela, na Colômbia, no Peru.
O que se deu é que, no Brasil, a escravidão existiu de norte a sul, da Amazônia ao Rio Grande do Sul. A classe dominante também era uma só, a de senhores de escravos. Ela tinha interesse em manter a unidade territorial por várias razões.
Primeiro, porque garantia o tráfico africano. O tráfico resistiu até 1851, enfrentando a perseguição da Inglaterra, a superpotência da época. Segundo, garantia o tráfico interno, a livre movimentação da mercadoria escrava em todo o território, o que mantinha seus preços num nível conveniente. Por fim, permitia o esmagamento de rebeliões escravas com mais potência. O poder central interveio várias vezes para sufocar levantes de escravos, particularmente por intermédio de Caxias.
Esses fatores fizeram com que a classe escravocrata superasse as tendências centrífugas em favor de tendências centralizadoras. Houve várias tentativas de separação, de formação de unidades independentes, mas prevaleceu o interesse maior na unidade.

Folha - Já na América espanhola, em que havia uma diversidade maior de formas de produção, não houve unidade.
Gorender - Não era uma classe dominante unificada. Não houve uma unidade que superasse as tendências centrífugas. Daí essas 20 e tantas repúblicas.

Folha - ‘Combate nas Trevas‘ analisa o regime militar. Mas a militarização do Estado brasileiro não foi um fato isolado. Naquele período, houve a instauração de regimes militares em quase toda a América Latina.
Gorender - Mas em outras nações havia precedentes de regimes militares (Bolívia, Argentina, Venezuela), precedente que não existia no Brasil. Agora, houve um fator externo, que é a Guerra Fria e o apoio americano aos regimes de força. Havia um período de grande turbulência na América do Sul e na América Central -veja-se o caso de Cuba. Essa turbulência abrangeu quase todo o continente. Com a Guerra Fria, a política exterior americana decididamente tomou o partido dos regimes de força. As tendências militarizantes já existiam e, quando apareceram, os EUA não vacilaram: deram apoio às forças que pretendiam instituir ditaduras.

Folha - O governo militar ampliou muito o setor estatal na economia. Essa estatização ocorreu também em outros países após a 2ª Guerra: Itália, Espanha, Reino Unido, França, Alemanha. O sr. acha que a estatização foi uma resposta do capital nacional à expansão do capital estrangeiro em cada país?
Gorender - Parece-me que foi uma resposta às necessidades de uma nova fase do capitalismo. O capitalismo, no pós-guerra, entrou numa fase nova de investimentos. Na Europa, ela partiu de uma região devastada, onde a carência de capital era grande. Havia necessidade de investimentos em infra-estrutura e na indústria de base que o capital privado não tinha condições de assumir. Justamente na Europa Ocidental, há uma onda estatizante. Não havia capital privado para realizar esses investimentos. No Brasil também.

Folha - O que determinou o fim do regime militar?
Gorender - O regime militar tinha a necessidade de se legitimar diante da população brasileira com o desenvolvimento econômico. Tanto Médici como Geisel tinham como trunfos o fato de terem debelado a inflação e promovido o desenvolvimento. De 68 a 73, a economia cresceu a taxas de 10% ao ano. Em 73 houve pleno emprego. Foi um período de crescimento, e isso era alardeado pelos militares. Isso começa a declinar com Geisel. A inflação volta a crescer, a facilidade de conseguir emprego já não é grande. O declínio se torna evidente no período Figueiredo, o que tem reflexos na vida política. Torna-se insustentável legitimar o regime com base em seus êxitos econômicos.

Qual seria o grupo hegemônico no governo FHC? O capital estrangeiro parece ter uma grande influência nele.
Gorender -O Brasil ainda não é uma colônia. Quem está no poder são brasileiros, representantes de interesses brasileiros. Há aí outros fatores. O Brasil conseguiu completar a Segunda Revolução Tecnológica no final dos anos 70 -eletricidade, química etc. Mas, quando ele chegou a isso, irrompe a Terceira Revolução Tecnológica, centrada na informática e nas telecomunicações. E aí o Brasil ficou para trás. Basta ver a informática. Tentou-se a solução nacionalista, que não deu certo. A atualização do grande capital nacional vem das multinacionais. Esse capital que se associa ao multinacional vê no capital internacional o veículo da atualização tecnológica do Brasil. O problema é que, com a tecnologia estrangeira, vem também o domínio do capital estrangeiro, que está crescendo.
Folha on line - (27/3/2000)

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