João José Reis
(24/4/2000)
"Não creio em solução",
diz João José Reis
Nome: João José Reis
Cargo: professor do departamento de história da Universidade Federal da Bahia
Especialidade: escravidão
Livros publicados: "A Morte é uma Festa - Ritos Fúnebres e Revolta Popular no Brasil do Século 19" (Companhia das Letras), "Liberdade por um Fio - História dos Quilombos no Brasil", com Flávio dos Santos Gomes (Companhia das Letras), entre outros
SYLVIA COLOMBO
Editora interina de Especiais
Para o historiador João José Reis, da Universidade Federal da Bahia, as ex-colônias da América Latina estão sendo espancadas pela globalização. Reis crê, porém, que o processo possui um lado bom, ao fornecer elementos para que as minorias resistam ao racismo doméstico, "é o caso do reggae na Bahia e no Maranhão e o do rap em São Paulo e no Rio". Leia abaixo a entrevista que o historiador deu à Folha, por e-mail, de sua casa, em Salvador.
Folha - Quais as principais lacunas na história da escravidão no Brasil? Existem pesquisas dando conta delas?
João José Reis - Há bastante pesquisa, especialmente cobrindo o século 19: tráfico, demografia, família, economia, resistência, abolicionismo, religião, várias dimensões da cultura escrava, etc. Mas as lacunas são também grandes. Há pouca coisa publicada sobre o período colonial do século 18 para trás. Há pouca história comparativa entre o Brasil e outros países escravistas, assim como entre várias regiões do país. Mas a maior lacuna é a história do negro após a abolição, silêncio só recentemente rompido, e ainda timidamente.
Folha - Devido a seu passado colonial comum e ao papel que lhes coube no pós-Independência, os países latino-americanos passaram por ciclos políticos comuns (liberalismo, ditaduras militares, populismo). Com a globalização, que posição aguarda a América Latina no cenário internacional?
Reis - Embora a América Latina não possa ser toda ela colocada no mesmo plano, teve em comum um modelo específico de colonização, foi colônia de exploração no contexto da primeira globalização, a do século 16 em diante. Hoje tem uma posição estruturalmente frágil internacionalmente. A atual globalização continua espancando as ex-colônias e sobretudo seus pobres. Estes continuarão se mobilizando contra uma maior deterioração de suas condições de vida, enquanto as elites, que não querem abrir mão de nada, endurecerão o controle político quando se sentirem ameaçadas. Não creio em solução, em lugar nenhum, com os níveis existentes de desigualdade.
Folha - O que acha do movimento negro no Brasil hoje? Acha que o fato de grupos negros evocarem sua tradição cultural é uma forma de encarar a massificação apontada pela globalização?
Reis - O movimento negro tem desempenhado papel fundamental ao alertar o país para o racismo, algo que não deve ser esquecido neste momento em que uma visão ingênua da miscigenação tende a ser revitalizada. Um dos negócios da comemoração dos 500 anos é enfatizar a imagem de um país que, porque é miscigenado, não tem clivagens raciais. Quando os negros celebram suas tradições culturais não estão exatamente se posicionando contra a massificação globalizante, mas contra o racismo doméstico. Usam também para tal fim informações facilitadas pela globalização, o caso do reggae na Bahia e no Maranhão e o do rap em São Paulo e no Rio. Globalização tem seu lado bom.
Folha - O que o senhor considera que a efeméride dos 500 anos possa representar para a historiografia? Há uma releitura crítica do passado colonial por parte dos acadêmicos?
Reis - A efeméride serve para os pesquisadores se reunirem em colóquios, onde a maioria lança um olhar crítico sobre a Colônia, e não só a Colônia. Celebrações desse tipo não são totalmente inúteis. Mas a historiografia não depende de efemérides para mudar de rumo. Visões críticas sobre o passado colonial já existem entre nós desde pelo menos o século 19. Todo esse debate é muito velho.
Folha - O senhor acha que faz sentido acreditar numa comunidade lusófona, com Brasil, Portugal e as ex-colônias africanas?
Reis - Não vejo muito sentido, a não ser para gramáticos. A língua não constitui uma razão suficiente para se pensar em comunidade. Portugal deve sua lealdade à comunidade européia. Os países africanos, além de polifônicos, têm problemas mais dramáticos e urgentes a tratar. A língua comum continuará facilitando o contato, sobretudo cultural, que no caso da África eu acho que poderia ser intensificado - mas só.
Folha on line
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